
O 45º Encontro Europeu de Taizé terá lugar em Rostock (Alemanha), de 28 de dezembro a 1 de janeiro. Foto © Communauté de Taizé.
A pouco mais de uma semana do 45º Encontro Europeu de Taizé, que terá lugar em Rostock (Alemanha), de 28 de dezembro a 1 de janeiro, e para o qual são esperados cerca de cinco mil jovens, uma mulher alemã denunciou publicamente ter sido alvo de assédio sexual por parte de um dos irmãos daquela comunidade ecuménica e alertou para o facto de situações semelhantes poderem acontecer neste encontro. “Empenhada em fazer de Taizé um lugar mais seguro”, a própria comunidade havia já publicado, no início de dezembro, no seu sítio online, um relatório atualizado sobre aquilo que fez pela “proteção de pessoas” desde 2019 até novembro deste ano. Uma das medidas mais recentes consistiu em criar uma nova “equipa de proteção” composta por pessoas de fora da comunidade, e que conta com um elemento português.
Uma equipa que poderia ter feito toda a diferença quando, em 2009, Anne Terlongou, hoje com 42 anos, foi assediada. Em declarações à Agência Católica de Notícias alemã (KNA), citadas pelo site suíço Kath.ch, Anne conta que viveu como voluntária na aldeia de Taizé (França) entre 2006 e 2008 e, no ano seguinte, manteve o contacto por e-mail com um irmão da comunidade que se tornou “como um pastor” para ela. Estando a pensar tornar-se freira, regressou a Taizé nesse mesmo ano, onde se encontrou com ele. Foi no dia anterior ao seu regresso à Alemanha que esse irmão sugeriu que estivessem juntos “num horário fora do comum, à noite”, refere, relatando que, quando se encontraram, ele começou por pegar na sua mão, o que a deixou desconfortável, e depois a agarrou pelos ombros e a beijou na boca. “Fiquei chocada e fugi a correr”, recorda. Quando, no dia seguinte, Anne confrontou o irmão com o que havia acontecido, ele terá dito que “foi apenas um beijo de boa noite”.
“Quando coisas assim acontecem mesmo na casa da comunidade, pergunto-me como é que eles vão garantir a segurança num lugar estrangeiro”, diz Terlongou. A antiga voluntária, que já havia denunciado a situação de assédio de que foi alvo à própria comunidade de Taizé, quis agora partilhá-la e expressar publicamente a sua preocupação. Este é, de resto, um os casos que vêm referidos no relatório disponibilizado pela comunidade no seu sítio online.
De acordo com o documento, desde junho de 2019, 62 pessoas entraram em contacto com a comunidade relatando comportamentos “irregulares” no contexto dos encontros de Taizé. As denúncias recebidas referem-se a uma ampla variedade de situações, desde comentários percebidos como discriminatórios até agressões sexuais, na sua maioria imputados a líderes dos grupos de jovens participantes. Em oito casos, os abusos terão sido cometidos por irmãos e “foram transmitidos às autoridades judiciais”.
“Cada vez mais os jovens estão atentos a estas situações”

O relatório demonstra ainda que o procedimento a seguir para assegurar a proteção de todos aqueles que participam nos encontros de Taizé (na localidade francesa ou fora dela) tem vindo a evoluir. Recentemente, a equipa de “Receção e acompanhamento de denúncias” foi reformulada, passando a ser composta por pessoas externas à comunidade. Entre elas, um advogado francês, Noël Rosé, e a portuguesa Alzira Fernandes, formadora no Seminário Conciliar de Braga, na área do acompanhamento espiritual, e que também já viveu dois anos como voluntária em Taizé.
“A decisão de criar esta equipa autónoma foi dos irmãos e penso que foi uma decisão bastante lúcida. Nos casos em que as denúncias digam respeito a irmãos da comunidade, não é fácil para outros irmãos fazer essa gestão interna. Assim, nesta equipa, que ainda está em construção, ninguém pertence à comunidade. Há apenas um irmão que podemos contactar, mas que não interfere em nada na forma como fazemos a gestão dos casos”, explica Alzira Fernandes ao 7MARGENS.
Uma das responsabilidades da equipa é a de dar seguimento aos e-mails enviados para o endereço protection@taize.fr, partilhado com todos os jovens que chegam à aldeia ecuménica ou aos encontros internacionais organizados pela comunidade como sendo um dos meios a utilizar para denunciar “quaisquer incidentes, recentes ou não”.
“Taizé é um espaço muito plural e muito aberto, pelo que é possível acontecerem situações difíceis”, reconhece Alzira Fernandes. “Por isso, logo no momento do acolhimento, os jovens são devidamente informados e aconselhados para caso haja uma situação em que se sentem ameaçados ou em perigo entrem imediatamente em contacto com as pessoas responsáveis pela proteção”, assinala. Podem fazê-lo dirigindo-se diretamente às pessoas com essa função na comunidade e nos encontros, ou através de um número de telefone criado especificamente para o efeito, ou então escrevendo para o endereço eletrónico.
“Recebemos os e-mails, analisamos, conversamos entre nós sobre cada uma das situações, e depois damos resposta. Dependendo de cada caso concreto, podemos fazer a ponte caso seja preciso ir para a Justiça ou para a Comissão de Reparação, por exemplo”, explica Alzira Fernandes, manifestando satisfação por verificar que “cada vez mais os jovens estão atentos a estas situações e todas as vezes que estão em perigo ou em ameaça recorrem a estas instituições para pedir ajuda”.
No caso concreto do Encontro Europeu em Rostock, “Taizé tem trabalhado com as igrejas locais desde o final de outubro para desenvolver medidas para proteger as pessoas”, pode ler-se na página do evento. “Todos os envolvidos no encontro” foram instruídos para “denunciar imediatamente qualquer assédio, abuso ou violência sexual” e foi criada uma “equipa de proteção” especificamente para este encontro, cujos contactos estão disponíveis no mesmo site.
Quanto ao irmão acusado por Anne Terlongou, não irá participar neste encontro e não está a desenvolver nenhum trabalho pastoral, assegurou o porta-voz de Taizé, irmão Francis, à KNA.