
D. José Ornelas tomará posse como bispo de Leiria-Fátima a 13 de Março. Foto Paulo Rocha/Agência Ecclesia.
Descontentamento e desagrado pela saída, receio em relação ao tempo que pode demorar a substituição com críticas ao núncio apostólico em Lisboa, sentimento de orfandade. Em Setúbal, o clima entre o clero e laicado católico da diocese é de desmoralização pela saída de D. José Ornelas, que foi nomeado como novo bispo de Leiria-Fátima, onde tomará posse no próximo dia 13 de Março.
“Quando um bispo deixa a diocese, ela fica sempre órfã, mas desta vez sentimos isso mais”, diz ao 7MARGENS o padre Casimiro Henriques, pároco de São Sebastião (Setúbal) e membro do Conselho Presbiteral. O também director da Comissão Diocesana de Arte Sacra diz que o descontentamento nasce do facto de um bispo que estava na diocese há sete anos e que tinha iniciado vários processos de reforma estar agora a chegar ao momento em que iria pôr em prática esses projectos. “Se calhar estávamos mal habituados, com os bispos anteriores, que trabalharam 14, 15 anos na diocese…”
O mesmo responsável, que é também assistente regional do Corpo Nacional de Escutas, confessa que o ambiente é comum entre vários padres e outros católicos da diocese: “O desagrado é notório, é óbvio que a diocese não esperava isto, ainda por cima porque este não era o tempo mais indicado: a Jornada Mundial da Juventude [JMJ] vem aí, está a decorrer o sínodo” convocado pelo Papa para toda a Igreja Católica. “E temos um grande receio: se o processo de substituição demora muito, tudo será mais difícil sem um bispo para liderar a estrutura.”

Os padres e leigos católicos ouvidos coincidem em chamar a atenção sobretudo para duas questões críticas: a oportunidade e o receio da demora na substituição.
Numa publicação na sua página no Facebook, dia 28 de Janeiro, Francisco Mendes, pároco da Charneca de Caparica, referia exactamente essas duas questões, dizendo que é importante rezar para que o novo bispo seja nomeado “depressa”. E justificava, aludindo implicitamente aos casos de Viana e Braga: “A quarta diocese do país não devia estar sem pastor os meses que infelizmente as outras que vagaram têm estado. Nenhuma deveria estar, mas esta então, pela sua dimensão e às portas das Jornadas Mundiais da Juventude, muito menos! Peçamos a Deus que – por uma vez que seja – o Núncio Apostólico, responsável pela dinamização destes procedimentos, seja célere.” Num dos comentários visíveis na página, o padre João Aguiar Campos, de Braga, ex-presidente da Rádio Renascença, escreveu: “Na minha modesta opinião, eis um texto justo, franco, e com a coragem de ver corvos e urgir decisões.”
Dois dias depois da publicação, na homilia da missa paroquial de 30 de Janeiro, Francisco Mendes repetiu as alusões e críticas ao tempo de espera para nomear novos bispos. “Disse meio a brincar que, conhecendo o procedimento do núncio, lá para o Natal, com muita sorte, haveria novo bispo”, afirma agora ao 7MARGENS, confirmando o que paroquianos seus também tinham testemunhado. Aliás, outros dois leigos católicos, que preferem não se identificar, também manifestam o mesmo descontentamento com o momento da saída e a forma como ela se processou.
“Todos aceitamos uma saída de um bispo, se é para o bem da Igreja”, diz o padre Francisco Mendes. “Mas pessoalmente, e a outros colegas que conheço e com quem falo, isto deixa-nos apreensivos: podemos ter um tempo largo sem bispo, dado o facto de o núncio ser pouco diligente na agilização das normas canónicas”, explica. O núncio, actualmente Ivo Scapolo, é o responsável por preparar os processos e sugerir nomes para bispos, que depois são escolhidos no Vaticano.
“Setúbal é o quê?”

Francisco Mendes reitera a sua opinião sobre o momento escolhido para a saída do bispo Ornelas: “Estamos à beira da JMJ e no meio de um processo sinodal, que agora fica interrompido. Qual é a instância sinodal que se dinamiza sem ser à volta do bispo? Além de que estava também convocado um sínodo diocesano que vai ter de esperar…” E acrescenta: “Roma anda muito preocupada e fala muito de periferias, Setúbal é o quê?”
Sobre o futuro próximo, diz que o preocupa “mesmo muito a demora exacerbada na substituição” que teve de se fazer em Viana do Castelo e Braga. E “não se percebe porque é que ainda não há bispo” para Angra do Heroísmo, de onde João Lavrador foi nomeado para Viana. Com três dioceses agora à espera – Angra, Bragança, de onde o seu titular saiu para Braga, e agora Setúbal. “Vamos ver se há expediente para despachar as coisas.”
A saída do bispo José Ornelas também “foi surpresa” para o padre Rui Gouveia, reitor do seminário de Almada, que apresenta argumentos semelhantes aos dos seus colegas: “Houve um projecto que foi desenvolvido e que agora começava a dar frutos”. Por outro lado, “estando à beira da JMJ, e como ninguém preparou uma jornada, era importante ter um bispo” para coordenar esse trabalho.
O reitor acrescenta que uma diocese jovem como Setúbal – foi criada em 1975 – “não tem estruturas” para poder viver sem bispo e sem as decisões que só ele pode tomar. “O trabalho que foi feito nos últimos anos fica em suspenso”, acrescenta, citando como exemplos o lançamento do diaconato permanente e a Fundação D. Manuel Martins. “Não faço ideia de quanto tempo o processo pode demorar…”
O padre Casimiro Henriques acrescenta que a “crítica” que faz é também à “morosidade: demora-se demais a nomear um bispo”. E desabafa: “Estamos todos atolados em trabalho e não é desejável estarmos meses sem bispo, isso equivale a trair o espírito dos documentos do Concílio Vaticano II”.
A esperança do padre Casimiro? “Que a Igreja de Setúbal não tenha de aguardar muito tempo pelo novo bispo. O sentimento é mesmo este: estamos órfãos. Vamos ver por quanto tempo…”