Católicos na Praça Central

| 28 Nov 19

(Sobre o encontro da CNAL, Conferência Nacional das Associações de Apostolado de Leigos, em Santarém, 23 de Novembro de 2019)

Conferência Nacional do Apostolado dos Leigos, sábado, 23 de Novembro, em Santarém. Foto © Arlindo Homem

 

Praça Central é, segundo a CNAL, um grande espaço de reflexão sobre questões do Cristianismo, Sociedade e Cultura de e para os leigos na Igreja Católica. Estive presente na recente Praça Central que se realizou em Santarém no passado dia 23 de Novembro.

Pessoalmente atribuo dois significados à ideia de Praça Central:

  • por um lado uma praça de uma grande cidade para onde tudo converge: pessoas, ruas, comércio…
  • por outro, o centro de uma enorme estação de caminhos de ferro de onde divergem as linhas que levam os viajantes para um número de cidades sem fim…

Lembro de imediato uma “igreja de saída”, como nos propõe o Papa Francisco.

Este ano, o tema inspirador do V Encontro Nacional – Praça Central era uma frase de Etty Hillesum: “Prometo viver a vida em pleno e até ao fim” – um real projeto de vida para as mulheres e os homens leigos que se reuniram exatamente numa enorme praça central do Cnema [Centro Nacional de Exposições], em Santarém: muitas mulheres, menos homens, ainda menos jovens… Inúmeros religiosos, padres ou freiras, autoridades eclesiásticas, espero que a apoiar e a aprender connosco o que é ser-se leigo na Igreja Católica, à luz do Vaticano II (Constituição Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo contemporâneo). Como “chapéu de chuva” envolvente do encontro revisitou-se a Exortação do Papa Francisco Gaudete et Exsultate (“Alegrai-vos e exultai”), que incide no chamamento à santidade no mundo atual e é destinada, segundo Francisco “ao episcopado, ao clero, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos” – a nós todos, sem exceção.

Enquanto leigos somos então chamados a ser desde já santos no mundo atual.

Destaco alguns dos temas e questões que mais me interpelaram durante o longo dia passado em Santarém. Faço-o de forma perfeitamente aleatória, sem me preocupar com a sequência das apresentações, mas centrando-me no conteúdo e dinâmica enquanto desafios para uma mulher que escolhe todos os dias ser leiga na Igreja Católica. Entre parêntesis, colocarei o nome do/a apresentador/a de modo a ser rigorosa nas atribuições de autoria.

  • A santidade é um desafio à Vida para cada um/a de nós, uma vida que queremos fecunda, uma vida “boa”, saboreada, usufruída, porque Deus – que nos ama desde sempre – nos quer felizes, realizados e fecundos (padre José Frazão, JF, provincial dos jesuítas);
  • Mas a santidade é também “uma ousadia” e, porque somos amados, caminhamos para além de nós em direção a “um horizonte ao nosso alcance!” O “pecado” será então ficar aquém dessa possibilidade, não “ousar” seguir o Jesus Ressuscitado (JF) ;
  • Vulgarmente os cristãos são identificados como “os não ousados”. JF convida-nos a “não deixar as dinâmicas do Homem Velho” crescer em nós.
  • Que possamos viver serenamente no nosso quotidiano os momentos de trabalho, celebração e descanso, “santificando o tempo”.
  • Daí a necessidade de uma prática de questionamento constante. (JF).

Já no final do dia, Stella Mora (SM), teóloga italiana, falava no “discernimento”, uma muito antiga prática dos Padres do Deserto e retomada no século XVI por santo Inácio de Loyola para a Companhia de Jesus:

  • Persiste em nós uma tensão entre liberdade e obediência;
  • Deus não se cansa de nós e habita-nos no desequilíbrio;
  • Daí que o discernimento seja relacional e plural: implica um tempo forte, um estilo de vida, uma experiência, interlocutores… não é, pois, um processo solitário (SM).

A ideia de santidade como “despojamento de si” e abertura ao Outro foi salientada por Isabel Capeloa Gil (ICG), reitora da Universidade Católica. Linda Ghisonni (LG), do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, reflectiu sobre a constituição Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, e sobre a exortação Gaudate et Exultate. Afirmou (citando outro autor) que o Evangelho é “música escrita”; um santo será então “música cantada”. Lembra que a salvação é coletiva numa dinâmica de Povo de Deus: os leigos são parte integrante e fundamental desse povo. (LG)

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Pietro Sarubbi, ator, que se converteu no processo de interpretar Barrabás no conhecido filme de Mel Gibson A Paixão de Cristo, contou a sua experiência de uma forma simultaneamente humorística, expressiva e profunda: que foi simplesmente o olhar do ator que representava Jesus que o interpelou e originou o momento epifânico que o leva à conversão. Um simples e profundo olhar. Afirma que “quando se olha a Luz, uma pessoa passa a ter medo do escuro”. Insiste que os cristãos “não podem ser figuras tristes”, que ter Fé é um dom de alegria: “Tu falas de Fé e ris?” perguntou-lhe um amigo. (PS)

A conversa com Pietro Sarubbi, durante a Praça Central, sábado, dia 23, em Santarém. Foto © Arlindo Homem

Paulo Pires do Vale (PPV), filósofo e curador de arte, cita Sophia de Melo Breyner: “A arte não existe para enfeitar a vida mas para a transformar”:

  • Daí a importância da formação da nossa atenção (Simone Weil) porque “a arte abre-nos a um mundo imenso de possibilidades”;
  • A atenção é criadora do mundo como um horizonte de possibilidades;
  • A contemplação implica uma espera que não se realiza na “conceptualidade” mas no “im-poder da fragilidade”
  • Daí que seja importante “aprender a desaprender” (Fernando Pessoa), desequilibrarmo-nos para nos voltarmos a equilibrar (PPV)

Aqui PPV conflui com a reflexão de Alexandre Palma (AP), sobre a relação de uma experiência estética com uma experiência religiosa:

  • Cristo, nossa fonte, como horizonte de santidade
  • Sendo todos e todas convidados a sermos santos aqui e agora numa “mistagogia da santidade”, as vidas dos “santos” – situados na história e nos seus contextos de vida – podem ser testemunhos que inspirem a nossa própria santidade;
  • Sendo nós seres de relação, a santidade leva-nos à comunhão dos santos; não somos “o” centro, somos parte de um coletivo onde habitam, por exemplo, Teresa de Ávila (“vivo sem viver em mim”), Maria Madalena (“não me detenhas”); Papa Francisco (“o ardor da Paixão por Cristo”).

De uma forma muito criativa e interpeladora, AP lembra-nos que “nenhum discurso poderá conter a santidade”. Pegando na passagem evangélica dos discípulos de Emaús, AP fala na santidade como um caminho com Cristo, levando-nos a percorrer esse caminho em dez metáforas ou etapas – como, por exemplo: a santidade “da companhia”, a santidade “do diálogo”, da “inquietude”, da “realidade” (não podendo ser idealizada), de uma “leitura integral da vida”; a santidade “à volta de uma mesa”, na “casa”, na “política” (regresso à polis, numa lógica de serviço público), terminando com a afirmação de que “a santidade também tem de ser pública”; que o caminho de santidade nos deve levar a entender “os caminhos soltos da vida” para caminharmos para a plenitude de Deus que nos perguntará: “Porque é que não foste quem és?” Conclui afirmando que a santidade é “caridade incarnada” (AP).

Paulo Pires do Vale comenta que, tal como na arte, “contemplar Deus (ou Jesus Cristo) implica uma espera para que nos deixemos possuir por Ele” (PPV).

Regresso ao padre José Frazão: precisamos de ultrapassar a “lógica da beligerância”, abdicando de “algo de mim para poder acolher o outro”, o outro “na sua diferença”. Finalmente, ao perguntar se “é possível viver sem pobreza?”, responde nomeando o seu santo de eleição, Francisco de Assis, “aquele que, nu, caminhava cantando”.

 

Teresa Vasconcelos é professora do Ensino Superior (aposentada) e membro do Movimento do Graal; Contacto: t.m.vasconcelos49@gmail.com

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