Igreja Católica – que caminhos de futuro? (Debate – 14)

Como é que se cuida sendo fiel ao Evangelho?

| 17 Abr 2023

O catolicismo vive uma crise profunda, apesar de continuar a ser para muitas pessoas um espaço vital de busca de sentido e experiência de fraternidade. As situações de abusos de poder e violências sexuais vieram evidenciar problemas sistémicos. Em Portugal, depois de terem criado uma Comissão Independente (CI) para estudar os abusos sexuais sobre crianças, os bispos ficaram na indefinição sobre o que fazer com o panorama posto a nu pelo relatório da CI. Perante a perplexidade que tomou conta da sociedade e de muitos crentes, o 7MARGENS convidou católicos a partilhar leituras da situação e propor caminhos de futuro, a partir de três perguntas:

1. Quais são os pontos que considera centrais nas medidas a assumir agora pela Igreja, para ser fiel ao Evangelho e ser testemunho de Jesus Cristo na sociedade? A quem cabe concretizar e liderar a aplicação de tais medidas?

2.Considera que faria sentido que os batizados se encontrassem e se escutassem sobre essas tarefas e desafios que se colocam à comunidade eclesial, a nível diocesano e/ou nacional? Como? De que formas?

3.Que contributo(s) estaria disposto a dar para que a Igreja, os católicos e as suas comunidades adotem um caminho centrado no Evangelho em ordem a superar a prática de abusos?

 Nesta décima quarta resposta, Margarida Ferreira, coordenadora do Centro de Espiritualidade Redentorista (CER), propõe-nos cuidar das vítimas, o que pressupõe uma Igreja que “responda a uma só voz, com honestidade e clareza, que se mostre despojada, que mostre as feridas e as assuma.” Criar contextos de diálogo com abertura e honestidade e centrar a vida no Evangelho é papel no qual todos nos devemos empenhar.

Uma Igreja despojada que mostre as feridas e as assuma

“A cura começa quando cada pessoa concreta souber que há alguém de confiança que a pode ajudar da maneira específica – tendo em conta a sua história e a sua vida – que ela precisa de ser ajudada.” Foto © Pixabay

 

1. Há três pontos de ação típicos quando acontece qualquer catástrofe: 1- Socorrer e cuidar das vítimas; 2- Compreender as causas 3- Corrigir para que não volte a acontecer. Podemos estar a falar de um terramoto, em que o ponto 2 passa, não por encolher os ombros e afirmar que “é a natureza”, mas por avaliar, por exemplo, a forma como são construídos os edifícios, para então estudar e adotar práticas construtivas adequadas ao risco sísmico do local. Isto é apenas um exemplo, que me parece que se adequa.

É claro que a frase “é preciso cuidar das vítimas” já não significa nada por si só, de tantas vezes já foi dita, seguida de uma mudança de tema qualquer. Como é que se cuida? Como é que se cuida sendo fiel ao Evangelho? Parece-me que a cura começa quando passamos do plural ao singular. Quando passamos do genérico ao pessoal. Quando cada pessoa concreta souber que há alguém de confiança que a pode ajudar da maneira específica – tendo em conta a sua história e a sua vida – que ela precisa de ser ajudada. A solução, parece-me, nunca será global, mas sim profundamente relacional, pessoal, tu a tu. Concretizando: por exemplo, haver pessoas identificadas, dentro e fora da estrutura eclesial, disponíveis para escutar, acompanhar e cuidar quem procurar este tipo de apoio.

“As vítimas” enquanto coletivo, também precisam de sinais fortes, para que a cura aconteça. Precisam que a Igreja responda a uma só voz, com honestidade e clareza, que se mostre despojada, que mostre as feridas e as assuma. Precisam que não haja mais tentativas de escondimento e de justificação. Que seja absolutamente clara e transparente a intenção real de mudar o que for preciso mudar para que não volte a acontecer um ambiente onde o abuso de poder possa proliferar como proliferou até aqui. Uma Igreja ferida, sim, é a única forma de ser fiel ao Evangelho, mostrar as feridas, todas. E ter coragem e vontade de enfrentar as causas e fazer mudanças grandes.

É preciso olhar seriamente para dentro, e compreender as causas, todas, mesmo as menos evidentes, para que se tenha chegado até aqui. Todas as conclusões demasiado rápidas são fracas, porque normalmente há todo um iceberg que não se vê olhando apenas para o que desponta. Perceber as causas é essencial para o passo seguinte, de proceder às mudanças necessárias para evitar que volte a acontecer.

Já se tem vindo a falar de algumas das causas mais fundas: a impunidade total que conduz à repetição e à gradual sensação de ser intocável, o que conduz a uma noção de poder e ao abuso desse poder, cada vez mais evidente. O clericalismo que favorece esse abuso e essa sensação de superioridade existencial e moral dentro da estrutura eclesial.

A formação tem que ser absolutamente revista, não está a responder adequadamente à realidade. A vocação tem que ser cuidada, o acompanhamento dessa vocação tem que ser sério e integral. É urgente uma revisão a fundo do processo formativo dentro da Igreja, e fora dela, nomeadamente nos seminários e nas faculdades de teologia.

2. Parece-me certo que os batizados assumam a sua vocação na Igreja. Não vejo que seja com grandes encontros convocados por um alguém. O processo sinodal tem posto muitos em diálogo, indo alargando gradualmente os círculos, e é um processo bom e necessário. É a forma certa de pôr todos em diálogo, está muito bem pensado e estruturado e se for encarado com seriedade, se realmente assumirmos o nosso papel enquanto membros da Igreja, pode gerar mudança de fundo. No dia a dia, na vida comum, acredito que as pontes se vão fazendo entre comunidades. Entre pessoas de comunidades, e que nesse tu-a-tu, é que se vão criando redes entre as pessoas. Vamos falando uns com os outros, vamo-nos ouvindo, vamos criando contextos de diálogo, trocando ideias e afinando olhares. E vamos alargando a rede. Parece-me mais certo do que “grandes encontros oficiais” com uma agenda definida, sem antes ter havido um processo.

3. Assumir que a Igreja da qual faço parte está doente, não me pôr de fora, nem tentar negar ou esconder. Criar contextos de diálogo com abertura e honestidade. Procurar conversar com pessoas de diferentes âmbitos, ouvir, ouvir muito quem tem pensado a fundo nisto, que tem outra experiência e conhece outras realidades. Proporcionar essa possibilidade de escutar pessoas que pensam bem a falar sobre esta questão. Centrar a vida no Evangelho, e, para isso, que o Evangelho seja um lugar que eu realmente frequento, por onde paro, onde me demoro. A Igreja é feita de pessoas, se os que a formamos formos individualmente e comunitariamente centrados no Evangelho, a transformação começa a acontecer. E procuro refletir sobre o que vamos fazendo, não fazer nada só porque “sempre se fez assim”, questionar e refletir e, quando necessário, mudar.

 

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