
Daniel Faria. Foto: Direitos Reservados
A escrita de Daniel Faria não permite leituras rápidas ou imediatas: leituras que, por outras palavras, fechem a força do texto e o encerrem numa “mensagem”. Chegará o tempo, a prolongar-se, dos ensaios de leitura pessoais deste inédito agora publicado sob o título de Sétimo Dia; este é o momento de dar a notícia, de chamar a atenção, de convidar à leitura, de dizer: está aqui. É uma ocasião a marcar.
Sétimo Dia junta-se ao conjunto de obras póstumas de Daniel Faria, obra ao mesmo tempo inacabada. A organização é da responsabilidade de Francisco Saraiva Fino que, na Introdução ao livro, contextualiza a descoberta e tratamento do texto e faz um primeiro e sugestivo ensaio de leitura. Trata-se de uma obra de fragmentos, próxima do estilo literário de O Livro do Joaquim.

Sétimo Dia
O título, Sétimo Dia, advém do facto de o Poeta ter assim nomeado alguns dos ficheiros informáticos onde gravou versões deste projeto de escrita, sucessivamente retomado a par da preparação e publicação das suas obras poéticas. Na verdade, o leitor que se aproximar de Sétimo Dia encontrará apenas cinco conjuntos de fragmentos, cinco “dias” a que correspondem cinco “homens”. Cada conjunto é formado por vinte e quatro fragmentos, embora alguns conjuntos estejam incompletos. O paralelismo com as horas do dia, por um lado, e com o esquema bíblico da criação em sete dias será fácil de estabelecer. A morte prematura de Daniel Faria não nos permite saber que andamento ou conclusão daria a este projeto. Chegou-nos assim, incompleto, e assim nos criará sentido.
“E no entanto confesso que gostaria bem de ser um eremita, poderia muito bem ser um eremita: também procuro a sabedoria de estar com todos. Encontrar-se é passar. O que resta é o coração onde o que passou caminha e respira? Quando nos afastamos tudo se aproxima. Eu poderia ser um eremita. Nem a busca do silêncio nos desiguala.”
Os fragmentos expõem-se de forma aberta, como diálogos do Poeta a sucessivos interlocutores (um amigo, a Mãe), estilo que encontramos também quer nas obras poéticas, quer em O Livro do Joaquim. O leitor é assim inserido numa intimidade, num caminho interior marcado por tudo o que de agónico tem a vida humana, o homem como lugar mal situado (a solidão, a perda, a doença): da leitura brota a consciência de que também o Poeta é convidado, acolhido na intimidade do leitor, nascendo assim uma amizade que perdurará ao longo do tempo. O texto – ou o fragmento – torna-se aberto, ponto de chegada e ponto de partida, de permanência e de retorno: converte-se, à semelhança da passagem bíblica, em possibilidade de memória, de ruminação, de companhia e de sentido. É assim com a poesia de Daniel Faria, e também assim será com estes Cinco Dias que, acompanhando-nos no nosso dia que é o Sexto, nos conduzirá ao Sétimo Dia.
“Já disse que gosto de prometer, mas detesto que me façam promessas e incomoda-me muito esta ideia de uma recompensa no céu. Não suporto esperar que algo se cumpra e não suporto cumprir-me. Queria ser só uma promessa, uma vida vivida como um interminável prometer.”
Para uma leitura acompanhada, são sugestivos dois auxílios: uma sessão do programa de rádio A Ronda da Noite, dedicado ao livro, e o número 5 da Gazeta Literária, dedicada ao Autor.
Sétimo Dia, de Daniel Faria.
Edição de Francisco Saraiva Fino
Assírio & Alvim 2021, 160 páginas.