
“Tenho o prazer de informar que a Igreja Ortodoxa Ucraniana, a Igreja Ortodoxa da Ucrânia e a Igreja Ortodoxa Russa deram uma resposta positiva à sua participação na mesa redonda”, anunciou Jerry Pillay, secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas. Foto © CMI.
Perto de 200 participantes de todo o mundo estão presentes na reunião do Comité Central do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que decorre até esta terça-feira, 27 de junho, para aprovar o plano estratégico da organização até 2030. O encontro tem sido palco de diversas iniciativas, formais e informais, que têm em vista organizar uma mesa-redonda entre as igrejas ortodoxas mais diretamente envolvidas no conflito desencadeado pela Rússia na Ucrânia. E, segundo foi revelado em Genebra, onde a reunião decorre, já há alguns resultados positivos.
Esta reunião do Comité Central, realizada sob o signo da “Peregrinação da justiça, da reconciliação e da unidade”, é a primeira desde a assembleia do CMI, que decorreu no verão de 2022, em Karlsruhe, na Alemanha. Inclui 150 membros do Conselho, oito presidentes setoriais eleitos e um certo número de conselheiros de parceiros ecuménicos e igrejas, que são membros do CMI.
Ainda que as situações no mundo que incentivam as igrejas a “agir em prol da justiça e da reconciliação” sejam diversificadas, o caso da guerra na Ucrânia merece uma atenção especial, não apenas pela gravidade do que tem acontecido e pelo impacto internacional que provoca, mas também porque igrejas cristãs ortodoxas, membros do CMI, estão envolvidas em posições que são também de afrontamento.
Como recordou o secretário geral, Jerry Pillay, no relatório que apresentou no Comité Central, o CMI fez “declarações muito claras” de condenação da guerra, considerando-a “ilegítima e imoral” e solicitando toda a ação possível ao secretariado. Uma delegação do CMI chefiada por Pillay visitou, entretanto, quer Kiev quer Moscovo, onde teve reuniões com as igrejas ortodoxas. “A intenção – sublinha o secretário geral – era abordar as questões da desunião” entre aquelas igrejas e ver como poderiam elas “ajudar na pacificação no contexto da Ucrânia”.
A proposta que está a ser negociada consiste em começar por juntar numa mesa redonda, em terreno neutro, uma pequena delegação (umas cinco pessoas) de cada igreja com dois objetivos. O primeiro é o de promover a coexistência pacífica entre as Igrejas ortodoxas maioritárias da Ucrânia. Tal desiderato passaria por negociar com o governo ucraniano “a criação de condições conducentes ao diálogo entre a Igreja Ortodoxa da Ucrânia (UOC, na sigla em inglês), que esteve até 2022 formalmente vinculada ao Patriarcado de Moscovo, e a Igreja Ortodoxa Ucraniana, de formação mais recente (a OCU), de pendor nacionalista, que é reconhecida pelo Patriarca de Constantinopla. O CMI considera que este entendimento seria “no interesse da consolidação e da unidade da sociedade ucraniana”.
Para aplanar o terreno, seriam, então, convocadas reuniões de diálogo confidenciais em Genebra, entre altos representantes da UOC, da OCU e da Igreja Ortodoxa Russa (ROC), para que todas as partes se pudessem ouvir, dialogar e rezar em conjunto em torno das atuais tensões e conflitos entre si. Procurariam igualmente definir medidas para reduzir as tensões e promover a coexistência pacífica, tendo o Evangelho como critério primeiro de fidelidade, como foi sublinhado na conferência de imprensa, no início da reunião, que reuniu Jerry Pillay e o moderador do Comité Central, o bispo Heinrich Bedford-Strohm.
O segundo objetivo alargaria o âmbito das questões, visando “contribuir para uma paz justa na Ucrânia” e para a “redução das tensões e dos confrontos no mundo em geral, devido a este conflito”. Isso seria feito “através do diálogo multilateral entre as Igrejas enquanto representantes de sectores sociais significativos a nível mundial”, bem como parceiros da Rússia, da Ucrânia e de todas as regiões do mundo. A finalidade seria “abordar questões éticas fundamentais”, que emergem do contexto de guerra, como sejam “o papel e a responsabilidade do cristão em relação ao conflito armado e às ameaças de força armada; o chamamento bíblico para sermos pacificadores; e as preocupações em relação ao uso indevido da linguagem religiosa e da autoridade para justificar ou apoiar a violência armada e a invasão”.
“O princípio da neutralidade humanitária e a responsabilidade e as respostas cristãs em relação às consequências humanitárias do conflito; a responsabilização moral e legal pelos crimes cometidos durante o conflito; e as consequências globais do conflito e as implicações para a humanidade e o ambiente”, seriam outros pontos possíveis, sendo que se deveria ter em conta as implicações para o atual conflito na Ucrânia”.
Esperança… e cautela
E foi neste contexto que Jerry Pillay pôde informar de alguns resultados positivos, decorrentes das diligências que discretamente têm decorrido, nos últimos meses.
“Tenho o prazer de informar – declarou ele – que a Igreja Ortodoxa Ucraniana [ligada a Constantinopla], a Igreja Ortodoxa da Ucrânia [historicamente próxima de Moscovo] e a Igreja Ortodoxa Russa deram uma resposta positiva à sua participação na mesa redonda”.
A Igreja Ortodoxa Russa, liderada pelo patriarca Cirilo, terá declarado ir consultar a UOC, enquanto o CMI trabalhou no aprofundamento do conceito de mesa redonda que propôs, aguardando uma resposta das três igrejas ortodoxas, a comprometer-se com o processo. “Todas as igrejas envolvidas afirmaram o papel de há muito [desempenhado pelo] CMI na pacificação em situações de conflito e veem o CMI como um fórum valioso e formidável para ajudar na situação da Ucrânia”, sublinhou o secretário geral, solicitando as orações de todos, para que a dinâmica lançada obtenha resultados.
Refira-se que os dias dos trabalhos do Comité Central foram aproveitados para encontros privados, de forma a viabilizar os passos que estão para ser dados, aproveitando a presença de todos os intervenientes.
Um observador atento e reconhecido do mundo da ortodoxia, Peter Anderson, manifestou-se, entretanto, sobre o significado que, a seu ver, este caminho reveste, manifestando esperança, ainda que cautelosa, num texto publicado por Il Sismografo:
“Na minha opinião, a iniciativa que envolve as três Igrejas é o único raio de esperança para estabelecer uma coexistência pacífica entre a UOC e a OCU [as duas igrejas ortodoxas da Ucrânia]. Embora as três Igrejas tenham dado uma ‘resposta positiva’ para participar na mesa redonda, parece que ainda não assumiram um compromisso definitivo nesse sentido”.