
A atual situação na Nicarágua vista pelo cartoonista Pedro X. Molina. Imagem retirada do Twitter do autor. A referência bíblica remete para o texto das Bem-Aventuranças: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.”
A “dor e preocupação” expressa pelo Papa neste domingo, 21, sobre a situação da Igreja Católica na Nicarágua, e o apelo que fez ao diálogo entre o Governo e os responsáveis eclesiásticos, não teve, para já, efeitos visíveis, que não seja a polémica que as declarações desencadearam nas redes sociais.
O clima parece pouco propício ao diálogo, haja em vista a posição coletiva que acaba de ser assumida pelos padres da diocese de Estelí, da qual o bispo Ronaldo Alvarez é administrador apostólico (além de ser também prelado titular de Matagalpa).
Num comunicado citado pelo site da revista espanhola Vida Nueva, o clero daquela diocese nicaraguense além de exigir do Governo a libertação do bispo, acusa o poder político de ser o verdadeiro causador da “agitação e desordem”, invertendo, deste modo, os argumentos invocados para o cerco e a detenção de Ronaldo Alvarez e dos padres e seminaristas que com ele se encontravam na Cúria.
“A incitação ao ódio e à violência” foi iniciada pelo próprio Governo quando o Presidente Daniel Ortega, no ato oficial da celebração de 19 de julho de 2018, acusou publicamente alguns bispos de serem “golpistas e terroristas”. Desde então – dizem os padres de Estelí, dirigindo-se diretamente a Daniel Ortega – “há inúmeras vezes em que você, que deveria dar o exemplo de civilidade e respeito, lança todo tipo de insultos, ofensas e difamações, não só aos bispos, mas também a nós sacerdotes”.
Defendem-se ainda da acusação governamental de que os responsáveis das igrejas locais participaram ativamente nas manifestações contra as políticas sociais de Manágua, “quando sabem bem que o que fizemos foi uma tarefa de mediação, evitando mortes desnecessárias, ajudando os feridos e protegendo a vida de nossos irmãos nicaraguenses”, nota a posição do clero.
“Apelamos a que se converta e pare de infernizar as nossas vidas, deixe-nos trabalhar em paz!”, reclamam ainda.

Rolando José Álvarez, numa foto de 2019, da Conferência Episcopal da Nicarágua. Foto © Ramírez 22 nic, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.
Enquanto o cardeal e arcebispo de Manágua, Leopoldo Brenes, manifestava a disposição de encetar o diálogo pedido pelo Papa, o Governo não reagiu e outros setores da sociedade nicaraguense exprimiam desconforto ou mesmo deceção com as palavras de Francisco. Segundo o diário La Prensa, os responsáveis da organização política Unidade Nacional Azul e Branca (UNAB) agradeceram a atenção do Papa, mas consideraram que não existem “nem condições nem vontade do regime” para qualquer diálogo, exemplificando com grande parte daqueles que participaram nos diálogos nacionais de 2018 e 2019, os quais se encontram no exílio, na prisão ou com residência vigiada. E acrescentaram que são precisamente muitos dos líderes católicos que foram mediadores nesses encontros que estão a ser agora perseguidos, assediados e, em vários casos, detidos.
Também o jornalista independente Carlos F. Chamorro, filho da antiga presidente do país, Violeta Chamorro, considera que o diálogo que o Papa defende só faz sentido com um roteiro ou caderno de condições: libertação dos presos políticos, fim do estado policial e nomeação de uma equipa de mediadores internacionais para acompanhar esse diálogo.
Papa acusado de “silenciar a situação”
Políticos e outros cidadãos foram mais contundentes nas redes sociais, acusando o Papa de silenciar a situação, nem sequer nomear o bispo preso e não denunciar as causas dos problemas que afetam a Igreja e o povo nicaraguense.
Estas posições situam-se, como é visível, no plano da luta política, que pode não coincidir com as condições que a Igreja poderá (ou não) querer colocar e que, na linha de Francisco, visaria criar “uma convivência respeitosa e pacífica”.
Foram estas posições que o cardeal hondurenho Óscar Maradiaga criticou, numa homilia, no último domingo, citada pelo jornal La Prensa, ao dizer que o equívoco de muitas críticas decorre de tomar-se o Papa por um líder político.
“Certamente que estamos preocupados com o sofrimento dos nossos irmãos na Nicaragua, certamente que o poder intoxica e o poder absoluto corrompe absolutamente” afirmou Maradiaga, lembrando que a Igreja não se substitui a outras forças, que tem a sua missão e que, nos passos a dar, tem de ter em conta que há muita gente que corre perigo.
Aludindo à carta que 26 ex-chefes de Estado escreveram ao Papa pedindo-lhe que intervenha sobre a situação naquele país, o cardeal hondurenho pergunta: “Porque não escrevem eles aos líderes políticos do país onde as perseguições estão a acontecer?”
“É fácil uma rutura… com quem, de facto, gostaria de ter uma confrontação e por isso atacam e insultam”, apontou Óscar Maradiaga.