
A Assembleia da República recebeu 95.287 assinaturas a pedir o referendo e a Federação pela Vida quer que os deputados votem essa possibilidade. Foto © Ecclesia.
Os dinamizadores da “Iniciativa Popular de Referendo Sobre a (Des)Penalização da morte a pedido” escreveram uma carta aberta aos deputados, que nesta quarta-feira está a chegar ao Parlamento, pedindo-lhes que “em consciência, ouçam o povo que os elegeu”, traduzido nas 95.287 assinaturas recolhidas pela petição para a realização de um referendo, que nesta quinta-feira será debatido no plenário e votado na sexta-feira, 23.
A carta dos responsáveis da Federação pela Vida, dinamizadora da iniciativa, diz que o referendo “não faz a Lei” – que “só o Parlamento” pode fazer – mas é “decisão prévia à lei” e insiste em alguns argumentos que têm sido invocados por estes grupos: o tema não constava do programa eleitoral dos dois partidos maioritários; desde a década de 1990, o artigo 24º da Constituição (“A vida humana é inviolável”) “só uma vez foi objecto de derrogação, mas só após dois referendos”, em 1998 e 2007; e “a situação pandémica tornou ainda mais evidente a importância da saúde pública e da saúde de cada pessoa, as dificuldades e limites do Serviço Nacional de Saúde, até na prestação de cuidados primários, e o abandono em que se encontram tantos idosos”.
Na carta, defende-se ainda que a aprovação do referendo sobre a despenalização da eutanásia “é uma decisão histórica em que se reclama a afirmação dos valores da Constituição e do Estado Democrático” e que “a iniciativa popular de referendo e a democracia participativa não são meros actos decorativos da Constituição”, antes “completam e reforçam a democracia representativa”.
A carta conclui dizendo que “as reservas ou oposição, manifestadas, com excepção de dois especialistas, por todas as entidades ouvidas pela Assembleia da República (organismos de consulta do parlamento, ordens profissionais e movimentos sociais) apelam a uma maior reflexão sobre a (des)penalização da morte a pedido”.
“Devolver a voz ao eleitorado”
Entregues em mão no correio do Parlamento na segunda-feira, as cartas foram endereçadas nominalmente a cada um dos 230 deputados. Por isso, a maior parte deles terá tomado conhecimento dela na terça-feira ou durante o dia de hoje, quarta.
Os movimentos que dinamizaram a recolha de assinaturas a pedir um referendo sobre a eutanásia têm-se mobilizado em várias iniciativas, sobretudo através de textos em jornais e publicações nas redes sociais. Na última semana, os coordenadores da iniciativa têm pedido aos apoiantes que façam vídeos curtos, com a mensagem básica “Eu quero o referendo.”
António Pinheiro Torres, um dos coordenadores da campanha, diz ao 7MARGENS que “vale a pena escrever a cada um dos deputados”. E justifica com o “dever cidadão” de lhes “proporcionar informação para a sua tomada de decisão”, por confiar “no respectivo desejo de bem-comum, oferecendo por isso o meu contributo e para apelar à sua liberdade na decisão que tomará, focada na proposta em concreto e não perturbada por todos os outros cálculos políticos e de circunstância”, mesmo que estes sejam “legítimos”.
Decidir por um referendo significa – acrescenta – “querer devolver a voz ao eleitorado, que não foi consultado sobre a questão na campanha eleitoral”. E só “honra quem seja favorável à eutanásia”, pois traduziria uma forma de dizer: “Eu acho que isto deve ser feito e quero que o eleitorado me o confirme, aceitando que também decida em contrário, porque quero devolver a questão à mesma soberania que me elegeu a mim.”
Argumentando que não há qualquer “contradição entre apresentar e aprovar projectos de lei e aceder a que haja um referendo”, Pinheiro Torres acrescenta que “quem decidir favoravelmente o referendo ‘só’ decide perguntar, não decide, nem favorável nem contrariamente, a questão de fundo”.
O facto de já haver projectos de lei aprovados “ajuda ao esclarecimento popular, porque permite reflectir não apenas sobre a questão de princípio, mas também sobre o que implica a sua concretização jurídica”, defende ainda o advogado.
Lembrando que técnica e legalmente o referendo só pode ter lugar quando há projectos em discussão, acrescenta ainda que a decisão de um referendo, por um parlamento, “é o cúmulo da democracia representativa”. É o Parlamento “quem decide ou não que a democracia participativa seja actuada e porque será ela (a democracia representativa) que depois e em lei lhe dará expressão legislativa”.