Papa critica quem minimiza vítimas

Combate aos abusos está “num ponto sem retorno”, dizem bispos, mas há ainda poucas metas concretas

| 14 Mar 2023

Conferência Episcopal Portuguesa

Os bispos Virgílio Antunes, vice-presidente, e José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal, e o padre Manuel Barbosa no final da conferência de imprensa da assembleia da Conferência Episcopal Portuguesa, de Novembro 2021, quando decidiram criar uma comissão para estudar os abusos em Portugal. © António Marujo

 

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) diz que está “num ponto sem retorno” no combate aos abusos sexuais na Igreja, informa que as congregações religiosas receberão as listas com alegados abusadores até final de Abril e afirma que estão a ser feitos contactos para a “criação de um grupo responsável pelo acolhimento e acompanhamento das vítimas”. Também as Directrizes da CEP sobre o tema estão a ser revistas tendo em conta as sugestões e recomendações do Relatório Final apresentado há um mês e o Vademecum da Santa Sé, diz ainda o comunicado final da reunião do conselho permanente da CEP, que nesta terça-feira, 14, esteve reunido em Fátima.

Para lá desses elementos e da promessa de um memorial e uma jornada nacional de oração pelas vítimas de “abusos sexuais, de poder e de consciência na Igreja” no dia 20 de Abril, o comunicado não adianta mais elementos concretos sobre os propósitos de acção da hierarquia católica neste âmbito.

No mesmo dia, o Papa Francisco enviava uma mensagem aos participantes num congresso latino-americano sobre abuso sexual na qual criticava “quem minimiza o impacto” da história das vítimas ou “o perigo actual” dos alegados abusadores, pois desse modo “desonra aqueles que tanto sofreram e engana aqueles a quem diz servir”. Esse é um “trabalho doloroso, mas necessário” e prioritário em cada diocese, escreveu, citado na Ecclesia.

Os sete bispos do conselho permanente – titulares das dioceses de Leiria-Fátima, Coimbra, Lisboa, Braga, Évora, Porto e Santarém – contaram, durante parte dos trabalhos da reunião de Fátima, com a participação em vídeo de alguns membros da ex-Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais sobre Crianças na Igreja Católica. Manifestando um novo agradecimento à CI e aos historiadores que a acompanharam, os bispos asseguram que a lista dos alegados abusadores dos institutos religiosos “terá o devido seguimento” por parte dos superiores das congregações.

Os bispos registam que as reacções “dos católicos” – pela primeira vez referidos em ano e meio – “e de outros membros da sociedade portuguesa às decisões” da assembleia plenária de 3 de Março foram também alvo de reflexão. “Gostaríamos de agradecer e dizer que valorizamos o escrutínio público. Estamos totalmente disponíveis para caminhar com toda a sociedade na erradicação do drama dos abusos sobre menores, no apoio permanente às vítimas e no julgamento dos agressores. Lamentamos que, diante da complexidade do tema, nem sempre tenhamos comunicado as nossas intenções com clareza”, diz o documento. Apesar disto, os bispos não dizem se vão fazer algum tipo de auscultação do sentir das comunidades católicas ou das vozes mais críticas dentro da Igreja para debater o processo e as medidas a tomar.

 

Garantias e dúvidas

Pedro Strecht (c), coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa; e o bispo José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, no colóquio organizado pela comissão na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, 10 de Maio 2022. Foto © Ecclesia/HM

Pedro Strecht (c), coordenador da Comissão Independente que há um mês cessou funções, com o bispo Ornelas, presidente da CEP, no colóquio organizado pela comissão em Lisboa, 10 de Maio 2022: uma nova comissão pode estar a caminho, mas o seu mandato é ainda pouco claro. Foto © Ecclesia/HM

 

“As vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal continuam a ser a nossa prioridade em todo este processo”, garantem os bispos, que reafirmam ainda a “disponibilidade para acolher e escutar as vítimas que o desejarem” e “o firme compromisso de assumir” responsabilidades, disponibilizando-lhes “todas as ajudas necessárias para o seu acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico, e outras formas de reparação do crime cometido.” Não se refere, no entanto, se os bispos tomarão a iniciativa de convidar algumas vítimas ou que tipo de comunicação haverá para lhes fazer chegar a mensagem.

Uma das decisões é “a criação de um grupo responsável pelo acolhimento e acompanhamento das vítimas”, para o qual estão já a ser feitos contactos, garante o comunicado. Numa frase, parece que os bispos estão a falar de uma nova CI que recolha e dê seguimento a novos testemunhos de vítimas – será um “grupo operativo, com carácter de autonomia, constituído por pessoas que garantam credibilidade e confiança perante as vítimas”, dizem. A seguir, deixa no ar a dúvida, ao afirmar que ele será “articulado” com a coordenação nacional e as comissões diocesanas de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis.

Prometendo “continuar a trabalhar, dando atenção aos muitos indicadores que estão presentes no Relatório Final” da CI e “para que comportamentos e atitudes do passado não se voltem a repetir”, os bispos dizem que este caminho segue “os passos de um processo que o Papa Francisco indicou para toda a Igreja” e cujo objectivo essencial é “proteger as vítimas e garantir a segurança e confiança nos ambientes da Igreja Católica”.

O comunicado afirma ainda a “tolerância zero” assumida pela CEP para com as situações de abusos, mas “respeitando a autonomia de cada Diocese, que faz parte da identidade e da presença da Igreja Católica em cada país”. Precisamente por causa da autonomia de cada bispo tem-se assistido, na última semana, a decisões díspares tomadas na sequência da entrega das listas de abusadores pela CI às dioceses. Talvez também por essa razão, nada se refere sobre os processos de afastamento cautelar desses alegados agressores indicados pela CI, como também não há qualquer referência aos bispos que eventualmente tenham protagonizado encobrimentos de abusos.

As comissões diocesanas estão também “em processo de reestruturação e serão constituídas por leigos com competências profissionais necessárias” ao seu trabalho, diz ainda o texto. Os bispos dizem que a elas incumbe a concretização de “políticas de formação, prevenção e acompanhamento” – precisamente uma das outras questões críticas que tem aparecido no debate público, por causa dos conceitos de acompanhamento que, têm advogado várias críticas, deve estar reservado aos processos terapêuticos e à intervenção social de apoio e não estar no domínio eclesial.

 

Setúbal e Vila Real: oito padres em duas listas

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Sé de Setúbal: cinco casos foram apresentados pela CI à Diocese; em Vila Real são três. Foto © Diocese de Setúbal.

 

Também nesta terça-feira, duas das quatro dioceses que ainda não tinham dado informações concretas sobre as suas decisões, revelaram o que aconteceu com a lista fornecida pela CI na assembleia da CEP de dia 3 de Março.

Em Vila Real, o bispo António Augusto Azevedo informou que recebeu três nomes. Dois dos casos já foram tratados na justiça civil e canónica e um padre residente no território, “tendo como resultado uma pena de suspensão e a dispensa do ministério”. O terceiro está incardinado noutra diocese, que já foi informada, mas o padre em causa foi “de imediato” afastado “de toda a colaboração pastoral” em Vila Real, onde a pessoa ainda reside, “até a situação estar clarificada”, sendo entretanto o caso comunicado ao Ministério Público.

Ao mesmo tempo, o bispo decidiu reforçar a comissão diocesana “com mais pessoas de reconhecida competência”, passando esse organismo a ser dirigido por leigos e devendo elaborar um plano de acção e um manual de boas práticas.

Também Setúbal informou sobre os dados recebidos. O padre José João Aires Lobato, administrador da diocese que está sem bispo há mais de um ano, recebeu uma lista com cinco nomes, todos padres. Um deles está sob jurisdição de diferente autoridade eclesiástica, a quem foi transmitida a informação.

Um outro foi objecto de dois processos canónicos, “encontrando-se atualmente afastado do exercício público do ministério”. Os actos de que é acusado nos processos em curso não se enquadram na natureza de “abusos de menores”, mas a CI sinalizou um abuso de menor. O padre Lobato aguarda agora mais elementos da Comissão.

O terceiro teve um processo canónico por abuso sexual de menores, já concluído. Depois de cumpridas as medidas decididas, o padre em causa retomou o exercício do ministério. Havendo novos factos nos testemunhos recolhidos na CI, será iniciado novo processo. No caso dos outros dois padres, não há informações que permitem avaliar o que se passou. Também aqui o administrador diocesano de Setúbal aguarda mais informações da CI.

 

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