Prepara-se um “retiro ecológico” e multiplicam-se as medidas para redução de desperdícios e de consumos ou criam-se hortas para consumo próprio. Estas são algumas das iniciativas já postas em prática em várias instituições católicas portuguesas, tentando corresponder aos apelos e sugestões feitos pelo Papa Francisco na encíclica Laudato Si’.

Casa da Torre (Soutelo, Braga), dos jesuítas: um retiro ecológico para “aprofundar um estilo de vida mais simples e de maior partilha” está em preparação. Foto © Companhia de Jesus.
Um retiro ecológico? “Partindo dos princípios da encíclica Laudato Si’, vamos procurar ajudar as pessoas a aprofundar um estilo de vida mais simples, de maior partilha entre todos, como nos pede a encíclica.” A ideia é, para já, só isso, mas ela deverá ser concretizada no próximo ano lectivo e pastoral, no calendário das iniciativas da Companhia de Jesus à volta da encíclica do Papa sobre o cuidado da casa comum.
Esta é uma das sugestões referidas nas respostas dadas por 17 dioceses e 15 instituições católicas ao inquérito feito pelo 7MARGENS e revista Família Cristã sobre a aplicação da encíclica em Portugal – e cuja elaboração inicial teve a colaboração da rede Cuidar da Casa Comum.
Há mais, entre as iniciativas que essas estruturas já colocam em prática, em Portugal, como forma de dar corpo às sugestões da encíclica do Papa.
Do rol de ideias ou práticas, além dos debates e conferências enunciados em vários âmbitos, registam-se aulas ao ar livre como forma de contornar a pandemia e falar sobre ecologia e sustentabilidade; homilias que tratam os temas do cuidado da casa comum; medidas para reduzir consumos e desperdícios; criação de grupos de boas práticas ecológicas; um plano “lixo zero”; um gabinete de responsabilidade social; a inclusão dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU nas metas ecológicas propostas na encíclica Laudato Si’, publicada há seis anos pelo Papa Francisco; ou ainda debates e exposições sobre sustentabilidade, ecologia e cuidado com a criação.
De acordo com o levantamento feito, cujos resultados principais publicámos há duas semanas, metade das dioceses portuguesas não incluem ainda os temas da Laudato Si’ no currículo de formação dos futuros padres na sua diocese nem nas catequeses, planos pastorais ou outros momentos formativos; e nenhuma das dioceses tem definidas as metas ecológicas propostas pela encíclica.
Se essas conclusões descrevem o que ainda falta fazer, vale a pena referir também algumas das iniciativas já postas em marcha em várias instituições. Ao nível das metas ecológicas, as mais frequentes têm a ver com as medidas para redução de desperdícios e de consumos (água, energia, em vários casos com o uso de energia solar), bem como do reaproveitamento de águas ou de criação de hortas para o consumo próprio de comunidades religiosas. É o caso, entre outras, das Religiosas do Sagrado Coração de Maria, de escolas das Irmãs Doroteias, do Santuário de Fátima, de várias comunidades dos jesuítas e das escolas dos maristas.
“Temos definidas várias metas que se traduzem em objectivos claros de redução de gastos energéticos, hídricos e desperdícios alimentares”, diz, na resposta, Marisa Temporão, coordenadora de pastoral nas escolas maristas. “Foi elaborado, em 2020, um documento base sobre como despertar e desenvolver a nossa consciência eco-social, a partir de uma perspectiva integradora e cristã, que promova a solidariedade, o consumo responsável e a sustentabilidade.”
Integrar metas da ONU

A diocese de Viana do Castelo criou uma Comissão Laudato Si’ (a única até ao momento, entre as 21 dioceses portuguesas); as comunidades das Servas de Nossa Senhora de Fátima elaboraram um compromisso de conversão ecológica – durante um ano, cada casa estudou e debateu o que podia mudar em questões como o consumo de água e luz, no uso de transportes ou na gestão dos resíduos; no final, a congregação elaborou um compromisso.
Na Universidade Católica Portuguesa (UCP), pretende-se pôr em prática, até 2021, um sistema de gestão ambiental, e integrar progressivamente os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda 2030 da ONU em seminários sobre ecologia integral e sobre doutrina social da Igreja. Nos campi universitários de Lisboa, Porto, Braga e Viseu, “já existem ou serão criados grupos de trabalho para aprofundar os temas da sustentabilidade nos planos de estudos dos diversos cursos, com aplicações às regiões em que a UCP se insere”, acrescenta Rita Paiva e Pona, responsável do Gabinete de Responsabilidade Social da universidade.
O inquérito, considerado como “pioneiro” por um responsável do Vaticano, foi respondido por 17 das 21 dioceses (só Angra, Aveiro, Lisboa e Setúbal ficaram de fora); nas outras 15 instituições, a resposta dos jesuítas reúne os dados de 20 comunidades e obras diferentes e as irmãs doroteias enviaram cinco respostas de outras tantas escolas da congregação. O que significa que a essas 15 instituições correspondem 38 respostas. Somando às 17 dioceses que preencheram o inquérito, este obteve 55 respostas.
Tendo isso em conta é natural que venha dos jesuítas uma boa parte das ideias aqui referidas, quer no âmbito das metas ecológicas, quer relativamente à inclusão dos temas da Laudato Si’ na formação ou programas pastorais. Na Companhia de Jesus (as 20 respostas correspondem a quatro comunidades e 16 instituições ou obras da ordem), referem-se celebrações litúrgicas, homilias e temas de oração sobre a ecologia integral e a Laudato Si’, dias comunitários (um por trimestre) de oração e trabalho numa quinta, a criação de um grupo de partilha de boas práticas ecológicas, o estabelecimento de um Plano Lixo Zero (Fundação Gonçalo da Silveira) ou a realização de vários debates e exposições (revista Brotéria, por exemplo). São citadas ainda aulas ao ar livre ou a utilização de recursos pedagógicos sobre os sete temas da Laudato Sí’ (escutar o clamor da terra, escutar o clamor dos pobres, economia ecológica, educação ecológica, estilo de vida simples, espiritualidade ecológica e envolvimento comunitário e acção participativa).
A UCP, uma das instituições que também enumera várias actividades, aproveitou o último ano lectivo – entre Maio de 2020 e Maio de 2021, proclamado pelo Papa Francisco como Ano Laudato Si’ – para promover iniciativas mensais, por vezes em parceria com instituições como a Caritas Internationalis, Cáritas Portuguesa, Rede Cuidar da Casa Comum, Associação Casa Velha ou Centro de Reflexão Cristã. Foram mobilizadas 1200 pessoas, diz Rita Paiva e Pona.
Na formação académica, alguns temas da encíclica são desenvolvidos nos cursos de Ciências Religiosas e Teologia (licenciatura e mestrado integrado), bem como na formação contínua de professores de Educação Moral e Religiosa Católica.
Raízes bíblicas da ecologia e estilo de vida simples

Ainda no campo da formação, a congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima propõe itinerários específicos durante o tempo de noviciado e na formação permanente.
Especificamente voltadas para a aprendizagem de um estilo de vida simples, uma das propostas feitas pelo Papa na encíclica, o Centro Marista de Vouzela propôs oficinas sobre as raízes bíblicas da ecologia. O Corpo Nacional de Escutas (CNE) tem desenvolvido “iniciativas de formação para um estilo de vida mais sustentável e de diminuição da pegada ecológica” – incluindo a elaboração de uma lista de sugestões para “um acampamento mais sustentável”. Na UCP, vários debates trataram aspectos ligados ao tema, incluindo um sobre a economia popular solidária. E, entre os jesuítas, há comunidades a aprender técnicas de vida no campo, enquanto a Fundação Gonçalo da Silveira tem ensinado alunos de várias escolas a criar “sementecas”, a comer saudável ou a evitar o sobre-endividamento.
Na área da formação, mas relativa a catequeses ou planos pastorais, as Religiosas do Coração de Maria incluíram “compromissos ecológicos” em projectos educativos ou em planos de actividades. Os Maristas criaram um encontro de catequese sobre a encíclica, as Servas de Nossa Senhora de Fátima promoveram uma jornada de formação para superioras e a diocese de Évora elaborou conteúdos de formação para a catequese de adultos.
Também a possibilidade de encontros ou colaboração com movimentos ambientalistas acerca dos temas da Laudato Si’, bem como a mobilização dos crentes para iniciativas da sociedade civil fora dos tradicionais espaços de decisão política ou religiosa, surgem da encíclica. Acções comunitárias em favor do bem comum ou da defesa dos mais pobres, por exemplo, podem tornar-se “experiências espirituais intensas”, escreve o Papa no nº 232 da Laudato Si’.
Neste campo, os jesuítas promoveram sessões de sensibilização para jovens com a participação de activistas da Greve Climática Estudantil, bem como um encontro com a Associação Zero, além de colaborarem com a Casa Velha e, no caso da comunidade da Brotéria, com a Associação de Moradores do Bairro Alto, em Lisboa. Estiveram também envolvidos numa campanha de limpeza das praias e na criação da Carta Aberta sobre o Direito ao Lugar.
Várias iniciativas de incidência política no âmbito de questões humanitárias como o conflito em Cabo Delgado tiveram também o empenhamento de grupos ou comunidades jesuítas.
Na diocese de Vila Real, os antigos escuteiros da Fraternidade Nun’Álvares encontraram-se com responsáveis do Parque Natural do Alvão, enquanto a diocese da Guarda tem promovido a participação em encontros sobre tradições locais, promovidos pela câmara municipal ou associações da região. Um debate público sobre a Laudato Si’, no âmbito do festival Eco-cine regularmente realizado em Seia, foi organizado pela diocese. Os maristas aderiram à Rede Cuidar da Casa Comum e participam no projecto eco-escolas.
O CNE, finalmente, tem tido presença ou está representado em fóruns e organismos da sociedade civil em que se debatem estratégias e prioridades ambientais ou políticas de juventude, como sejam o Conselho Nacional de Juventude e a Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente.