Apesar de muitos confundirem os dois conceitos, a verdade é que ser crente no Deus dos cristãos é muito diferente de ser um discípulo de Jesus Cristo. Vejamos alguns contrastes entre ambos.

“O crente não conhece a verdade, mas o discípulo conhece-a e por isso é livre: “Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos. E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (v 31,32).” Gravura: Cristo ensinando os apóstolos. Fresco da Catacumba de Domitila, Roma (séc. II).
“Crente” é uma espécie de eufemismo antigo para designar a identidade evangélica em Portugal e no Brasil. Há 50 ou 60 anos, os evangélicos em Portugal eram quase invisíveis, devido tanto à sua pequena expressão numérica como à pouca relevância social que evidenciavam. Mas ser “crente” até aos anos sessenta no Brasil era sinónimo de seriedade, integridade e profissionalismo; desde os anos setenta que as coisas mudaram muito.
Por que razão há hoje tanta gente que se diz crente mas revela um carácter oposto ao de Cristo? Por que razão há tantos crentes que trazem escândalo às suas comunidades de fé e dão mau testemunho ao mundo? É por isso mesmo: são apenas… crentes e não pessoas de fé, isto é, são crentes mas não são discípulos.
O crente reconhece a existência de Deus, mas só o discípulo está disposto à conversão (metanoia) ou novo nascimento, a mudar de mente e de atitude. Como dizia o apóstolo Paulo à comunidade cristã de Roma: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:1,2).
O crente acredita em Deus, mas só o discípulo se submete realmente a Deus. Tiago diz isso de forma muito clara: “Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demónios o crêem, e estremecem” (Tiago 2:19).
Conta-se que um soldado desafiou directamente Deus um dia para uma luta no topo duma colina, a fim de fazer a prova da Sua existência, coisa de que o soldado duvidava. À terceira insistência, sem que nada sucedesse, a brisa trouxe um pequeno pedaço de papel pelo ar que lhe caiu aos pés. O soldado pegou nele e leu: “Deus ama-te!”
O crente tem a percepção dum Deus moral, mas só o discípulo procura alinhar o seu carácter com o carácter de Jesus, exemplificado no chamado fruto do Espírito: “Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito” (Gálatas 5:22-25). Não se trata duma moralidade bafienta mas de imitar Jesus.
O crente sabe que há Deus, mas só o discípulo caminha com Ele: “E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou” (Génesis 5:24). Só quando estamos dispostos a “caminhar com Deus” é que Ele nos “toma para si”. Intimidade com Deus é mais do que liturgia, práticas religiosas ou mesmo boas obras.
O crente ouve a Palavra de Deus, mas só o discípulo permanece nela: “Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos” (João 8:31). A Epístola de Tiago oferece-nos a metáfora do espelho. A pessoa que é confrontada com as Escrituras e depois segue a sua vida sem tirar consequências espirituais nunca permanece no caminho do discipulado: “E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era” (1:22-24).
O crente ouve Jesus e acredita nele, mas só o discípulo deixa tudo para o seguir, encetando uma nova vida: “E disse Jesus a Simão: Não temas; de agora em diante serás pescador de homens. E, levando os barcos para terra, deixaram tudo, e o seguiram” (Lucas 5:10b,11). Os pescadores de peixes tornaram-se assim pescadores de homens.
O crente não conhece a verdade, mas o discípulo conhece-a e por isso é livre: “Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos. E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (v 31,32). A mentira é diabólica, mas a verdade liberta. Depois da pós-modernidade e da sua verdade relativa, agora vivemos tempos da pós-verdade e das fake news.
Todos os discípulos de Jesus são crentes em Deus, mas nem todos os crentes em Deus são discípulos de Jesus. A tarefa da Igreja é fazer discípulos, de acordo com a Grande Comissão (Mateus 28:18-20): “E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.”
Quem são os meus discípulos?
José Brissos-Lino é director do mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e director da revista teológica Ad Aeternum.