Cinema, filósofos, crises e laboratórios da esperança na mensagem do cardeal Tolentino em Fátima

| 14 Mai 2021

Em 1917, em plena Guerra 1914-18, e de novo em 1943, antes do fim da Segunda Guerra Mundial, dois filósofos diziam, por palavras semelhantes, o mesmo da mensagem de Fátima: “uma penitência comum, um arrependimento comum, um sacrifício comum” que favorecessem a “interajuda solidária e recíproca”. Agora, é tempo de reconstruir, sem esquecer a dimensão espiritual, pediu o cardeal Tolentino em Fátima, na peregrinação de 13 de Maio.

Tolentino Mendonça, Fátima, 13 Maio 2021,

O cardeal Tolentino Mendonça, em Fátima, na missa do 13 de Maio. Foto © Arlindo Homem/Agência Ecclesia.

 

“Estamos a tempo de transformar a crise em oportunidade e a calamidade em esperança”, afirmou o cardeal José Tolentino Mendonça, responsável da Biblioteca e do Arquivo Apostólico do Vaticano, na homilia da missa que presidiu nesta quinta-feira, em Fátima. E a experiência da crise mais extrema é uma “ocasião para relançar a vida, para restaurar a sua frágil arquitectura, para propor um novo começo”.

Presidindo à peregrinação internacional aniversária deste 13 de Maio, Tolentino recordou o “inesquecível momento extraordinário de oração na Praça de São Pedro vazia, protagonizado pelo Papa em 27 de Março do ano passado. E citou, do discurso de Francisco na ocasião: “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projectos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade.”

O cardeal Tolentino tomou o pequeno trecho do texto do Evangelho de São João lido momentos antes: “Estavam junto à cruz de Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Ao ver sua Mãe e o discípulo predilecto, Jesus disse a sua Mãe: ‘Mulher, eis o teu filho.’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis a tua Mãe.’ E a partir daquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa.”

Um excerto narrado “com uma visualidade intensa, quase cinematográfica”, referiu. “Começa com um plano de conjunto, apresentando-nos as personagens que estão junto à cruz. Continua com um plano médio, isto é mais focado, mostrando-nos o olhar de Jesus que identifica entre essas personagens a sua Mãe e o discípulo amado. E passa para um plano mais focalizado ainda, o chamado grande plano ou plano de proximidade, onde Jesus diz à Mãe, ‘Mulher, eis aí o teu filho’, e ao discípulo, ‘Eis aí a tua Mãe’.”

Esta descrição da cena em movimento serve para propor passar “do geral para o particular: que nos foquemos em Jesus, que nos aproximemos tanto da cruz que possamos escutar o que está a ser dito pelo crucificado”.

Tolentino Mendonça tomaria esse excerto e o significado que dele extraía para se centrar na ideia de um necessário novo começo: na “hora suprema de crise”, Jesus “continua a empurrar a história para a frente, continua a activar futuros, a inscrever o futuro de Deus no atribulado presente histórico dos homens, a devolver esperança a quantos se sentem cansados e oprimidos, a tomar sobre si – com que compaixão! – todas as feridas”.

Na cruz, “Jesus estava brutalmente confinado”, mas “o verdadeiro desconfinamento é aquele que o amor opera em nós”. E com o diálogo que estabelece com a Mãe e o discípulo, Jesus continua “a relançar a esperança”, transformando e ensinando “a transformar as crises em laboratórios de esperança”.

Referindo-se ainda ao texto evangélico, o cardeal – especialista em exegese bíblica e autor de A Leitura Infinita (ed. Paulinas) – acrescentou: “Jesus faz da crise mais avassaladora que é a cruz não uma ocasião para o fechamento, mas para a abertura. Não uma estação para nos concentramos no que perdemos, mas para olharmos com olhos novos os que estão ao nosso lado, o que está mais próximo de nós.”

Mais ainda: o que Jesus faz com o diálogo citado é possibilitar uma “criativa hospitalidade da vida” e “apontar relações que tocam os alicerces da vida, que se situam a um nível humano de profundidade e de verdade que é o oposto das relações pontuais, puramente epidérmicas, das relações de indiferença, de consumo ou de descarte”. Pelo contrário, o que aquele diálogo faz é “concretizar a fraternidade”, não substituindo um filho por outro, mas alargando e incluindo.

 

Os filósofos de acordo com os pedidos de Fátima
Papa Francisco, Fátima,

Momento em que passava nos ecrãs gigantes do santuário a mensagem do Papa Francisco aos peregrinos Foto © Santuário de Fátima.

 

Numa manhã em que choveu com alguma intensidade em Fátima, e em que citou também dois filósofos – Max Scheller e Simone Weil –, o cardeal Tolentino não deixou de usar imagens e uma linguagem que tocam os quotidianos que muitas pessoas estão a viver, relacionadas com a pandemia. E apesar do texto relativamente longo e do frio, captou a atenção dos 7.500 peregrinos presentes – o limite imposto pelas autoridades de saúde –, que no fim o aplaudiram.

O cardeal referiu os filósofos para dizer que a reconstrução espiritual, a par da material, é também necessária. Em 1917, quando se iniciavam os acontecimentos de Fátima e o mundo estava “mergulhado na primeira guerra química da história e uma das que maior mortandade infligiu”, Scheller dizia ser que a necessária reconstrução cultural da Europa “só seria possível se as diversas nações assumissem face à tragédia da guerra a necessidade de ‘uma penitência comum, um arrependimento comum, um sacrifício comum’ que favorecesse depois uma renovada capacidade de interajuda solidária e recíproca”.

Esta proposta coincidia com o “que a Virgem pediu à humanidade, através dos pastorinhos”, disse Tolentino Mendonça: “Oração, penitência e conversão, isto é, meios concretos de reconstrução interior.”

Já em 1943, na perspectiva “de um projeto espiritual que permitisse a Europa renascer da devastação da Segunda Guerra Mundial”, a filósofa Simone Weil redigiu o Prelúdio para uma Declaração dos Deveres para com o Ser Humano. Nele, afirmou o bibliotecário do Vaticano, a filósofa insistia que “as necessidades humanas são físicas (pão, protecção social, habitação, cuidados de saúde…), mas são também morais e espirituais”. E considerava que constitui “um atropelo à vida humana privá-la do ‘alimento necessário à vida da alma’.”

“Sem o pão não vivemos, mas não vivemos só de pão”, resumiu o cardeal. “Os maiores momentos de crise foram superados infundindo uma alma nova, propondo caminhos de transformação interior e de reconstrução espiritual da nossa vida comum.”

O bibliotecário do Vaticano afirmou ainda, na esteira de uma ideia que o Papa Francisco não se cansa de repetir, que não basta voltarmos “ao que éramos antes: é preciso que nos tornemos melhores. É preciso um suplemento de alma. É preciso que desconfinemos o nosso coração”. O que exige “uma espécie de balanço interior que avalie os nossos estilos de vida, os modelos de desenvolvimento e a natureza das opções que nos têm conduzido”.

Tolentino Mendonça não tem dúvidas: “A reconstrução pós-pandemia depende do modo como encararmos a fraternidade”, tomando como bússola a recente encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti. O cardeal era ainda padre quando orientou o retiro do Papa e da Cúria Romana na Quaresma de 2018, de que resultou o livro Elogio da Sede (ed. Quetzal).

Agora, o mundo “fatigado” pela “travessia pandémica que ainda dura (…) não tem apenas fome e sede de normalidade: precisa de novas visões, de outras gramáticas, precisa que arrisquemos ter sonhos”. Por isso, Tolentino pediu que não haja “medo de ter sonhos, e sonhos grandes. Em especial os jovens, “que se preparam para acolher em 2023 as Jornadas Mundiais da Juventude”, não devem ter medo., mas ter sonhos. “Ousem sonhar um mundo melhor. Sintam que o futuro depende da qualidade e da consistência dos vossos sonhos”, pediu.

Francisco fez-se também presente na peregrinação, aliás: no início da eucaristia da manhã, num momento apresentado como uma “surpresa”, os ecrãs do santuário passaram uma curta mensagem do Papa, em que este pedia que se rezasse pelas vítimas da pandemia: “Por todas as pessoas que estão a sofrer com esta pandemia de covid-19, por tantas pessoas que perderam o seu trabalho, os seus entes queridos. Por tanta pobreza e miséria que esta pandemia está a provocar”, afirmou, acrescentando que este é “o momento de pedir à Mãe por todo o mundo”.

 

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