Cardeal Tolentino evoca “um caixão com a forma de Portugal” e Lídia Jorge fala do “menino de 15 anos oferecido ao futuro” nas exéquias de Eduardo Lourenço

| 3 Dez 2020

Funeral Eduardo Lourenco

A urna de Eduardo Lourenço, coberta com a bandeira nacional. Foto © Ecclesia/Paulo Rocha

 

O cardeal José Tolentino Mendonça lembrou nas exéquias do ensaísta e pensador Eduardo Lourenço, que morreu terça, dia 1, “o explorador e o cartógrafo”, “o psicanalista do destino e o decifrador de signos”, “investigador generoso e iluminado” a quem Portugal deve maior entendimento de si. No final da missa no Mosteiro dos Jerónimos, nesta quarta-feira, 2 de Dezembro, a escritora Lídia Jorge disse que o autor de Heterodoxias permanecerá como “alguém de 15 anos, dentro de uma estante, oferecido ao futuro”.

Recordando o seu legado para a construção de uma “sociedade livre e próspera”, a escritora afirmou, em declarações à agência Ecclesia: “Foi sempre um jovem de temperamento. Mantém-se sempre alguém de 15 anos, dentro de uma estante, oferecido ao futuro. É importantíssimo passar aos jovens a mensagem que deixou, porque sempre acreditou que a juventude é capaz de fazer valorizar o passado, a partir da força que ele dá, a construir um futuro melhor.”

Uma “estante enorme cheia de livros” fica disponível para “quem não o conheceu”, acrescentou a autora de O Dia dos Prodígios. Para que possa, “através dos livros, aprender como se dialoga com os outros, como se luta pela verdade, como se dá à função do pensamento e sentido crítico, o valor mais alto para se construir uma sociedade livre e próspera”.

A eucaristia – na qual participaram familiares de Lourenço, esctiores, políticos, académicos e o Presidente da República – foi presidida pelo patriarca de Lisboa, cardeal Manuel Clemente. A homilia foi proferida por Tolentino Mendonça, também cardeal e bibliotecário do Vaticano.

“Teixeira de Pascoais, que escreveu a Arte de Ser Português, quis ser enterrado num caixão em forma de lira; o caixão de Eduardo Lourenço tem, qualquer que seja a sua forma, a forma de Portugal, do qual ele foi e será, para muitas gerações futuras, um explorador e um cartógrafo, um detective e um psicanalista do destino, um sismógrafo e um decifrador de signos, uma antena crítica e um instigador generoso e iluminado. Depois dele, todos podemos dizer que nos entendemos melhor a nós próprios”, afirmou.

 

“Uma experiência de perda colectiva”

O arquivista e bibliotecário da Santa Sé disse, a propósito do dia de luto nacional que tinha sido decretado para o dia de quarta-feira, que o pesar que Portugal manifesta por Eduardo Lourenço pertence aos lutos que “excedem o domínio pessoal, pois configuram-se como uma experiência de perda colectiva”.

“Quando morre um escritor, a literatura fica enlutada; mas também acontece – raramente, é verdade, mas acontece – que, com alguns escritores, a própria literatura ou uma ideia de literatura ou uma inteira ética da literatura morra com eles. Pois naquele criador que partiu, os leitores de uma geração, que até pode ser de uma geração futura, reconhecem uma razão, uma sabedoria, uma verdade ou um fulgor, onde se encontraram reflectidos, interrogados, transportados a uma fronteira de si próprios e do mistério”, afirmou.

O cardeal recordou a inscrição no túmulo de Rafael, esculpido por Pietro Bembo, no Panteão de Roma: “Aqui jaz Rafael Sanzio, que enquanto vivo a natureza temeu por ele ser vencida; mas agora morto, a natureza teme morrer com ele.” E afirmou que, perante a morte de Eduardo Lourenço, se teme morrer.

Tolentino Mendonça recorreu a várias referências literárias e artísticas, territórios onde Lourenço sempre se moveu, para dizer que o ensaísta mostrou que “todos somos habitantes da solidão de Pessoa e do profetismo de Antero ou de Agostinho da Silva, do levantamento do chão de Saramago e da música de Lopes Graça, da religiosidade de Régio e de Manoel de Oliveira, dos socalcos durienses de Agustina e da praia lisa que Sophia sonhou”. Depois dele, acrescentou, “todos podemos dizer que nos entendemos melhor a nós próprios”.

Portugal deve a Eduardo Lourenço, resumiu, a “rara capacidade do cuidar da ideia de comunidade”, uma concepção que “reforça o conjunto como nação” e elucida sobre “a experiência de bem-comum que é um país”.

 

“Não há nada superior às bem-aventuranças de Jesus”

Socorrendo-se ainda de outro nome, estrangeiro desta vez, afirmou: “Montaigne, o inventor moderno dos ensaios, escreveu que aprender a morrer é vencer a sujeição e ultrapassar finalmente a condição de escravo. A Eduardo Lourenço devemos a lição de interrogar, não só a vida mas também a morte, com sabedoria, distanciamento, serenidade e esperança, lutando para conter a história nos limites do humanamente aceitável, tarefa, como sabemos, trabalhosa e inacabada, mas também indeclinável, se quisermos que a civilização e o humanismo sejam mais do que uma abstração.”

O bibliotecário da Santa Sé recordou uma pergunta feita a Eduardo Lourenço: “Professor, o que pensa de Deus?” A resposta “abriu um alçapão, trouxe aquele arrepio sideral do infinito que falava Pascal: ‘Sabe, mais importante do que dizer o que eu penso de Deus é saber o que Deus pensa de mim’.”

A única vez que viu chorar o autor de O Labirinto da Saudade, disse o cardeal Tolentino, foi numa “conversa animada, sobre textos bíblicos, saltando entre personagens”. E contou: “Ele tropeçou, como o apóstolo Paulo terá tropeçado, na palavra ‘Jesus’. E os seus olhos encheram-se de água e a sua voz de silêncio, de lentidão e soluços. Passou muito tempo para que me dissesse, chorando: ‘Não há nada superior a Jesus. Já se imaginou um Deus que diz ‘Bem-aventurados os pobres, os humildes, os misericordiosos, os puros de coração, os perseguidos, os que têm fome e sede de justiça, os que constroem a paz’? Não há nada superior a isto”, lembrou.

E nos Jerónimos, que o ensaísta já apelidara de “jardim de pedra”, o cardeal concluiu: “Agradeçamos ao Deus das bem-aventuranças as palavras que Eduardo Lourenço nos iluminou sorrindo, e aquelas para cujo sentido ele nos abriu, chorando.”

 

Uma “ausência luminosa”

No final da missa, o cardeal-patriarca de Lisboa convidou ao conhecimento da obra de Eduardo Lourenço, que “deixou páginas fundamentais” para se perceber “o que é ser português, europeu e cidadão do mundo” e sublinhou o contributo “muito consistente” do ensaísta.

Eduardo Lourenço “foi alguém que durante toda a sua vida nos fez interrogar sobre o que somos, como pessoas e como portugueses, como europeus e cidadãos do mundo, e essa interrogação permanente (…) ajudou-nos a todos a crescer”, afirmou, referindo ainda a “inquietação” sobre Deus que o ensaísta “transportou durante toda a sua vida”, transportada desde a infância.

Também em declarações já no exterior da igreja, Tolentino Mendonça sublinhou ainda o contributo de Eduardo Lourenço como “teórico da ausência”. E explicou: “Ele falou da presença de Deus contando quão ardente, quão insepulta, quão irresolúvel, quão irremovível é a ausência de Deus. É um falar de Deus pela negativa – não a presença, mas a ausência – mas aqui a ausência era tão luminosa e vibrante, ressoava tanto, que é um dos autores fundamentais para, em Portugal, pensarmos a questão de Deus.”

“Nas milhares de páginas que escreveu, acrescentou, em que falou dos poetas, músicos e cineastas, estava a dizer que o trabalho criativo desenvolvido por portugueses e portuguesas ao longo do tempo, com temperamento e percursos e géneros tão diversos, no fundo, estávamos todos a construir uma casa espiritual comum.”

 

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