
“As religiões não são problema, mas parte da solução para uma convivência mais harmoniosa”, afirmou o Papa na abertura do VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais. Foto © Vatican Media.
O apelo foi lançado pelo Presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev, na intervenção inaugural do VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais: “Precisamos todos de um novo movimento global para a paz”, afirmou. E, a avaliar pelos discursos que se seguiram, foi bem recebido. Na iniciativa, que esta quarta e quinta-feira reúne em Nur-Sultan (capital do Cazaquistão) mais de uma centena de delegações de 50 países, e inclui a participação do Papa Francisco, do grande imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, do rabino-chefe sefardita de Israel, Yitzhak Yosef, e do responsável pelo Departamento das Relações Externas do Patriarcado de Moscovo, metropolita António, a palavra “paz” tem sido, de longe, uma das mais repetidas.
Mas se a paz é mais do que o “frágil resultado de frenéticas negociações” e tem como base um “constante empenho educativo”, então “invistamos, por favor, nisto, não nos armamentos, mas na educação”, pediu o Papa Francisco. Não se trata de procurar “falsos sincretismos conciliatórios”, explicou, mas sim de guardar as identidades de cada um, “abertas à coragem da alteridade, ao encontro fraterno”. Até porque, sublinhou, “as religiões não são problema, mas parte da solução para uma convivência mais harmoniosa”.
Alertando para o fundamentalismo que “corrói toda a crença” e criticando os discursos que “inculcaram suspeitas e desprezo a respeito da religião, como se esta fosse um fator desestabilizador da sociedade moderna”, o Papa lembrou que “a busca da transcendência e o valor sagrado da fraternidade podem inspirar e iluminar as opções a tomar no contexto das crises geopolíticas, sociais, económicas, ecológicas”.
Ainda assim, perante o atual cenário de guerra nas mais diversas partes do mundo, Francisco acrescentou: “É preciso, irmãos e irmãs, um abanão da nossa parte.” Todos os crentes, católicos e não só, são chamados a assumir o desafio global da paz, num mundo que vive “o flagelo da guerra”, num “clima de confrontos exasperados”.
“Precisamos de religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que habita o coração de cada homem”, concluiu.
Também o metropolita António, da Igreja Ortodoxa Russa, apresentou a fé como “último bastião da humanidade” contra a “catástrofe”, após ter alertado para o risco de uma guerra nuclear. Mais tarde, aos jornalistas, depois de um encontro privado com o Papa Francisco, admitiu a possibilidade de este e o patriarca Cirilo virem a encontrar-se em breve.
Já Ahmad Al-Tayyeb defendeu, no seu discurso, a importância do diálogo, evocando precisamente a experiência dos últimos anos, na sua relação com o Papa Francisco.
O rabino-chefe sefardita de Israel, Yitzhak Yosef, exortou todos a serem mais tolerantes uns com os outros, a começar pelos líderes religiosos, que “devem dar o exemplo”.de “respeito mútuo”.
Apesar de não estar presente no congresso, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, fez questão de enviar uma mensagem em vídeo aos participantes. Perante os “tempos desafiantes” para o planeta, realçou o papel das religiões na construção de um “mundo melhor”, no qual todos vivam como “uma única família humana”, reconhecendo a diversidade “como uma riqueza”, “resolvendo as diferenças pacificamente” e sendo “solidários uns com os outros e com as gerações vindouras”.
“O espírito de unidade é aquilo de que a família global precisa mais do que nunca”, afirmou, manifestando a sua gratidão pelos muitos contributos que os líderes religiosos têm dado para o avanço do trabalho da ONU, e na esperança que deste congresso surjam mais alguns.
“Que terá ainda de acontecer?”

A referência à situação na Ucrânia parece ter sido evitada nos discursos da manhã, mas Francisco falou dela abertamente na missa que celebrou mais tarde no recinto da Expo 2017, onde participaram cerca de seis mil pessoas (apesar de a comunidade católica corresponder a menos de 1% da população do Cazaquistão).
“Penso em tantos lugares martirizados pela guerra, sobretudo na querida Ucrânia. Não nos habituemos à guerra, não nos resignemos à sua inevitabilidade. Socorramos quem sofre e insistamos para que se tente verdadeiramente alcançar a paz”, pediu Francisco.
“Que terá ainda de acontecer? Quantos mortos teremos ainda de contar antes de as contraposições cederem o passo ao diálogo para bem das pessoas, dos povos e da humanidade? A única saída é a paz, e a única estrada para se chegar lá é o diálogo”, insistiu.
O Papa manifestou ainda a sua preocupação ao saber que, “nas últimas horas se acenderam novos focos de tensão na região do Cáucaso”, entre o Azerbaijão e a Arménia, desejando que prevaleça o diálogo e a “concórdia”.
No final da missa, que assinalou a festa litúrgica da Exaltação da Santa Cruz, o Papa foi saudado pelo arcebispo de Maria Santíssima em Astana, Tomash Bernard Peta, que agradeceu a presença de Francisco no país e pediu bênçãos para o mundo e para que todas pessoas sejam “mensageiras de paz e unidade”.
A viagem do Papa termina esta quinta-feira, com o tradicional encontro privado com os membros da Companhia de Jesus, ordem religiosa à qual pertence. Pelas 10h30 locais (05h30 em Lisboa), Francisco reúne-se com bispos, membros do clero e institutos religiosos, e agentes pastorais da Igreja Católica, na Catedral Mãe de Deus do Perpétuo Socorro.
O último compromisso da viagem é a participação, no Palácio da Independência, na cerimónia de leitura da declaração final e conclusão do congresso de líderes religiosos, perante os quais voltará a discursar, a partir das 15h00 (10h em Lisboa).