
O padre e psicoterapeuta Tony Anatrella defendia que a homossexualidade representa um “problema de organização psíquica” e que os gays não devem tornar-se padres mesmo que permaneçam celibatários. Foto © Peter Potrowl via Wikipedia.
Cessação de qualquer atividade relacionada com a psicoterapia, fim de publicação de livros, de participação em colóquios, reuniões públicas, e conferências são algumas das medidas canónicas que a diocese católica de Paris acaba de impor a Tony Anatrella, um conhecido padre e psicoterapeuta que tem defendido teorias anti-gay e que foi acusado de vários abusos sexuais sobre jovens rapazes.
Esta sentença “definitiva” da hierarquia da Igreja demorou seis anos a ser aplicada, depois de as denúncias terem surgido, desencadeando o acionamento de um processo que transitou pelo Dicastério para a Doutrina da Fé do Vaticano.
Ao padre Anatrella, que tem 81 anos, ficou ainda vedado, segundo um comunicado da diocese, presidir ou mesmo concelebrar em público a eucaristia ou confessar pessoas, sendo-lhe imposta “uma vida de oração num quotidiano mais remoto”.
Anatrella assumiu, desde os anos 80 e 90 do século passado, um significativo papel de formador em psicologia clínica em vários centros franceses, bem como de investigação em psicologia social na École des Hautes Études.
Com o surgimento do escândalo dos abusos sexuais na Igreja Católica, foi colaborador, em 2000, do primeiro vademecum para ajudar os bispos franceses a enfrentar o problema, intitulado Lutter contre la pédophilie (Combater a pedofilia).
Progressivamente foi-se tornando, segundo os média franceses, “o psi da Igreja”, tornando-se consultor de dois dicastérios (departamentos) da Cúria Romana. Foi também um perito convidado do Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a família, em 2014. É autor de vários livros e assina o verbete “Homossexualidade e homofobia”, no Léxico do Pontifício Conselho para a Família, tendo escrito um artigo de fundo para o Vaticano, no quadro da Jornada Mundial da Juventude de Colónia, intitulado Le monde des jeunes: qui sont-ils, que cherchent-ils? (O mundo dos jovens: quem são e o que buscam?), em que se propõe caracterizar o campo juvenil no ocidente, focando especialmente o segmento dos 18-30 anos.
Num artigo que assinou no Osservatore Romano, o diário da Santa Sé, o psicoterapeuta defendeu que a homossexualidade representa um “problema de organização psíquica” e que os gays não devem tornar-se padres mesmo que permaneçam celibatários, posições polémicas dentro da própria Igreja.
Polémicas foram-se multiplicando
A primeira denúncia de abuso, em 2001, terá sido a de um ex-seminarista que procurou Tony Anatrella no seu consultório, em 1987, e a quem este terá dito que ele não era de facto homossexual, mas que poderia tratar o seu problema com uma terapia adequada. Os métodos usados pelo terapeuta foram tão aberrantes que o consulente entendeu serem abusivos.
As polémicas em torno desta figura foram-se multiplicando. Um exemplo surgiu no próprio Vaticano, em 2016. Quando a Igreja já estava a pôr em campo formas mais efetivas de combater os abusos sexuais no seu seio, Tony Anatrella, convidado a intervir numa sessão de formação com os novos bispos, argumentou que os bispos não têm o dever de participar as denúncias à polícia, já que isso, segundo ele, cabe às vítimas e suas famílias.
Respondeu-lhe o cardeal Sean O’Malley, presidente da então recém-constituída Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores, observando que “todos nós temos a responsabilidade moral e ética de denunciar suspeitas de abuso às autoridades civis encarregadas de proteger a nossa sociedade”.
Depois de novas denúncias de abusos em 2016, abriu-se um processo canónico (dado que, no plano civil, os factos tinham prescrito) e, em julho de 2018, Anatrella foi suspenso da prática pastoral por abusar sexualmente de pelo menos cinco dos seus pacientes, todos jovens adultos. Ele recorreu dessa suspensão, até que surgiu agora esta sentença “definitiva”.
Sentença que deixa, no entanto, descontente a advogada das vítimas, Nadia Debbache, ouvida pelo jornal La Croix. “É uma decepção. Pensamos que havia elementos suficientes para Tony Anatrella ser demitido do estado clerical. Estamos a falar de atos graves e repetidos de agressão sexual”, disse ela ao jornal.