Diários de quarentena (14): Tudo ao contrário? Em tempos de “des-samaritanização”

Tudo ao contrário ou os nossos reflexos?… (Aveiro 2010) Foto © António José Paulino
Em tempos de “des-samaritanização”
A ação social básica, própria das relações de família, vizinhança e amizade, tem sido bastante descurada: ao longo da história, relevaram-se mais as diferentes instituições que foram sendo criadas, seguindo-se-lhes a consagração e desenvolvimento do Estado social. Deste modo, o patamar básico da ação social foi menosprezado, a favor do intermédio, ou institucional, e do estatal.
O cristianismo, embora participando nesta evolução, consagrou desde o início a figura do “bom samaritano” (Lc 10, 25-37), como a grande inspiradora da ação social; este modelo foi assumido por inúmeras instituições, mas não evitou o menosprezo da ação “samaritana” básica junto de cada “próximo” necessitado. Por isso, neste período de pandemia mortal, os pobres e abandonados ficam ainda mais excluídos nas suas casas ou tugúrios.
Sabe-se que as religiões em geral, grupos de ação social, as conferências vicentinas, instituições particulares de solidariedade social, coletividades de cultura, recreio e desporto, alguns serviços públicos e outras entidades mantém intacta a chama de “estar junto” e “ir ao encontro” das pessoas necessitadas, onde quer que se encontrem. Sabe-se também que as próprias forças de segurança introduziram esta orientação na sua prática; e sabe-se, em especial, que inúmeras pessoas, individualmente ou em grupo, respondem aos imperativos do momento atual com as mais diversas iniciativas. Porém, falta a congregação e a generalização destes exemplos pioneiros… tal como também faltou nas grandes crises anteriores, que implicaram a intervenção do Fundo Monetário Internacional.
A Rede Social, criada em 1997 e regulada em 2006, pelo decreto-lei nº 115, de 14 de Junho, poderia funcionar como a grande congregadora e impulsionadora da ação social básica, articulando-a com a intermédia e a estatal. Não se justifica reativá-la agora, fortemente, em todo o país? – Em cada freguesia, pela respetiva “comissão social”, em cada concelho, pelo respetivo “conselho local de ação social”, e a nível nacional por um órgão coordenador e promotor de iniciativas e de soluções; tudo isto poderia funcionar no imediato sem grandes complicações nem despesas significativas.
Acácio F. Catarino é consultor social e ex-presidente da Cáritas Portuguesa
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