
Américo Aguiar, fotografado na sede da Fundação JMJ, 2023.06.01. Foto © António Marujo
Não conheço D. Américo Aguiar, nem sequer nunca privei com ele. A seu favor tenho dois argumentos: a minha plena crença na inteligência e no ministério do Papa Francisco, que agora o nomeou cardeal e a afirmação proferida pelo próprio de que a JMJ só teria sentido se depois tudo for diferente.
Neste tempo especial em que ocorreu a JMJ, surgiu uma pretensa polémica que nos quer desviar o olhar do essencial.
Afinal o que se pretende com a JMJ? Dar uma pintura na nossa casa ou habitar uma casa pintada?
Obviamente que dar uma pintadela provoca um imediato impacto visível e agradável; implica a aplicação de tinta com a superficialidade de um gesto, a manifestação pública de uma cor, a centralidade do epidérmico, o protagonismo evidente dos pintores…
Porém viver numa casa pintada é um desafio bem maior: consiste em construir um local que tendo, no mínimo, a mesma beleza exterior, seja o local onde se deseja e se quer viver. E nesta obra não há lugar para canalizações não renovadas, tolerância para fragilidades na impermeabilização, despreocupação com a excelência térmica, pavimentos menos sólidos, portas de abertura difícil (mesmo se robustas), omissão de garantias dinâmicas que preservem a construção – enfim, um processo de construção que conduza a uma casa em que nós e os outros desejamos habitar!
Aqui precisamos de estucadores, canalizadores, ladrilhadores, electricistas, engenheiros e arquitectos que assegurem a qualidade da obra. Estes até podem ser de outras empresas, desde que construam a casa idealizada pelo proprietário. E se a excelência for palpável talvez decidam mudar e habitar uma casa que nunca viram ou sonharam! Obviamente que a pintura só se faz sob orientação expressa ou implícita do pintor… e a qualidade das tintas e dos processos de construção já foram o factor decisivo para escolher o pintor.
Na complexidade da construção e para edificação do produto final contribuíram pessoas que não faziam parte da empresa de pintura, mas emprestaram ao proprietário os seus talentos.
O proprietário não se sentiu ameaçado: ele até sabia do ofício e poderia ter usado recursos próprios; mas ficou contente com a colaboração de outros que, usando métodos eficazes, contribuíram para o seu projecto.
Não precisa de advogados para defender a excelência da sua firma: ele já sabe que a muitos colaboradores a quem tem dado trabalho foram ineficazes. Facilmente se desculparam com a conjuntura, a fraca qualidade dos novos materiais, o desempenho medíocre dos colegas, num processo de transferência psíquica que facilmente recorre ao saudosismo do passado, mesmo se confrontados com o abandono sistemático da casa que realmente tem condições de habitabilidade mais precárias.
É que dar uma pintadela epidérmica ou fazê-la sem qualidade já não cativa…
Deixemo-nos então de remendos superficiais, empacotados em embrulhos vistosos que só deslumbram incautos!
A urgência da casa pintada implica que juntos, na diversidade, nos empenhemos na construção! Sob grave pena de aumentar o número, já imenso, dos sem abrigo!
Obrigado, cardeal Américo, por nos lembrar enfaticamente que é preciso criar condições para encontrar Cristo Vivo…e se construirmos a Sua Casa, é a Sua presença na Casa que a todos nós seduzirá!
Luís Parente Martins é médico cardiologista, membro do Departamento de relações ecuménicas e inter-religiosas do Patriarcado de Lisboa e co-responsável do diálogo ecuménico do Movimento dos Focolares.