
“O amor também reside na subtileza, na leveza, na aceitação da individualidade.” Pintura: Almada Negreiros, “Maternidade”, óleo s/ tela (1935), Museu Calouste Gulbenkian
Diz-se muito que os filhos servem para ensinar aos pais o amor incondicional. Acredito em parte. Realmente, os filhos vêm para que consigamos perceber a quantidade de amor que somos capazes de suportar cá dentro. O problema é que crescemos pouco treinados para lidar com essa expansão; e são poucos, aqueles que se entregam à real contemplação da natureza do amadurecimento do ser. Eis o que é amar, verdadeiramente.
Confunde-se o amor com as expectativas e perspetivas que, tão ingratamente, se depositam nos filhos. Há uma tendência desprezível para culpas e orgulhos alheios, como se os filhos fossem meros objetos de estudo. Se singram na vida, muito honrados se sentem pai e mãe, com a tão equivocada sensação de que foi graças à educação que se lhes deu. Se fracassam, a culpa infinda-se como se toda a dedicação tivesse sido um erro.
Acaso os pais não vivem inseridos numa sociedade? Acaso os pais não têm o direito de ser humanos com defeitos e qualidades? Acaso os pais são donos da sorte e do destino? Acaso os pais são deuses?
Não!! O amor também reside na subtileza, na leveza, na aceitação da individualidade.
A maior e mais bela função de um pai, de uma mãe, é a primazia na abordagem dos valores. É tudo o que se pode. O respeito íntegro reside na observação ativa; isso é ser mãe e pai, transmitir valores nunca esquecendo que a perfeição não passa de um mito.
Ver um filho crescer é como apreciar o ciclo da natureza e nada é mais belo que deixá-lo fluir em seus encantos, ao passo que nos vamos tornando a margem serena e assertiva, que também é passível de transbordo aquando das tempestades.
É estéril sonhar com o que se quer para os filhos, é roubar-lhes a vida. Não sonhar por eles torna-os superiores àquilo que qualquer sonho possa imaginar; deixemo-los navegar pela autenticidade, pela descoberta das virtudes onde se confortam, sem imposições cheias de pretextos e fundamentos que são nossos, não deles.
Enquanto pais, não devemos temer o fracasso dos filhos nem aspirar à sua realização. Devemos apenas depositar toda a nossa crença nas pequenas ações. Não enclausurar nem abandonar, estar presente sem sufocar. Elogiar sem comparar e repreender sem humilhar. Não fazer da confidencialidade e da privacidade uma ofensa à relação. Confortá-los nas horas de dor, e dedicar-lhe as alegrias. Não os culpar do fim do mundo pelos erros que cometem, nem desvalorizar desvios éticos por preguiça de educar.
Os pais e as mães têm em si os pilares de toda a dignidade humana, que só o medo é capaz de destruir. Amar é lutar contra o medo.
Se pararmos de olhar para os nossos filhos como um símbolo da nossa eficácia intelectual e aproveitarmos o despoletar desse amor para aplicá-lo em todos os filhos do mundo, seremos melhores pais e os nossos filhos serão melhores filhos, e consequentemente, melhores pais.
O mundo será melhor mundo se os nossos filhos estiverem mais empenhados em amar do que em competir; e essa é uma luta sem fim.
Ana Sofia Brito é performer e artista de rua por opção, embora também mantenha a arte de palco; frequentou o Chapitô e estudou teatro físico na Moveo, em Barcelona.