
“Este assassinato assume toda a gravidade do que estamos a viver no nosso país”, afirmou o cardeal Ortega. Foto: Direitos reservados.
O cardeal José Francisco Robles Ortega, arcebispo de Guadalajara (México) criticou a política do Presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, que considerou de “abraços, não balas” contra o crime organizado, depois de dois padres jesuítas terem sido assassinados dentro de uma igreja em Cerocahui, Chihuahua, com um homem que tentavam proteger.
Javier Campos Morales, 79 anos, e Joaquín Mora Salazar, 78, foram mortos na segunda-feira, dia 20, quando um homem perseguido por um outro, que estava armado, se refugiou na igreja onde ambos os padres se encontravam. O Secretariado de Segurança e Protecção dos Cidadãos (SSyPC) já identificou o suposto responsável pelo homicídio e a investigação para o encontrar continua.
“O crime não sabe de abraços”, disse o arcebispo na abertura da 9ª assembleia pastoral diocesana de Guadalajara, que decorreu na última quarta-feira. “Estas pessoas não sabem de abraços, por muito que o Governo lhes ofereça e lhes prometa e lhes dê abraços. Eles não entendem de abraços, só sabem de balas”, acrescentou, citado pelo jornal Milenio.
O arcebispo de Guadalajara disse ainda que a função das autoridades é levar esses grupos criminosos perante a lei, pelos assassinatos e por todas as actividades que realizam contra a lei: “O Governo tem de lhes enviar a mensagem de que não haverá mais impunidade, porque esta mensagem de abraços é uma mensagem de impunidade. Se o fizerem, não haverá tiroteio e não haverá intervenção da lei.”
Na opinião do cardeal, o crime reflecte a situação extremamente grave que o país está a atravessar em termos de violência, uma vez que se registam perto de 100 mortes por dia: “Este assassinato assume toda a gravidade do que estamos a viver no nosso país. Os sacerdotes estavam num lugar que corresponde à sua acção ministerial, num lugar que supostamente deveria experimentar a força, presença e misericórdia de Deus no templo. Eles estavam a cumprir a sua missão.”
O cardeal Ortega acrescentou, segundo a mesma fonte, que os dois padres mortos não estavam a fazer nada de subversivo ou a encorajar a violência de outros grupos contra o Governo, mas que estavam no lugar mais apropriado para o seu ministério.
A dedicação aos indígenas e a violência estrutural
Também o Papa manifestou a sua “dor e consternação” com a notícia. “Quantos assassinatos no México! Estou próximo, com afecto e oração, da comunidade católica atingida por esta tragédia. Mais uma vez repito: a violência não resolve problemas, mas aumenta o sofrimento desnecessariamente”, disse Francisco, jesuíta como os dois padres mortos.
De acordo com o Ponto SJ, portal dos jesuítas em Portugal, a Companhia de Jesus no México exigiu uma investigação séria ao crime e a garantia, por parte das autoridades federais e estatais, da segurança dos outros três jesuítas na cidade, bem como da equipa pastoral da paróquia.
O geral dos jesuítas, o venezuelano Arturo Sosa, também se manifestou emocionado e triste: “Os meus pensamentos e orações estão com os jesuítas no México, e as famílias dos dois jesuítas” assassinados. E acrescentou: “Temos de parar a violência no nosso mundo e tanto sofrimento desnecessário.”
O padre Mora foi professor do secundário e era muito respeitado entre as comunidades indígenas, com as quais viveu e trabalhou durante décadas no estado de Chihuahua, diz a revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos.
Javier Morales, por seu lado, tinha passado meio século – ou seja, toda a sua vida de padre – ao serviço da comunidade indígena Rarámuri. Muito antes de muitas estradas serem pavimentadas na Tarahumara, o padre Campos cruzou a região numa motocicleta, conta a mesma revista. Era um bom cantor e sabia imitar bem um galo, o que lhe valeu o apelido de “Gallo”.
Os Rarámuri, famosos pela sua capacidade de percorrer longas distâncias através das terras montanhosas onde vivem, são desde há muito pobreza, exclusão e exploração. Os madeireiros, diz a America, saquearam as suas florestas e os gangues da droga cultivam marijuana e papoilas opiáceas nas suas montanhas.
O estado fronteiriço de Chihuahua tem pelo menos doze grupos criminosos armados actualmente activos – pequenos gangues que surgiram de cartéis de droga que actuaram impunes durante décadas, na região. Milhares de armas ligeiras atravessam a fronteira dos Estados Unidos todos os meses, por “troca” com a droga que invade o vizinho do Norte, destinada aos consumidores americanos.