Síntese portuguesa apresentada em Praga

Como lidará a Igreja Católica com as divergências?

| 8 Fev 2023

Sínodo 2024, Praga, Europa

A imagem de Anabela Sousa (esqª) e Carmo Rodeia num ecrã de transmissão, quando apresentavam o contributo português na assembleia continental europeia do Sínodo católico sobre a sinodalidade. Foto © Sínodo 2024.

 

A comunicação interna e externa, a transparência nos processos de decisão e a promoção de uma ‘cultura sinodal’ são alguns dos desafios e apelos à ação identificados pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no contributo que apresentou esta terça-feira, 7, na assembleia sinodal da Europa, da Igreja Católica, a decorrer em Praga até quinta-feira, 9, e que nesta quarta dedicará o tempo sobretudo a trabalhos de grupo.

A síntese, apresentada por duas mulheres que integram a comissão sinodal da CEP, Carmo Rodeia e Anabela Sousa, foi uma das cerca de quatro dezenas que, por ordem alfabética dos países, foram desfilando nestes primeiros dias de trabalhos, as quais dão conta dos trabalhos realizados localmente no sentido de identificar preocupações, tensões e prioridades decorrentes da auscultação dos cristãos e outras pessoas que puderam pronunciar-se.

Em grupos de trabalho linguísticos e que cruzam participantes de diferentes países, está a ser feito um “discernimento” dos aspetos mais salientes em relação àqueles três aspetos. Das sínteses dos países, das conclusões de cada grupo e das intervenções espontâneas nas sessões plenárias sairá um documento conclusivo, em preparação por um comité de redação, que vai ser, ele próprio, submetido ao plenário.

Mas os trabalhos acabam por ser “contaminados” pela realidade e pelas surpresas que ela anuncia. Para além dos ecos diretos levados pelas delegações da Ucrânia (há diferentes tradições católicas ligadas a Roma), da Rússia e outras delegações, a brutalidade da tragédia humana dos sismos no sudeste da Turquia e norte da Síria esteve presente nos debates e nas orações. A assembleia decidiu mesmo enviar uma mensagem de proximidade aos povos daqueles países e de solidariedade com todos os que trabalham contra o tempo nas operações de salvamento e resgate de pessoas, em condições meteorológicas muito difíceis.

A síntese de Portugal vai, em vários aspetos, ao encontro de outras sínteses. Uma delas é o “reconhecimento da validade do processo sinodal” e da força que a auscultação do povo de Deus veio dar a muitas problemáticas que, de forma mais ou menos sistematizada, já vinham a ser enunciadas.

 

Recuperar a atenção aos sinais dos tempos

Grupo em debate: a delegação de Itália manifestou preocupação por escutar os que se afastaram da Igreja. Foto © Antenna | Unsplash

 

Outros países salientaram a aprendizagem que constituiu, no caminho até agora percorrido, o método da “conversação espiritual”, em lugar de um mero debate de ideias e opiniões.

As formas de clericalismo (não só de presbíteros) e a promoção de verdadeiras modalidades de participação de homens e mulheres na vida da Igreja foram igualmente sublinhadas, tendo o Documento para a Etapa Continental do Sínodo como referência.

Os representantes da Igreja italiana, por exemplo, manifestaram preocupação por escutar os que se afastaram da Igreja, não tanto para que regressem, mas sobretudo para compreender os porquês do afastamento. E, relativamente aos jovens, pouco escutados até agora, não basta que se fale deles, mas que se lhes dê espaço para que eles próprios tomem a palavra.

Algumas Igrejas orientais e do Norte da Europa, em que o catolicismo é minoritário, colocaram a urgência de uma aposta mais séria no ecumenismo, a partir de realidades como famílias multi-confessionais, graus diversos de abertura a iniciativas ecuménicas locais, oração conjunta ou descoberta da riqueza da diversidade da vivência da fé cristã.

Várias sínteses chamaram também a atenção para o recuperar da atenção aos sinais dos tempos, na sua multidimensionalidade em sociedades complexas e interdependentes. Em concreto, referiram o fenómeno das migrações, as novas formas de pobreza, as mudanças climáticas e as ameaças à “casa comum”.

A síntese portuguesa responde a uma segunda questão que pretende pôr em evidência as tensões ou divergências que deveriam ser consideradas em próximas fases do processo sinodal.

A primeira apontada é a liturgia, em torno da qual, refere o documento, “há uma tensão crescente entre sensibilidades pré e pós-conciliares, sendo necessário procurar ultrapassar as questões relacionadas com os grupos que se opõem à mudança”. Esta questão é sentida fortemente em alguns países europeus, particularmente do centro e norte.

 

Um arcebispo que acha que o Sínodo falhou

Sínodo 2024, Praga, Europa, Missa

Missa de abertura da assembleia, no domingo: o arcebispo Jan Graubner quer que se escute a voz de Deus e se pergunte o que quer Jesus da Igreja que fundou, Foto © Jana Havlova

 

A antinomia entre os que põem a tónica mais na tradição do que no Evangelho, mais em Trento do que no Vaticano II, mais no cumprimento escrupuloso das leis e dos códigos do que nas pessoas e grupos concretos e suas inquietações e buscas é talvez a que mais esforço de superação vai exigir, a avaliar por algumas intervenções feitas nesta assembleia continental.

O arcebispo de Praga, por exemplo, na homilia feita logo na eucaristia de abertura, no último domingo, começou por conjeturar que o Sínodo falhou. Podemos saber tudo o que molesta e oprime o povo de Deus, as suas necessidades e vontade de mudança na comunidade eclesial, disse; a verdade é que “falhamos na descoberta do sensus fidei (o sentido da fé) dos fieis”. Sendo claro para muita gente, prosseguiu ele, que até pessoas que são ativas na vida eclesial desconhecem a Bíblia e a doutrina da Igreja, o que agora mais importa é escutar a voz de Deus e perguntar o que quer, afinal, Jesus da Igreja de que foi fundador.

Em geral, este ceticismo não transpareceu muito nos trabalhos até ao momento, mas há a clara consciência de que é por aqui que passam algumas das principais clivagens. “Como pode a Igreja mudar relativamente a matérias polémicas do mundo de hoje sem negar a sua natureza divina?”, perguntava esta terça-feira a delegação da conferência dos bispos dos países nórdicos. Por outro lado, países como a Bélgica, a Itália ou o Luxemburgo alertavam: não basta ouvir o que querem os grupos marginalizados e excluídos da Igreja e menos ainda falar deles; o que importa é estar e falar com eles, escutá-los e dialogar, com a intenção de os compreender.

Como se diz na síntese de Portugal, dialogar não significa necessariamente “acolhimento acrítico e indiscriminado de tudo o que o outro proponha”, mas “aceitar a diversidade” e acreditar que o encontro e o diálogo podem ser uma graça e uma luz para ambos os lados.

 

Vítimas de abusos e pessoas LGBT, vozes ausentes

Católicos LGBT conversam com participantes da assembleia europeia do Sínodo em Praga. Foto: Direitos reservados.

Católicos LGBT conversam com participantes da assembleia europeia do Sínodo em Praga: o grupo queria ser mais ouvido no interior da assembleia. Foto: Direitos reservados.

 

Neste ponto, surgiram na assembleia de Praga duas vozes que são desafios para o Sínodo.

O primeiro foi colocado, já na segunda-feira, pelo presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Georg Bätzing, quando alertou para o facto de milhares de vítimas de abusos sexuais e de poder no interior da Igreja estarem a ser deixadas à margem do Sínodo.

“Na Europa há milhares de vítimas de abusos na Igreja [que] não têm voz no sínodo. Não podemos avançar sem deixar falar essas pessoas, a quem a Igreja feriu”, disse ele. “O perdão também deve ser concedido antes de embarcar num novo caminho para o futuro”, acrescentou.

Posição convergente foi já assumida por Massimo Faggioli, um conhecido teólogo italo-americano, e Hans Zöllner, um dos maiores especialistas do Vaticano na temática dos abusos, num artigo que escreveram no National Catholic Reporter, em 2022, intitulado “A crise dos abusos deve ser o centro do processo sinodal em andamento”.

O segundo caso refere-se aos católicos LGBT+. Como o 7MARGENS noticiou, um grupo de 15 pessoas da Global Network of Rainbow Catholics (GNRC ou Rede Global de Católicos Arco-Íris), oriundas de dez países, deslocaram-se para Praga, ainda antes da assembleia sinodal e reuniram no último sábado com o bispo auxiliar da arquidiocese de Praga e com alguns participantes na assembleia continental.

Christopher Vella, historiador da Universidade de Malta e co-presidente da GNRC, uma rede mundial de cinquenta organizações de pessoas católicas LGBT+ e familiares, diz, numa entrevista ao jornal cristão holandês Nederlands Dagblad, que o grupo se tem encontrado, ao longo destes dias, com algumas delegações do Sínodo.

Contudo lamenta que a GNRC não tenha sido convidada para os trabalhos, apesar de algumas das organizações que a integram terem participado ativamente na fase diocesana deste processo.

Vários relatórios nacionais dão conta das preocupações desta rede, mas os membros estão preocupados com o que vai sair de Praga. “Merecemos um lugar à mesa da conversa. Também queremos rezar juntos aqui em Praga pelo Sínodo, para que seja uma experiência enriquecedora para os participantes. Também oramos para que o Espírito Santo atue”.

 

Nathalie Becquart na assembleia da Oceânia

Nathalie Becquart foto c antonio marujo tirada em lisboa a 13 marco 2022

Nathalie Becquart foi às Ilhas Fifi dizer que “só aprendemos se trabalharmos em conjunto”. Foto © António Marujo/7Margens.

 

Na Oceânia, onde decorre até esta quarta-feira a assembleia continental, tendo Suva, a capital da ilha de Fiji como cidade de acolhimento, o terceiro dia de trabalhos foi marcado, de manhã, por apresentações sobre o tema do “Cuidado dos Oceanos” e uma apresentação final sobre a formação de um novo paradigma para a missão na Igreja, que contou com a participação da subsecretária-geral do Sínodo, a religiosa Nathalie Becquart.

Na sua intervenção, perante uma assembleia essencialmente masculina e veterana, ela usou algumas metáforas para falar da sinodalidade. Comparou-a a uma pessoa que cresce e se desenvolve, mas continua a ser a mesma pessoa. “Só aprendemos se trabalharmos em conjunto”, bispos, presbíteros, religiosos e leigos. E “só apendemos fazendo, nas circunstâncias particulares em que vivemos. Não há um livro ou um tratado académico que nos dê a receita”.

Recorrendo à imagem do mar, Becquart fez notar que ele é “um espaço mutável e móvel, mesmo quando está quieto. As pessoas correm riscos ao atravessá-lo e, portanto, precisam de descobrir como manter o equilíbrio para sobreviver”.

Assim é também, rematou, “a sinodalidade, que é uma visão dinâmica, e não estática, da Igreja na história. A Igreja tem aspetos semelhantes que perduram no tempo e no espaço; mas a Igreja adapta-se guiada pelo Espírito Santo, permanecendo sempre fiel às suas origens. E assim como existe uma “centralidade da experiência” de ser discípulo de Cristo, cada cristão batizado também é chamado a experimentar o próprio encontro com Cristo a quem segue”.

 

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