
D. Francisco da Mata Mourisca nasceu em Pombal. Foto © Ecclesia
D. Francisco da Mata Mourisca, bispo emérito da diocese de Uíge, em Angola, faleceu, aos 94 anos de idade, ao fim da tarde do dia 16 de Março, no Hospital Cardeal Dom Alexandre do Nascimento, de Luanda. Este prelado missionário nasceu a 12 de Outubro de 1928, em Mata Mourisca, no concelho de Pombal.
O jovem candidato aos passos de Francisco de Assis entrou para o Seminário Seráfico de Fafe, em 1941. Fez estudos teológicos nos conventos de Saragoça, Pamplona e doutoramento, em Teologia Dogmática, na Universidade de Salamanca. Foi ordenado padre no convento do Tronco, no Porto, em 20 de Janeiro de 1952, sendo, no ano seguinte, nomeado director do colégio de Teologia e da revista Paz e Bem.
Deixou sentidas saudades, em Barcelos, onde, em 1957, dirigiu o noviciado dos franciscanos capuchinhos portugueses. Ganhou, sobretudo, audiências em muitos púlpitos onde passou, como pregador, de norte a sul do país.
Francisco da Mata Mourisca revelou-se, como bispo, muito crítico do governo marxista de Angola, principalmente, durante a guerra civil naquele país. Esta atitude projectou a sua personalidade determinada. Não foram, de facto, fáceis os seus longos anos de vida na diocese onde se viu obrigado a construir uma nova catedral, depois de a antiga ter sucumbido a um incêndio.
O valor de um passaporte e os “traidores da pátria”
Prova da sua resiliência é o episódio mais contado da sua vida, ouvido por muitas pessoas. Como se sabe, antes do Vaticano II, as ordens religiosas impunham aos seus membros que, ao ingressarem na instituição, o nome próprio do registo civil fosse substituído pelo nome de um santo, de escolha do superior da Ordem. No caso dos frades capuchinhos, além do nome próprio, era substituído também o apelido de família pelo nome da respectiva freguesia, onde tinha nascido. Assim, Francisco da Mata Mourisca apagou todo o seu nome civil, José Moreira dos Santos, e passou a ser conhecido pelo nome de religião. Na realidade ficaram intactos o bilhete de identidade, o passaporte e outros documentos com o nome do registo civil. Assim, enquanto o tribunal angolano determinava o mandado de captura sobre o bispo Francisco da Mata Mourisca que, na ocasião, estava em Portugal, este, nos idos de 1975, ao regressar a Angola, utilizou o passaporte em que estava registado o seu nome civil. Nenhum polícia o controlou no Aeroporto 4 de Fevereiro, em Luanda. O bispo escapou incólume às masmorras de Agostinho Neto.
Outro episódio ainda revela o mal-estar do bispo missionário com o Governo da antiga colónia portuguesa. Por ordem pessoal do governador de Uíge (e não do governo central) o bispo Mata Mourisca e diversos missionários da sua diocese foram transportados num camião de caixa aberta, para Luanda, sendo apresentados, nas localidades por onde passavam, como “traidores da pátria”.
Primeiro bispo de Carmona e São Salvador do Congo
Em 14 de Março de 1967, aos 39 anos, Mata Mourisca foi feito primeiro bispo de Carmona e São Salvador, no norte de Angola. Foi um dos mais jovens bispos portugueses de sempre. A independência de Angola, em 1975, trouxe outro nome para a designação da diocese: Uíge, território conhecido pela abundância de cobre e café, onde D. Francisco esteve mais de meio século (55 anos), ao serviço da Igreja local e onde permaneceu como “eterno” secretário da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé), tendo sido autor de muitos documentos episcopais e de diversos livros.
Das entrevistas que lhe fiz, conheci a sua intransigência e amplitude de conhecimentos que guardava das múltiplas experiências humanas vividas em várias frentes de serviço à missão de evangelização bíblica.
Esteve até ao fim da vida no campo da pastoral missionária que amou com disponibilidade verdadeiramente franciscana.
Foi aceite de modo popular em tempo colonial e de independência.
Vai deixar os seus restos mortais no interior da catedral de Uíge que guardou, de modo especial, a alma da diocese, implantada em terras do velho Congo português.