Reportagem

Da prisão para a JMJ, ou como a fé transformou a vida de Pedro

| 28 Jun 2023

Pedro Silva, recluso do EP Coimbra, no confessionário da JMJ que ajudou a construir. Foto © Clara Raimundo.

Pedro Silva, num dos confessionários que ajudou a construir ao longo dos últimos meses em que cumpriu pena no Estabelecimento Prisional de Coimbra.  Foto © Clara Raimundo/7MARGENS.

 

As coisas demoram o seu tempo. E Pedro Silva precisou de chegar aos 50 anos, celebrados numa cela do Estabelecimento Prisional de Coimbra, para olhar para trás e compreender os “sinais” que foi recebendo ao longo do caminho. “Percebi que Deus esteve sempre comigo, Ele não desiste de nós, por isso não podemos perder a esperança”, diz, com o sorriso de quem acabou de cumprir uma missão e acredita que está prestes a iniciar uma nova vida.  A poucos dias de sair em liberdade, após seis anos detido por tráfico de estupefacientes, Pedro fez questão de dar os últimos retoques nos 50 confessionários que, juntamente com outros quatro reclusos, construiu para serem usados durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que decorre em Lisboa, entre 1 e 6 de Agosto, e que contará com a presença do Papa Francisco a partir de dia 2. E foi ainda na prisão que contou ao 7MARGENS qual será uma das suas primeiras missões nesta nova vida que pretende agora começar: ser voluntário da JMJ e ajudar a montá-los no Parque do Perdão, em Belém.

Ao todo, foram 150 os confessionários construídos em três estabelecimentos prisionais portugueses (Coimbra, Paços de Ferreira e Porto), na sequência de um protocolo assinado entre a Fundação JMJ Lisboa 2023 e a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), com o objetivo de valorizar as competências profissionais dos reclusos e contribuir para a sua reintegração na sociedade. Ao saber da intenção de Pedro, o Comité Organizador Local (COL) da JMJ rejubilou. “Estamos muito interessados em corresponder à vontade dele e faremos todas as diligências para que possa participar na montagem dos confessionários”, assegurou a porta-voz da Fundação JMJ Lisboa 2023, Rosa Pedroso Lima.

As diferentes peças que compõem a estrutura de cada confessionário, juntamente com os bancos que serão colocados no seu interior, estão já embaladas e empilhadas, prontas a rumar diretamente para Belém, onde o Parque do Perdão irá funcionar de 1 a 4 de agosto, entre as 10 e as 18 horas. Durante esse período, distribuídos pelos confessionários, estarão padres de diferentes nacionalidades (e, na manhã de dia 4, estará também o próprio Papa), disponíveis para escutar os peregrinos vindos de todo o mundo que desejem receber o sacramento da reconciliação.

Os bancos dos confessionários prontos e embalados, no átrio da oficina do EP Coimbra. Foto © Clara Raimundo.

Os bancos dos confessionários prontos e embalados, no átrio da oficina do Estabelecimento Prisional de Coimbra. Foto © Clara Raimundo/7MARGENS.

 

Coincidência ou não, foi precisamente em Belém, na igreja do Mosteiro dos Jerónimos, que Pedro Silva recebeu o batismo, aos 12 anos. Nem ele nem os seus 12 irmãos tinham sido batizados em bebés e nunca frequentaram a catequese. No meio de uma infância complicada, com os pais ausentes e aos cuidados de uma avó, Pedro lembra-se bem do dia em que a sua professora de Educação Moral e Religiosa Católica lançou na sala de aula a pergunta: “Quem é que aqui ainda não foi batizado?” Pedro foi o único a pôr o braço no ar e, nesse dia, chegou a casa a pedir para ser. A avó, reticente, não fazia ideia de quem convidar para padrinhos. “Eu era uma criança problemática e ela achava que ninguém ia querer, mas sugeri que fosse a minha professora primária e lá fomos falar com ela, que aceitou de bom grado… Acabei por manter contacto com ela ao longo da minha vida, até ter vindo para a prisão”, recorda com carinho.

Apesar de ter sido batizado, Pedro não continuou ligado à Igreja. Já adulto, viveu alguns anos na Argentina e aí experimentou um momento que também não esquece: “Fui à catedral com a minha irmã, que morava em Buenos Aires, e com a família do marido dela, e assistimos à missa.” O celebrante era, nada mais nada menos, do que o então cardeal Jorge Bergoglio. “Ou seja, tive o privilégio de estar com o Papa! E desde aí fiquei logo a gostar muito dele”, recorda.

 

A catequese tardia e uma oportunidade no momento certo

O recluso Pedro Silva dá os últimos retoques na pintura de um confessionário. Foto © Clara Raimundo.

O recluso Pedro Silva dá os últimos retoques na pintura de um confessionário. “Como temos na equipa um colega que é mesmo carpinteiro, até melhorámos o que tinha sido projetado”, sublinha. Foto © Clara Raimundo/7MARGENS.

 

Anos mais tarde, a viver com outra irmã em Alicante (Espanha), Pedro estava a passar por “uma fase particularmente difícil” e, desesperado, decidiu rezar. “Ia na rua e pedi a Deus que me ajudasse, que me desse um sinal. No momento a seguir, olho para o chão e vejo uma revista dobrada. Abro e era a Despertai!, das Testemunhas de Jeová. Então olhei para o céu e disse a Deus: ‘O quê? Assim tão rápido?'”. Pedro solta uma gargalhada enquanto partilha a sua história e recorda com saudade os tempos que se seguiram, em que teve a catequese que lhe faltara na infância. “Fui até à rua onde alguns membros das Testemunhas de Jeová costumavam estar e falei com eles. A partir daí, todas as semanas iam duas vezes lá a casa ensinar-me sobre a Bíblia. Foi aí que aprofundei a minha relação com Deus.”

Confessionário da JMJ construído no Estabelecimento Prisional de Coimbra. Foto Clara Raimundo

Feitos a partir de madeiras recicladas, os confessionários têm uma estrutura simples, que Pedro Silva, já habituado a fazer peças mais complexas na carpintaria da prisão, considerou fácil de executar. Foto © Clara Raimundo/7MARGENS.

Mas, quando se mudou para Vigo para trabalhar num restaurante, “não tinha tempo para nada”, e a ligação à religião perdeu-se. Uma nova fase complicada e alguns erros cometidos acabariam por trazê-lo de volta a Portugal, condenado a uma pena de seis anos no Estabelecimento Prisional de Coimbra. Foi ali que soube que a Jornada Mundial da Juventude seria em Lisboa, ainda longe de imaginar que poderia voltar a ver o Papa de que tanto gostava. Mas quando o desafio dos confessionários chegou e ele foi um dos cinco escolhidos para integrar a equipa que iria construí-los, Pedro sentiu que era mais um sinal de Deus, e uma nova oportunidade que surgia quando mais precisava dela.

“Fiquei muito feliz e agradecido, e é um orgulho saber que naqueles confessionários está uma parte de mim e dos meus companheiros”, afirma. Além disso, reconhece Pedro, o facto de este ser um trabalho mais bem pago do que o habitual na prisão, foi uma motivação extra. “Quando soube que íamos receber dez euros por dia, pensei logo que seria uma boa ajuda para, quando saísse em liberdade, não estar tão dependente dos meus familiares”, explica.

Feitos a partir de madeiras recicladas, fornecidas pela Fundação JMJ Lisboa 2023, os confessionários têm uma estrutura simples, que Pedro Silva, já habituado a fazer peças mais complexas na carpintaria da prisão, considerou fácil de executar. “E como temos na equipa um colega que é mesmo carpinteiro, até melhorámos o que tinha sido projetado”, sublinha com orgulho, enquanto mostra um dos confessionários já concluídos e montado na oficina, para poder ser fotografado.

 

 

Uma participação ainda mais ativa dos presos na JMJ?

Entrada do Estabelecimento Prisional de Coimbra. Foto © Clara Raimundo.

Entrada do Estabelecimento Prisional de Coimbra, cujo setor oficinal conta com 13 áreas distintas, incluindo marcenaria e carpintaria. Foto © Clara Raimundo/7MARGENS.

 

Orgulhoso está também Orlando Carvalho, que há dez anos dirige o Estabelecimento Prisional de Coimbra. “Faz parte da tradição deste estabelecimento o funcionamento do setor oficinal, com 13 áreas distintas, incluindo marcenaria e carpintaria, pelo que dissemos logo que sim quando nos perguntaram se gostaríamos de participar na construção dos confessionários”, assinala.

Orlando Carvalho, que já esteve à frente dos estabelecimentos prisionais de Aveiro e de Alcoentre, confirma que projetos como este “podem ser transformadores e fazer a diferença na vida dos reclusos, porque além da componente prática e operativa do trabalho, têm uma dimensão e projeção que outros trabalhos não têm”. No caso deste projeto em concreto, “além de ser mais bem remunerado do que o habitual, tem uma grande visibilidade pública”, o que lhes dá uma capacitação “que pode ser muito positiva”, explica. O caso do Pedro é a prova disso mesmo.

Para o atual diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra, “fazem muita falta mais projetos assim, que proporcionem aos reclusos experiências positivas e estruturantes e potenciem a sua reintegração social”. Até porque “a sociedade ainda não percebeu que, em vez de afastar estas pessoas ou condená-las ao esquecimento, o que precisa é de dar-lhes projetos que lhes acrescentem valor quer do ponto de vista material, quer do ponto de vista emocional”, como acontece com a construção dos confessionários para a Jornada Mundial da Juventude.

“Infelizmente, a visão do Papa Francisco sobre as prisões e os reclusos não é propriamente a dominante…”, lamenta Orlando Carvalho, que tem acompanhado o esforço de Francisco de aproximação a esta “periferia existencial”, e vai mais longe ao defender que, não só Pedro Silva, mas também outros reclusos (que continuam detidos) deveriam poder participar mais diretamente na JMJ.

Papa Francisco beija os pés a reclusos na prisão Regina Coeli, em Roma, a 29 de março de 2018. Foto © Vatican Media

O Papa beija os pés a reclusos na prisão Regina Coeli, em Roma, a 29 de março de 2018. “Infelizmente, a visão do Papa Francisco sobre as prisões e os reclusos não é propriamente a dominante…”, lamenta o diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra. Foto © Vatican Media.

 

“Penso que faria todo o sentido os presos terem uma participação ainda mais ativa, poderem estar presentes em algum momento da Jornada e terem contacto com o Papa”, afirma, em jeito de desafio. “Agora, cabe à Igreja e à Direção-Geral encontrarem o enquadramento ideal para que isso aconteça. Da nossa parte, isso não seria um problema”, garante. “Há formas de o fazer. Não poderiam ir todos os 560 reclusos do nosso estabelecimento, mas o facto de irem alguns seria do ponto de vista simbólico um momento importante.”

Isso, sim, “seria um sinal”. Não apenas para o Pedro, mas “para todos”.

 

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