Um grupo de católicos – a que se juntou um representante da Comunidade Islâmica – ofereceu a cada um dos 230 deputados portugueses um exemplar da encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti, sobre a fraternidade e amizade social. Os deputados agradeceram o “texto luminoso”, os ofertantes quiseram, com o gesto, “contribuir para a dignificação da política”.

Teresa Vasconcelos, dirigindo-se aios deputados em nome do grupo que ofereceu o documento do Papa aos parlamentares. Foto © António Marujo
O agradecimento em nome dos deputados dos diferentes partidos coube a José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda: “Em nome destas 230 pessoas devemos uma palavra de agradecimento por nos trazerem palavras desafiantes, mais ainda num momento como este que o país e a humanidade vivem. Este é um texto luminoso.”
Referia-se José Pureza à encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, publicada em Outubro último, que um grupo de católicos (ao qual se juntou Khalid Jamal, da Comunidade Islâmica de Lisboa) decidiu oferecer a cada um dos parlamentares portugueses. O acto simbólico decorreu ao princípio da tarde desta quinta-feira, 7 de Janeiro, na entrada principal do Parlamento, tendo em conta as limitações provocadas pela pandemia.
A encíclica, acrescentou o também vice-presidente da Assembleia da República, trata os “parâmetros e fundamentos do que deve ser a acção política em geral”. E, para não usar palavras suas, Pureza recorreu a uma curta citação do parágrafo 180 do próprio texto do Papa: “Reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. Todo e qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade.”
A encíclica, disse ainda José Pureza, traduz essa “perspectiva da política como expressão mais exigente da fraternidade”. E foi nesse espírito, afirmou, que os deputados acolheram o gesto “muito interpelador” da oferta da encíclica, como “desafio” à capacidade dos políticos em fazerem melhor.
Do lado do grupo ofertante, Teresa Vasconcelos, professora que integra o movimento de mulheres católicas Graal, afirmou que o grupo representava “diferentes visões” dentro do catolicismo e mesmo fora dele – citando a participação de Khalid Jamal.
A decisão do grupo foi tomada na perspectiva de que a encíclica é um texto que se destina “a todos os homens e mulheres de boa vontade”, independentemente das suas convicções religiosas. Enquanto cidadãs e cidadãos, o grupo quis, com o gesto, “contribuir para a dignificação da política”. E dirigindo-se aos deputados directamente, disse: “Vocês são representantes da política no seu sentido mais digno. Acreditamos que quem nos representa está a trabalhar para uma sociedade mais fraterna, todos queremos criar um mundo melhor e mais justo.”
O muçulmano Khalid Jamal destacou também que se juntava à iniciativa “com imenso gosto”, até porque o Papa Francisco é também para os muçulmanos uma “referência como pessoa” e como um importante líder espiritual.
Numa nota entregue aos jornalistas, o grupo promotor da iniciativa sublinha que ela nasceu de um grupo informal de católicos, que apenas se representa a si mesmo. Inicialmente, foram mobilizadas dezenas de pessoas para ajudar a pagar os 339 exemplares do documento que foram comprados – o grupo aguarda ainda que o Governo também aceite receber a mesma oferta.
“Níveis intoleráveis de desigualdades”

Da esquerda para a direita (depois de um assessor do PSD), os deputados que receberam a encíclica: Lina Lopes (PSD), Mariana Silva (Os Verdes), Ana Catarina Mendes (PS), João Oliveira (PCP), Inês Sousa Real (PAN), José Manuel Pureza (Bloco de Esquerda) e Telmo Correia (CDS). Na ponta direita, o secretário-geral da Assembleia, Albino Azevedo Soares. Foto © António Marujo
“Assumimos este gesto convicto de cidadania e de intervenção política porque a encíclica ultrapassa amplamente as convicções religiosas de cada pessoa e desafia a ética pessoal, comunitária e global, bem como a liberdade de pensamento de cada cidadã ou cidadão”, justifica o grupo.
“Sublinhamos a particular importância da reflexão e das propostas do Papa Francisco contidas neste texto para uma sociedade como a portuguesa caracterizada por níveis intoleráveis de desigualdades de toda a espécie”, acresenta o texto. “A fragilidade dos mecanismos que nos demos em 45 anos de democracia para erradicar a pobreza, integrar e incluir todos os que vivemos neste país e desenvolver a igualdade de oportunidades para que ninguém fique para trás ou se sinta descartado tornou-se ainda mais nítida com a pandemia. Razão pela qual o convite à ação contido nesta Encíclica nos surge como de extrema urgência no nosso contexto”, razão que justifica a oferta da encíclica aos responsáveis políticos.
A receber o exemplar do documento do Papa, estavam representantes de praticamente todos os partidos: Lina Lopes (coordenadora do PSD na subcomissão da Igualdade), Mariana Silva (Partido Ecologista Os Verdes), José Manuel Pureza (Bloco de Esquerda) e os líderes parlamentares do PS (Ana Catarina Mendes), PCP (João Oliveira), PAN (Inês Sousa Real), e CDS (Telmo Correia), além do secretário-geral da Assembleia, Albino Azevedo Soares. Faltaram apenas ao convite a Iniciativa Liberal, o Chega e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacyne Katar Moreira.
Presentes no acto simbólico, além dos nomes já referidos, estiveram também Eugénio Fonseca, ex-presidente da Cáritas os antigos deputados José Ribeiro e Castro e António Pinheiro Torres, bem como Pedro Vaz Patto (presidente da Comissão Justiça e Paz) e Pedro Gil (porta-voz do Opus Dei).
O grupo que aderiu à iniciativa incluía ainda, entre outras pessoas, a escritora Alice Vieira, a reitora e dois professores da Universidade Católica, Manuela Ramalho Eanes, a antiga deputada Maria do Rosário Carneiro, os jornalistas Joaquim Franco e Jorge Wemans, e o professor universitário Manuel Pinto.