Covid afunda economias da América Latina e atingirá direitos humanos

Valentina, uma criança de sete anos, come uma taça de arroz com pedaços de terra, na sua casa em Tomuso, Venezuela: a situação social já é grave em alguns países da América Latina e a pandemia vai agravá-la muito, prevê a CEPAL. Foto © Caritas Internationalis
Vítima há mais de cem anos de duas recessões, a América Latina prepara-se para outra em resultado da covid-19. Com todas as valências da sua economia a sofrerem golpes que levarão anos a recuperar. Maus tempos do Rio Grande à Patagónia.
A antevisão é assinada pela Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) com base no galope de infecções e mortes em toda a região, não escapa um canto. A agência das Nações Unidas calcula que os estragos da pandemia levem a uma queda de 5,3 por cento da actividade económica, mais do que as crises anteriores, que já foram muito más.
Na recessão de 1914, lembre-se, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, a economia regional retrocedeu 4,9 por cento. Na seguinte, dezasseis anos depois, na sequência da Grande Depressão, perdeu 5, uma enormidade. A que se aproxima, quando o panorama já vinha decaindo há sete anos, com um crescimento médio acumulado de apenas 0,4 por cento, terá efeitos dramáticos como o desemprego; e, por via deste, no agravamento da pobreza e da desigualdade, disse aos jornalistas Alícia Bárcena, secretária executiva da organização, com sede em Santiago do Chile.
O surto avança em todos os países infectando, matando e destruindo os sistemas de saúde mais frágeis. Os governos regionais vieram poupando na saúde e agora faltam-lhes meios e camas suficientes. A média regional das despesas com o sector é menos de quatro por cento do seu Produto Interno Bruto. Um ou outro país vai tendo para as despesas e as vidas, como Cuba, o Chile, a Costa Rica ou o Uruguai, mas outros derrapam como a Bolívia, a Guatemala, as Honduras, a Nicarágua, o Paraguai, o Haiti e a Venezuela. Não vale a pena adiantar aqui números pois ou não são de fiar ou são demasiado voláteis, podendo porém ser consultados em páginas que os apresentam ao minuto como a BBC News ou a World Meter. O diário castelhano El País também tem uma boa informação quer sobre a emergência sanitária quer sobre as medidas tomadas para travar as suas consequências.
A crise económica abateu-se de quatro modos, segundo a CEPAL: na redução do comércio internacional, na queda dos preços dos produtos primários, no medo dos investidores e na degradação das condições financeiras internacionais. Os países da América Central acusarão uma queda de 2,3 por cento devido por exemplo à queda do turismo e à redução das trocas comerciais com o seu maior parceiro, os Estados Unidos. Os do Caribe, 2,5 por cento em resultado do cancelamento de viagens e de férias de estrangeiros.
E como às maiores naus cabem sempre as maiores tormentas, duas das maiores vítimas serão o Brasil e o México, economias de grandes manufacturas e também de muitos disparates, com líderes absolutamente alheios à tragédia, no primeiro caso, ou a acordarem demasiado tarde para a virose, no segundo.

A confirmarem-se os piores cálculos, a comissão da ONU prevê a deterioração dos índices laborais, o aumento da taxa de desemprego dos actuais 8,1 por cento para 11,5 por cento, o que deverá corresponder a 37,7 milhões dos 465 milhões da população activa. As pequenas e médias empresas – mais de 50 por cento do emprego formal – serão as que mais sofrerão, como se adivinha que também aconteça noutros países como Portugal, onde constituem 98 por cento do empresariado.
E, claro, os direitos humanos. Pelo caminho a crise afectará direitos tão básicos como a igualdade de género, a escolaridade ou a marginalização dos mais indefesos, e aumentará a sobrecarga de trabalho das mulheres. A habitação será outro dos direitos atingidos. Enfim, a taxa de pobreza aumentará 4,4 pontos percentuais, passando de 30,3 para 34,7 por cento, o que deverá corresponder a mais 29 milhões de pobres e a um total de 216 milhões. Na pobreza extrema cairão outros 16 milhões. Uma catástrofe.
Para aliviar o desastre, Alícia Bárcena, citada pela IPS, sugeriu “linhas de crédito a baixo custo ou alívios do serviço da dívida”, alertando os líderes do G20 e das maiores economias industriais ou emergentes para a necessidade de abrirem mão por exemplo de reembolsos de dívidas pendentes. E à região latino-americana para avançar com mais determinação e pressa para uma maior integração nos sectores produtivo, comercial e tecnológico.
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