
Alegoria da Revolução Liberal do Porto (1820): a Liberdade esmaga sob seus pés a tirania e soldados e a população carregam bandeiras pedindo “Constituição”. Imagem reproduzida do site da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
O último volume da coleção de Estudos de História Religiosa do UCP-CEHR reúne textos resultantes das comunicações proferidas no ciclo de 2020 do Seminário de História Religiosa, no Porto, cuja temática geral correspondeu precisamente ao título deste livro: Da Igreja do Antigo Regime à Igreja na época liberal: A propósito do duplo centenário da Revolução Liberal de 1820, numa dinâmica levada a cabo sob a coordenação de Adélio Fernando Abreu, Luís Carlos Amaral, Luís Leal e Francesco Renzi, em articulação com o Gabinete D. Armindo Lopes Coelho, contando com a parceria do Cabido Portucalense.
O Seminário de História Religiosa, no Porto, com ciclos anuais regulares desde 2012, tem-se dedicado a uma variedade substancial de temas e respondeu, no ciclo de 2020 – e no contexto das comemorações do duplo centenário da Revolução Liberal em Portugal – ao apelo a uma revisitação das problemáticas que aquele aniversário proporcionou, procurando focar-se no impacto do liberalismo, nas suas variadas vertentes, no âmbito e complexidade das dinâmicas católicas.
Esta iniciativa, como várias outras do CEHR-UCP, não se inscreve tanto numa dinâmica estritamente comemoracionista, quanto na resposta ao estímulo suscitado à reflexão historiográfica pela evocação daqueles acontecimentos da história de Portugal. Exemplo disso são também os trabalhos ali levados a cabo: por ocasião do centenário da I República e da Lei da Separação – com a organização, em 2011, do Congresso Internacional sobre «Religião, Sociedade e Estado: 100 de Separação» e posterior publicação das Atas em dois volumes; o ciclo do Seminário de História Religiosa Contemporânea, em Lisboa, organizado, em 2021, a propósito do bicentenário da extinção da Inquisição, sob a temática «O século XIX português e o fim da Inquisição: nos 200 anos da abolição do Santo Ofício»; e o cinquentenário da revolução de 1974, com um projeto em curso sobre a problemática do «25 de Abril: permanências, ruturas e recomposições», procurando fazer um balanço historiográfico sobre o que se conhece e o que está por conhecer 50 anos depois, conforme já se noticiou no 7MARGENS.
Nestas temáticas e naquelas contextualizações amplas, o objetivo da rede de investigadores do CEHR-UCP tem sido analisar, de forma mais específica, as questões em torno das práticas religiosas, das convicções dos diferentes agentes do religioso e dos vários patamares institucionais, motivando novos questionamentos e elaborando sínteses úteis e esclarecedoras. Em todos estes casos, as datas redondas foram mote para um debate e reflexão historiográficos, conforme se demonstra no volume sobre o qual hoje aqui se escreve.
Salientemos a variedade e qualidade dos contributos de Ana Sofia Mesquita, José Luís Pombal, Carlos A. Moreira de Azevedo, Hugo Ferreira, Adélio Fernando Abreu e Pedro Vilas Boas Tavares, com formações e contributos na área da História, da Teologia, do Turismo, do Património e da Cultura Portuguesa. Unindo-os o itinerário «Da Igreja do Antigo Regime à Igreja na Época Liberal», os autores dedicam-se a casos concretos, refletindo na sua investigação sobre a reação e receção dos ideais liberais e sobre as consequências da implementação dos mesmos no percurso das diferentes instâncias institucionais e de vários interlocutores no campo do religioso.
Existe, de facto, ao longo destas duzentas páginas a noção de um entendimento abrangente do liberalismo: um conceito e um acontecimento que envolvem motivações de natureza social, económica e política, ao mesmo tempo que dinamizam novas conceções sobre o viver em sociedade, destacando-se aqui o lugar da liberdade individual e do sentido da cidadania como pertença. Daí se justifica que se possam trabalhar nestes textos problemáticas tão diversas como a extinção das ordens religiosas, o património, os seminários, os bispos, candidatos a bispos e as nomeações episcopais, a reforma do clero, as noções de espiritualidade e de regeneração, o problema da morte e das práticas de enterro, a conceção de regalismo, o papel da Maçonaria ou a discussão sobre a liberdade de opinião e de imprensa. Temáticas evocadas a partir de uma comunidade beneditina na freguesia de Travanca, do Seminário de Bragança, do cemitério de Vale de Cambra, da diocese do Porto ou, enfim, da Santa Sé.
No seu longo itinerário, o liberalismo nunca correspondeu na verdade a uma realidade uniforme nem estanque, antes produzindo uma imagética e um ideário com uma amplitude diversificada de realizações. Isso fica também evidenciado na inter-relação com o religioso, onde coexistiram necessariamente dinâmicas de disputa e de aproximação, de concorrência e de cooperação, o que fica demonstrado de modo esclarecedor no presente volume.
Da Igreja do Antigo Regime à Igreja na época liberal: A propósito do duplo centenário da Revolução Liberal de 1820
Coordenação: Adélio Fernando Abreu e Luís Carlos Amaral
Edição: UCP-CEHR, 2022, 215 páginas.