Um dos desafios do Sínodo católico actualmente em processo é o de “escutar os mais pobres”, onde se incluem as mulheres, diz a irmã Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo dos Bispos, em entrevista ao 7MARGENS, por ocasião da sua recente passagem por Lisboa.
A irmã Nathalie fez pós-graduação na Escola de Negócios de Paris, estudou filosofia e teologia no Centro Xavier (universidade jesuíta de Paris) e sociologia na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), também na capital francesa, especializando-se em Eclesiologia com uma pesquisa sobre sinodalidade na Escola Superior de Teologia e Ministério de Boston (EUA).
Desde 1995, integra o Instituto La Xavière – Missionários de Jesus Cristo. Teve responsabilidades na área do marketing e na formação de jovens: foi directora espiritual da Rede Inaciana da Juventude na França, coordenou o programa de escutismo para jovens em áreas urbanas pobres e multiculturais e dirigiu (2012-18) o Serviço Nacional para a Evangelização da Juventude e das Vocações na Conferência Episcopal Francesa.
Nesta entrevista, Nathalie Becquart diz ainda que o Sínodo que está em andamento pretende “escutar verdadeiramente o conjunto do povo de Deus”, com o “objectivo muito claro” da conversão sinodal da Igreja”. “Trata-se de reler o que já vivemos e discernir precisamente o que é preciso mudar.

Nathalie Becquart: “Para transmitir hoje a fé e para que a Igreja continue a proclamar o evangelho, não há outro modo que não o de ser uma Igreja sinodal.” Foto © António Marujo
7MARGENS – Em 2015, no discurso sobre os 50 anos do Sínodo, o Papa disse que não se deveria cair na tentação de repetir o que é indiscutível. Podemos perguntar para que serve um sínodo? E este sínodo, em concreto, para que serve?
NATHALIE BECQUART – Um sínodo é um processo de escuta e discernimento que deve aconselhar o Papa. Os sínodos foram criados, nesta nova forma de Sínodo dos Bispos, como um fruto do Concílio Vaticano II, em 1965: é um encontro de bispos que discerne sobre um tema e sobre o qual depois o Papa escreve orientações.
O Sínodo actual adopta uma nova fórmula, porque coloca o acento na primeira fase, que se vive actualmente, para escutar verdadeiramente o conjunto do povo de Deus. E este sínodo tem um objectivo muito claro, que é a conversão sinodal da Igreja. É um processo que deve ajudar-nos, em Igreja, a avançar para este estilo de Igreja que é a sinodalidade.
Este Sínodo é ao mesmo tempo o tema –“Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão” –, mas o objectivo é o processo que nos deve ajudar, através de uma maneira de nos escutarmos e discernir em conjunto, a fazer avançar a Igreja neste estilo sinodal.
7M – Quer dizer que se deve debater a sinodalidade, colocá-la em processo e ficar por aí ou também se deve dizer o que se quer da Igreja e o que se quer mudar na Igreja?
N.B. – A questão principal desta consulta é muito simples: como vivemos já a sinodalidade, este caminhar juntos, esta visão da Igreja? Todos nós, enquanto baptizados e povo de Deus, uma Igreja em que todos são chamados a ser sujeitos e actores, já vivemos isso nas paróquias, nas comunidades, nos movimentos? Como vivemos já este estilo sinodal, da participação, da corresponsabilidade, em vista da missão através de um dinamismo de comunhão?
Trata-se de reler o que já vivemos e discernir precisamente o que é preciso mudar. Por exemplo, se na minha paróquia não há conselho pastoral e o padre decide sozinho, talvez faça emergir que é preciso mudar isso.
7M – Há estratégias para esse caminho?
N.B. – Para declinar essa questão fundamental – como vivemos já esse caminho conjunto nesse espírito sinodal e a que etapa seguinte o Espírito nos convida para ir a uma “sinodalização” mais forte – há dez temas muito concretos que estão no documento preparatório, que são como dez maneiras mais concretas de olhar para a sinodalidade em acto. [Por exemplo:] com quem caminhamos verdadeiramente – não apenas na Igreja, mas com os outros? Como se vive a escuta na nossa Igreja: escutamos verdadeiramente os jovens, as mulheres, os mais pobres? Como tomamos as decisões e como são partilhadas as responsabilidades? Como dialogamos com as outras igrejas, uma vez que a dimensão ecuménica é também muito importante? Que vivemos nós na liturgia? Temos um estilo de participação activa do povo de Deus na liturgia ou não?
São estes temas práticos que somos convidados a discutir em conjunto e sobre os quais somos convidados a escutarmo-nos e a discernir muito concretamente, em cada lugar, o que é preciso mudar.
7M – Na primeira avaliação do caminho feito, verificava-se que uma boa parte do clero não está muito comprometida com o sínodo. O que se pode fazer?
N.B. – É verdade que essa verificação se vê um pouco por todo o lado – e não só na Europa. Por razões diversas: em muitos sítios, os padres estão submersos em muitas coisas a fazer, têm prioridades pastorais e vêem o sínodo como mais uma coisa… Também é verdade que este apelo a viver a sinodalidade é qualquer coisa de novo: no discurso de 2015, o Papa Francisco disse que a sinodalidade é o apelo de Deus para a Igreja de hoje, é a maneira de ser Igreja no mundo para o terceiro milénio, para que a Igreja seja fiel à sua missão.
Não se trata, por isso, da escolha pessoal de um padre ou de um bispo ou de muitos de nós. É porque essa foi discernida como a vontade de Deus. O sínodo já trouxe à luz o facto de que, para transmitir hoje a fé e para que a Igreja continue a proclamar o evangelho e a fé no mundo actual, não há outro modo que não o de ser uma Igreja sinodal: particularmente na Europa, em sociedades que se secularizam, se a missão da Igreja não for assumida por todos e não só pelo padre, não irá a lado nenhum.
O acontecimento mais importante desde o Concílio
7M – É também uma questão de identidade?
N.B. – Este sínodo é o acontecimento eclesial mais importante desde o [Concílio] Vaticano II. Não é sobre um tema como outros – tivemos o sínodo sobre a família, o sínodo sobre os jovens… –, é um sínodo sobre a identidade mais profunda da Igreja, que não o será sem redescobrir a natureza constitutiva da sinodalidade que faz parte de si própria, enquanto comunhão missionária.
A Igreja não será tal sem que todos sejam verdadeiramente discípulos missionários, usando a expressão do Papa Francisco. Por isso, o objectivo é reforçar a comunhão entre nós, em particular entre padres e leigos, vivendo verdadeiramente como Igreja que é uma comunidade a caminho – um povo de peregrinos missionários, que se deixa guiar pelo Espírito nos caminhos da história e do mundo tal como ele está hoje, com tudo o que conhecemos: crise, guerra, transformação social extremamente profunda…
Não podemos continuar a fazer pastoral como na Idade Média ou como no século XVIII. Trata-se de ser a mesma Igreja, mas num contexto diferente. E é isso que é preciso discernir, através do processo sinodal.
7M – O Sínodo deve ter como consequências também a mudança de formação do clero, a criação de novos ministérios ou mesmo o estatuto da instituição Sínodo?
N.B. – As coisas estão abertas. Estamos na fase de escuta, não podemos dizer o que sairá daqui. As pessoas vão discernir o que vai sobressair nas dioceses e das conferências episcopais e [no secretariado internacional] vamos receber todos esses frutos da consulta sinodal. Não podemos pronunciar-nos por antecipação.
Estamos num processo e este Sínodo vem depois de outros: o da família, que já colocou o acento sobre o discernimento e o estilo de acompanhamento; o Sínodo dos jovens, que colocou bem a questão da formação dos padres e que, em particular, fez a proposta de que hoje deveria haver mais formação conjunta de padres e leigos, para levar a cabo a missão.
Para ser uma Igreja sinodal que seja uma Igreja da escuta, onde todos aprendem mutuamente, deveríamos trabalhar mais em equipa – nomeadamente os padres, mas não só. Isso aprende-se. O que é preciso mudar na formação dos padres, para formar sobretudo pessoas neste estilo de liderança colaborativa, de trabalho em equipa, de serviço, de escuta? Isso aprende-se, também…
7M – Escreveu um texto em Março, a propósito do Dia Internacional da Mulher, sobre a escuta das mulheres. Como se podem escutar as mulheres, num tempo em que também elas abandonam a Igreja?
N.B. – As mulheres fazem parte do povo de Deus e em muitos âmbitos e em muitas igrejas, assembleias ou compromissos elas são maioritárias. Mas é preciso também tomar consciência de [que são] quem deixa a Igreja. Por exemplo nos Estados Unidos, os inquéritos mostram que há uma inversão e que, nas novas gerações, há mais rapazes que raparigas que praticam e permanecem na Igreja. É preciso interrogarmo-nos sobre isso.
A questão das mulheres é um sinal dos tempos e coloca-se repetidamente não só na Igreja, mas também na sociedade. Há uma nova ordem masculina-feminina na sociedade e isso toca também na Igreja.
Os dois últimos sínodos lançaram apelos muito fortes – não só de jovens e de mulheres, mas também de padres e bispos – que dizem que é preciso dar mais espaço de participação às mulheres e que elas devem estar mais implicadas nos processos de decisão na Igreja, que devem ser mais chamadas a responsabilidades. Isso está já a caminho e é um apelo muito forte partilhado nos documentos dos sínodos sobre os jovens e do Sínodo da Amazónia.
7M – O que falta mais?
N.B. – Na [exortação apostólica] Christus Vivit, está escrito, preto no branco, que a Igreja deve lutar contra todas as discriminações em relação às mulheres na sociedade e na Igreja. Agora, a questão é como o colocar em prática. Regressando ao exemplo do trabalho em equipa: como, no maior número de lugares incluímos as mulheres, como escutamos a sua experiência, o seu olhar. Não para dizer que é melhor que o dos homens; mas, se nos colocarmos à escuta de todos, devemos escutar as mulheres.

7M – Elas são ainda pouco escutadas?
N.B. – Um dos desafios deste sínodo é também o de escutar os mais pobres. Todos os dados mostram que, em todo o mundo – vemos o que se passa na Ucrânia – as primeiras vítimas das migrações, das guerras, das violências, são as mulheres. As primeiras vítimas do desemprego e da pobreza são as mulheres. Por isso, a Igreja, que tem na sua essência o procurar estar sempre junto dos mais pobres e escutá-los, e se as mulheres são as primeiras a ser afectadas, tem de as escutar.
Na missão da Igreja, devemos ter em conta que o papel dos homens e das mulheres mudou na sociedade e vai continuar a mudar: é um processo muito longo sair de uma mentalidade patriarcal e de dominação dos homens sobre as mulheres. Hoje há uma aspiração muito forte, em particular das novas gerações, para ser mais igual, no respeito mútuo e na reciprocidade. E vemos bem que é mais frutuoso trabalhar em conjunto, homens e mulheres.
É preciso encontrar esses caminhos novos, escutarmo-nos mutuamente e ter esta visão de corresponsabilidade. Em particular, no mundo complexo que temos hoje, precisamos da diversidade para tomar as decisões certas.
7M – Isso pode levar também ao debate sobre a ordenação de mulheres?
N.B. – O que é muito claro dos sínodos precedentes é que a Igreja é convidada a trabalhar sobre a questão dos ministérios, que não serão forçosamente ministérios ordenados: o facto de o Papa ter já aberto o ministério do leitorado e acolitado às mulheres, e depois também o de catequista – que são ministérios instituídos – é qualquer coisa de novo. Precisamos de criatividade nos ministérios. O Sínodo da Amazónia pediu claramente, no documento final, que se criasse um ministério de responsável das comunidades: muitas delas, na Amazónia, estão sob a responsabilidade de mulheres, o padre só lá vai uma ou duas vezes por ano.
O desafio, hoje, em primeiro lugar, não é o dos ministérios, mas como é que a Igreja se deve organizar e de que tipo de ministérios precisamos para a missão. Se olharmos para a história da Igreja, houve evoluções na sua organização ministerial. Por exemplo, o Vaticano II reinstituiu o ministério de diácono, mas [deixando às] conferências episcopais ou dioceses [a decisão] de o pôr em prática.
É preciso implicar os jovens
7M – A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) vai realizar-se em Portugal. A sua preparação deveria ser articulada com o processo do Sínodo, tendo em conta que pode ser uma forma de escutar os jovens?
N.B. – Sem dúvida, foi isso que recomendámos. O Sínodo sobre os jovens mostrou que a única maneira de ser Igreja com os jovens, de se aproximar dos jovens e de os evangelizar é de ter este estilo sinodal, quer dizer: que os jovens sejam actores, protagonistas. Não chega estar com os jovens para os evangelizar, são eles os primeiros actores da evangelização.
A minha experiência em França é que para preparar bem a JMJ e que os jovens participem, é preciso implicá-los e apoiarmo-nos em jovens líderes e trabalhar com eles em corresponsabilidade.
7M – É isso que eles pedem?
N.B. – Os jovens são motores de sinodalidade porque é isso que eles pedem à Igreja: querem o estilo de escuta mútua, de diálogo e espontaneamente preferem o trabalho em equipa. Por isso, é uma bela oportunidade, em particular para a Igreja em Portugal, poder articular os dois.
Vê-se, um pouco por todo o mundo, que os jovens são dos mais entusiastas deste processo sinodal. É um enorme desafio para Lisboa, organizar esta JMJ e não se pode fazer isso sem os jovens, seja no comité local ou nas dioceses.
O programa tem de ser feito com os jovens e não sem eles. São eles que serão os que melhor conhecem a sensibilidade, o modo de funcionamento da sua geração. A chave do êxito da JMJ é de os preparar através de um processo sinodal. Foi osso que verdadeiramente aprendi na pastoral dos jovens: em particular para organizar grandes encontros, é preciso ter um estilo sinodal.
7M – Falou dos pobres, também a propósito das mulheres. Na Europa, a Igreja fala para os pobres mas eles fazem pouco parte dela. E se pensarmos nas periferias existenciais – homossexuais, recasados, etc. – essas pessoas também não estão na Igreja. Como se devem escutar os mais pobres, os mais frágeis, os mais abandonados, os mais longe da Igreja, essas periferias existenciais?
N.B. – É um grande desafio escutá-los, desde logo através de organizações já presentes no terreno, por exemplo através da Cáritas. Implicando-os no processo sinodal, podemos escutá-los.
Em Portugal, também há uma boa rede de escolas católicas, uma universidade católica, com jovens ou famílias que não estão forçosamente todos os domingos nas paróquias. Como apoiar-se nessa rede? Há já movimentos ou grupos de pessoas que se encontram e que estejam, por exemplo, preocupadas com a homossexualidade? E é-lhes proposto que elas dêem o seu contributo?
Trata-se de se apoiar nas redes já existentes em ligação com essas periferias para lhes propor que recebam delas [contributos]. Muitas dessas pessoas fazem parte da Igreja. É também um modo de alargar a nossa visão, porque a Igreja sinodal é também a que dá espaço a todos os carismas e que se apoia nesses dois pilares co-essenciais: a dimensão hierárquica, a organização por território (paróquia, diocese, conferência episcopal) e a realidade dos carismas, movimentos e comunidades. Sei que em Portugal, por exemplo, o movimento católico escutista é muito forte. Será que toda essa realidade vai também contribuir com a sua voz, que será um meio de envolver muitos jovens?
O desafio é, quando se pensa a Igreja e a consulta sinodal, apoiarmo-nos nessa diversidade – incluindo os média católicos, que têm um papel a desempenhar.

7M – Nas informações do secretariado internacional, dá-se conta de uma grande diversidade de experiências que a dinâmica sinodal está a provocar em todo o mundo. Quer referir duas que a tenham tocado mais?
N.B. – Há muitas. Fiquei muito tocada com um relatório (e também ouvi directamente num webinar) sobre como envolver pessoas refugiadas, num dos maiores campos de refugiados em África, no Quénia. A partir de uma comunidade que vive no campo, em ligação também com o JRS, adaptou-se e propôs-se a consulta sinodal às pessoas refugiadas, incluindo a muçulmanos. Fiquei muito sensibilizada por este exemplo de se pôr verdadeiramente à escuta dessas pessoas.
Outro: o da consulta sinodal nas prisões, através das capelanias prisionais, que são também uma realidade. Ou da assistência espiritual nos hospitais ou nos lares de idosos…
7M – E o que se faz agora? Esperamos sentados dois anos para que o Papa escreva o documento final?
N.B. – Não… O objectivo deste sínodo é a conversão sinodal da Igreja, a esta maneira de viver a Igreja. É o trabalho de uma geração. Como se diz no último parágrafo do documento preparatório, o objectivo deste sínodo não é de produzir documentos, mas de fazer germinar sonhos, cicatrizar as feridas e voltar a dar esperança.
Deve ser um acontecimento de graça, uma experiência de renovação para um novo dinamismo missionário. E deve continuar-se, numa busca conjunta, a discernir como em cada diocese, cada movimento, cada comunidade, cada realidade eclesial – também em Portugal, em particular com este horizonte da JMJ – se pode prosseguir o caminho sinodal?
Não chega, como diz o Papa, fazer um sínodo. O que é preciso é tornar-se um sínodo: como continuo um caminho de conversão pessoal e comunitário, como me torno uma religiosa sinodal, um padre sinodal, um pai ou mãe, um leigo sinodal, um bispo sinodal – quer dizer, alguém com esse estilo de se pensar em interacção com os outros num “nós” eclesial; e a sinodalidade pretende reforçar esse “nós” e isso nunca está terminado.
7M – Mas não tendo o objectivo de produzir documentos, podemos esperar ainda documentos preparatórios?
N.B. – Claro. O Instrumentum Laboris será produzido a partir de todos os relatórios e servirá para a etapa continental: haverá delegados de todos os países. E é bom que a etapa continental seja preparada no âmbito local, para que aqueles que vão ao encontro continental se façam porta-vozes dos seus povos. Nestes dois anos, haverá uma ida e volta [permanente] entre o que se vive localmente e o que se produz no nível central.
7M – As sínteses diocesanas e nacionais devem ser conhecidas publicamente ou ficar reservadas?
N.B. – Esse deve ser um discernimento das igrejas locais, depende dos contextos. Hoje, em muitos países, há uma aspiração à transparência e sei que houve conferências episcopais que já decidiram publicar as sínteses. É muito importante também, uma vez que a síntese diocesana esteja concluída, ver como é ela partilhada, debatida e como irriga a continuação do caminho na diocese. O mesmo para a síntese nacional. É um discernimento nacional, mas pode ser importante, quando for possível, uma vez que isso resulta da escuta, poder partilhá-la com aqueles que contribuíram.
7M – A sinodalidade é o tema do pontificado do Papa Francisco?
N.B. – Sim, é verdade que é um dos temas maiores do Papa Francisco, porque ele foi eleito sobre um projecto de reforma da Igreja. Há uma ligação entre a sinodalidade e a reforma da Igreja, designada aliás como Ecclesia semper reformanda, Igreja chamada sem cessar a reformar-se. O discurso do 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, em 17 de Outubro de 2015, é um dos discursos-chave do Papa Francisco, que fez [dessa instituição] um instrumento maior da sua reforma. O Sínodo é como uma escola de sinodalidade e um instrumento para ajudar a Igreja a mudar e avançar.
Com o Papa Francisco, estamos sem dúvida numa nova etapa da recepção do Vaticano II, que coloca o acento sobre a sinodalidade, mas este – mesmo se o Papa Francisco fez dele um tema importante – não é um tema dele. É um fruto do Vaticano II e faz parte da natureza da Igreja desde as origens: a governação da Igreja nos primeiros séculos era colegial e sinodal. Depois, por razões várias, perdemos um pouco essa maneira de fazer através de concílios e sínodos e hoje estamos a redescobri-la como um fruto do Vaticano II.
7M – Podemos dizer então que é um fruto do Evangelho e da identidade evangélica?
N.B. – Claro. A sinodalidade está enraizada no mistério da Trindade e o primeiro modelo de sinodalidade é Jesus. Uma imagem para compreender o que é a sinodalidade e o estilo de uma Igreja sinodal é a de Jesus a caminhar com os discípulos de Emaús. Ele começa por ir ao encontro do ponto em que estão: escuta-os, em todos os seus sofrimentos, dificuldades e ilusões, depois explica-lhes as Escrituras, come com eles e envia-os em missão.
A sinodalidade funda-se no modo de ser de Deus, que se revela à humanidade como um Deus trinitário e que entra em diálogo com a humanidade. São raízes muito profundas, que temos de redescobrir para pôr em prática nas situações concretas do nosso mundo de hoje. É uma visão da Igreja encarnada, de uma Igreja em peregrinação na história, mas fundada sobre a Trindade.