Encontros de centenas com a missão de combater o estigma entre pessoas de contextos socioeconómicos, culturais e afetivos diferentes não acontecem todos os dias. Só por uma experiência comunitária verdadeira e significativa é que são possíveis.

Gambozinos. Foto: Direitos reservados.
Desde pequeno fui incentivado a participar em campos de férias de verão. Devo-o em especial à minha mãe que me fazia combater a insegurança e me convencia a entrar no comboio em Santa Apolónia para passar quinze dias das férias a acampar com outros quarenta da minha idade.
Mal sabia que, anos mais tarde, participando já como voluntário nos Gambozinos, ali conheceria a minha mulher, dali nasceria um importante grupo de amigos, coeso e verdadeiro e que, mesmo por causa desse voluntariado, viesse a apadrinhar uma criança. Nunca pensei que este envolvimento me marcasse tanto na forma como me relaciono com os outros, moldasse de forma significativa o meu olhar sobre a sociedade, sobre as oportunidades que a vida nos dá, e me permitisse ter consciência do país (e do mundo) diverso, criativo, colorido, justo e injusto, verdadeiro e fútil em que vivemos.
Desafiado a escrever sobre os Gambozinos ficaria contente se conseguisse inspirar os jovens a encontrarem um lugar na vida para experiências como esta e os pais a proporcionem aos filhos a participação em movimentos que permitam verdadeiros momentos de crescimento pessoal e comunitário. Por favor, desinvistam das consolas! Será necessário arriscar, desapegar, mas ponho as mãos no fogo: o resultado vai ser muito positivo.
Há 25 anos, pela mão de um grupo de jovens jesuítas, iniciaram-se as visitas e o acompanhamento a jovens de alguns bairros sociais, num trabalho pastoral informal. Em Peniche, em Braga e no Pragal era grande a falta de atenção aos tempos livres de crianças e jovens que se revelava também na carência de espaços de afeto e segurança. Com dedicação e com a criação dos primeiros laços com esses jovens e as suas famílias, começaram os primeiros campos de férias dos Gambozinos. A espiritualidade inaciana e os quatro pilares base – o contacto com a natureza, o autoconhecimento e o serviço, a vida de grupo e a amizade, a experiência de fé e de Deus – fazem nascer ainda hoje atividades que envolvem mais de 600 participantes, fruto da energia e do trabalho de centenas de animadores como eu.
Os Gambozinos começaram a ocupar um lugar maior na minha vida quando passei de participante a animador – nesta fase somos chamados a desenvolver o sentido de responsabilidade e a resiliência. A mim e aos amigos com quem cresci nos campos de verão foi-nos dada a liberdade, a confiança e o incentivo para continuarmos a construir este “laboratório” de relações saudáveis e significativas para a vida de cada um, um espaço sempre marcado por uma enorme criatividade. A verdadeira experiência de encontro com o outro, no seu todo, sem olhares julgadores ou preconceituosos, acontece a cada atividade através de muita dedicação e entrega, apostando no tempo e na perseverança para que se torne possível derrubar preconceitos.
As experiências intensas de partilha de vida, de momentos de livre diversão e de treino para respeitar o ritmo de cada um forma uma bomba de alegria interior que quebra barreiras e preconceitos do “este é rico e este é pobre”, do “eu não me dou com essa gente”, do “olhar de lado desconfiado”. E, note-se, a magia acontece tanto naqueles que tiveram mais como menos oportunidades na vida. São experiências que nos fazem sair da nossa “caixa” e levam ao encontro do que é diferente sem segundas intenções e, pouco a pouco, dão espaço à possibilidade de nos conhecermos melhor e reunir experiências muito úteis para os desafios da vida quotidiana, no trabalho ou na família.
O que aconteceu comigo, fruto do envolvimento com os Gambozinos, foram essencialmente muitos murros no estômago e no ego. Experiências que hoje, quando no dia-a-dia reclamo com a vida por isto ou por aquilo, me dão outras perspetivas. Fazem-me agradecer a vida e renovam a esperança de que, agindo com verdade, exercendo uma escuta ativa, se pode mudar o rumo do que é injusto e não une, do que não constrói.

Os Gambozinos têm hoje uma presença consolidada e distribuída por três núcleos – Norte (Braga-Porto), Oeste (Peniche-Lisboa) e Sul (Pragal-Lisboa). E para quem acha que os Gambozinos não existem, posso dizer que não é verdade… existem! Andam empenhados em construir uma sociedade responsável pelo meio ambiente, animada pela gratuidade do serviço aos outros, capaz de educar para a paz e para a construção de relações significativas de amizade e cuidado, de respeito e busca espiritual – de um Deus presente, animador e companheiro.
Pedro Lito é animador dos Gambozinos