Viagem de dois dias a Moscovo

Cardeal Zuppi vai abrindo portas ao dialogo e à ação humanitária

| 30 Jun 2023

Cardeal Zuppi com patriarca Cirilo, a 30 junho 2023, em Moscovo. Foto Vatican Media.

Na residência patriarcal e sinodal do mosteiro Danilov em Moscovo, Cirilo estava ladeado pelo metropolita António, chefe do Departamento das Relações Externas da Ortodoxa Russa. Foto © Vatican Media.

 

Foram dois dias intensos de contactos aqueles que o cardeal Matteo Zuppi viveu em Moscovo, esta semana, enquanto enviado do Papa. O momento mais significativo terá sido a reunião de delegações da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa Russa (IOR), esta chefiada pelo hierarca-mor, o patriarca Cirilo. Do lado do Kremlin, Putin desceu a fasquia, relativamente à Ucrânia: quem recebeu o enviado papal foi um assessor do presidente Putin.

Quanto a resultados…parece ser cedo, mas o cardeal, com longo traquejo neste tipo de ações – intermediou as conversações para o fim da guerra civil em Moçambique, no início dos anos 90, em nome da Comunidde de Sant’Egídio – poderá estar a abrir caminhos.

A viagem de Zuppi, depois da que fez à Ucrânia, no início de junho, tinha objetivos básicos: “encorajar gestos de humanidade que possam contribuir para favorecer uma solução para a atual situação trágica e encontrar formas de alcançar uma paz justa” entre a Rússia e a Ucrânia.

Entre esses gestos de humanidade, inclui-se certamente o encontro que teve, esta quinta-feira, 29, com Maria Lvova-Belova, comissária para os direitos das crianças, que permitiu abordar a grave e delicada questão das milhares de crianças ucranianas transferidas pelas tropas invasoras para a Rússia. A própria comissária foi objeto de um mandato de captura do Tribunal Penal Internacional de Haia, tal como Putin, pelo papel desempenhado neste dossiê [ver 7MARGENS].

Maria Lvova-Belova escreveu na sua conta na rede Telegram que discutiu com Zuppi “questões humanitárias relacionadas com as operações militares e a proteção dos direitos das crianças”, acrescentando estar “certa de que o amor e a compaixão cristãos ajudarão ao diálogo e à compreensão mútua”.

 

O diálogo com Cirilo

Na residência patriarcal e sinodal do mosteiro Danilov em Moscovo, Cirilo estava ladeado pelo metropolita António, chefe do Departamento das Relações Externas da IOR, que teve por duas vezes audiências com o Papa Francisco, nos dois últimos meses. O cardeal fez-se acompanhar de um funcionário da Secretaria de Estado do Vaticano e de um colega da Comunidade de Sant’Egídio, o historiador especialista sobre a Rússia, Adriano Roccucci.

Cirilo, que tem sido um apoiante incondicional da guerra desencadeada por Putin, referiu, segundo um comunicado que se pode ler, apenas na versão em russo, no site do Patriarcado de Moscovo, que, “numa época em que surgiram problemas de grande dimensão nas relações entre a Rússia e o Ocidente, quando enfrentamos uma grande tensão na esfera das relações políticas e ameaças de um grande conflito armado mundial, é muito importante que todas as forças interessadas em manter a paz e a justiça se unam para impedir tal possível desenvolvimento dos acontecimentos”.

O patriarca recordou, nesta linha, a experiência de contactos entre as duas Igrejas, desde os tempos da “guerra fria”, realçando o papel então desempenhado pela Comunidade de Sant’Egídio. Desejou que, “nas condições atuais, marcadas também por muitos perigos, as Igrejas possam, com esforços conjuntos, prevenir o desenvolvimento negativo das circunstâncias políticas e servir a causa da paz e da justiça”.

Sobre a Ucrânia, Cirilo começou por informar o alto representante do Papa Francisco sobre o que designou como “perseguição sofrida por comunidades, clérigos e fiéis da Igreja Ortodoxa Ucraniana canónica” (ou seja, aquela que era, até 2022, dependente eclesiasticamente do Patriarcado de Moscovo). Afirmou, depois, que a situação é, para ele, “extremamente dolorosa” por liderar um “rebanho” localizado “tanto na Rússia como na Ucrânia e em outros países”, acrescentando que, desde 2014, em todas as igrejas russas ortodoxas se reza pela paz na Ucrânia. “Usamos e continuaremos a usar todos os meios para acabar com este terrível conflito o mais rapidamente possível, para que haja o menor número possível de vítimas”, rematou.

Por sua vez, o cardeal Matteo Zuppi transmitiu as saudações do Papa Francisco ao patriarca e, de acordo com declarações que fez no final da visita, Francisco “queria muito” o encontro do cardeal com Cirilo para “conhecer a sua visão sobre a situação em que nos encontramos e sobre um possível encontro com ele”.

Matteo Zuppi considerou que o diálogo se deve intensificar. “Como cristãos, disse, devemos ajudar-nos uns aos outros para saber como agir. Diante das dificuldades objetivas deste tempo, devemos entender o que o Senhor nos pede que façamos. E estamos muito felizes hoje por poder ouvi-lo e resolver os problemas existentes. Os interlocutores consideraram especialmente importante, na situação atual, concentrarem-se na resolução de questões humanitárias.

 

Viagem do Papa facilitada?

O vaticanista Robert Mickens, correspondente em Roma do jornal francês La Croix International, está convencido de que esse tipo de ação humanitária, nomeadamente a restituição das crianças à Ucrânia “é a única coisa que Zuppi pode conseguir em Moscovo e em Kiev”. Isto porque “há uma profunda desconfiança no mundo ortodoxo em relação à Igreja Católica Romana”, diz ele, citado pelo site noticioso CNE – Christian Network Europe.

Seria mais por uma questão de busca de legitimidade que tanto Moscovo como Kiev recebem o enviado papal, já que o líder da Igreja Católica é visto, ainda de acordo com Mickens, como demasiado controverso do ponto de vista político.
Em jeito de balanço desta deslocação de Matteo Zuppi, o articulista do jornal italiano Il Manifesto conclui: “Aqueles que falam de fracasso ou de um erro por parte da Santa Sé que teria legitimado Putin estão enganados. Mas também estão errados aqueles que acolhem com excessivo entusiasmo a visita de Zuppi. Afinal, era evidente que o arcebispo de Bolonha não tinha sido enviado a Kiev e a Moscovo para regressar com um tratado de paz assinado por Putin e Zelensky, até porque os principais intervenientes – incluindo a NATO, que ignorou a iniciativa do Vaticano – não mostram qualquer intenção de o fazer”.

Contudo, pode, com esta visita, ter-se facilitado uma eventual viagem do Papa Francisco a Kiev e a Moscovo. Também ela uma visita simbólica. Mas em certos contextos, os símbolos podem ter muita força.

 

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