
“D. Pedro pertencia-nos, desde que viveu connosco, mais de meio ano… Foi um tempo de bênçãos.” Foto: Direitos resrevados.
A notícia chegou-me pela calada da noite: D. Pedro morreu. Por uns segundos emudeci. O fator surpresa criou-me um nó na garganta. A negritude que se apoderou da minha alma tornou-se mais intensa que aquela que tinha já descido sobre a terra. A tristeza tomou posse da minha família. D. Pedro pertencia-nos, desde que viveu connosco, mais de meio ano, para recuperar de um problema de saúde. Foi um tempo de bênçãos.
A sua relação de grande proximidade permitia ver a sua presença como mais um elemento da família e não um hóspede, porque não o era; a simplicidade no trato e nas conversas (gostava de falar de futebol) encantavam os nossos filhos; as celebrações da eucaristia e do rosário, em casa, permitia sentirmo-nos, como nunca antes, verdadeira “Igreja doméstica”.
A alegria foi reforçada com a sua presença pois, apesar dos incómodos gerados pela doença que estava a curar, nunca deixou de nos contagiar com a sua boa disposição. Sempre que vinha a Portugal, se por razões de serviço, não poderia ficar todo o tempo em nossa casa, não regressava a Bafatá sem estar connosco alguns dias. Aos domingos celebrava sempre numa das igrejas da cidade de Setúbal.
Conheci-o logo no início da minha missão na Cáritas Portuguesa. Convidei os dois bispos guineenses a visitarem-nos para vermos como fortificar os laços entre as Cáritas dos dois países, no âmbito do Fórum das Cáritas Lusófonas, criado no ano 2000. Vieram D. Pedro Zilli, bispo de Bafatá e D. José Câmnate, bispo de Bissau. Fascinou-me também a personalidade discreta, mística e profundamente humana de D. José que, há pouco tempo, deixou o governo da diocese por motivos de saúde. Visitámos algumas Cáritas Diocesanas. Passámos juntos uma semana, tempo bastante para a criação de laços de empatia que nunca esfriaram.
A primeira missão de D. Pedro foi na Guiné-Bissau. Aí iniciou o exercício sacerdotal, em 1985, enviado pelo Pontifício Instituto das Missões Exteriores (PIME). Regressou ao Brasil, passados 13 anos, para se ocupar de atividades relacionadas com o seu instituto religioso. Em 2001, foi escolhido para bispo da nova Diocese de Bafatá.
A maioria dos habitantes de Bafatá pratica religiões tradicionais, 30% são muçulmanos e 10% cristãos, mas nem todos católicos. Passei uma semana com D. Pedro na sua diocese. Testemunhei a sua forte ligação com o povo, mesmo os que não eram seus diocesanos, assente num conhecimento muito próximo da vida concreta das famílias. Eram nítidas três opções pastorais: formação, cuidado com a qualidade de vida da sua gente e o diálogo permanente com os chefes locais de outras religiões. Assim, evangelizava.
Manifestava-me, por vezes, algum cansaço – muito mais físico – causado pelas exigências da missão, mas também por um clima muito adverso. Porém, nunca deixou transparecer qualquer tipo de desânimo. Isso evidenciava uma fé inabalável, um amor muito forte e uma esperança sempre renovada. Esta esperança tinha-a muito presente no futuro da Guiné-Bissau. Uma esperança de “olhos abertos”, não escamoteando as dificuldades infligidas ao pobre povo por políticos fundamentalistas e motivados pelo poder e não pela melhoria das condições de vida dos guineenses.
Para D. Pedro, a celebração da Páscoa antecipou-se. Impregnado na total certeza de que “sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1 João 3, 14), acredito que o meu amigo já ouviu o chamamento de Deus à Vida em plenitude: “Vem bendito de meu Pai…” (cfr. Mateus 25, 34).
Tínhamos acordado que, logo que terminassem os impedimentos à livre circulação impostos pela covid-19, a primeira saída de Bafatá seria para estar uns dias em nossa casa. A mesma covid roubou-nos essa possibilidade. Mas não nos impedirá, pela misericórdia de Deus, de nos voltarmos a encontrar numa “casa” mais segura que é o coração de Deus.
Até esse dia, D. Pedro!
Eugénio Fonseca é presidente da Confederação de Voluntariado