Difíceis atalhos

| 14 Abr 2022

“Compendious speculations concerning sacerdotal remission of sins. By Sam. Hill, M. A. Arch-Deacon and Canon Residentiary of wells” (1713). Reprodução © Hill, Samuel, Public domain, via Wikimedia Commons

Compendious speculations concerning sacerdotal remission of sins. By Sam. Hill, M. A. Arch-Deacon and Canon Residentiary of Wells” (1713). Reprodução © Hill, Samuel, Public domain, via Wikimedia Commons.

 

A terra prometida na sedução da liberdade, o encontro nas adversidades de um deserto e a luz de esperança nos socalcos da finitude. As narrativas judaico-cristãs da época revelam-nos a morte e a superação como experiências de passagem. O deserto destes textos lembra que todos os dias são experiência concreta e metáfora da própria existência. 

Nas controvérsias de um mestre bíblico e do seu seguimento, vislumbra-se também um amor ilógico na perspetiva humana. Há um absurdo a atormentar a razão. Um escândalo. Na “hora derradeira”, como diria Gil Vicente, a vítima clama pelo perdão do agressor. Não basta a lei dos homens. Há um novo entendimento para lá das nuvens, uma ética que relança a oportunidade, o kairos. “Um tempo sem tempo” no “amor nos arrasta”(1) pelas buscas de sentido.

Palavra gasta e incompreendida, tantas vezes manipulada e ofendida, na perspetiva cristã o perdão tem uma dinâmica pendular, é construtivo, corresponsabiliza. Só é, se e quando constrói. Parte sempre do lado mais frágil, que dá o primeiro passo, “setenta vezes sete” (Mt, 18, 21), se tiver de ser, mas só se concretiza na possibilidade de mudança. É o atalho para a concretização da paz. E a paz, na plenitude utópica ou na concretização pontual, é sempre o final de um percurso com difíceis atalhos de perdão.

À semelhança das narrativas destes dias, como atores principais ou secundários, injustos ou injustiçados, vivemos dia-a-dia com a hipocrisia e o cinismo, entre abraços de Judas e sorrisos de Pilatos, na família, entre amigos ou nas relações profissionais.

Na sabedoria popular, perdoar não é esquecer – não há como apagar da memória a traição e a agressão, quaisquer que sejam as circunstâncias – mas o desafio da proposta não é esquecer. Há um ponto de partida para um novo tempo relacional, o “tempo sem tempo” que é também o tempo de parar, escutar, entender e reparar. 

Este «ver» por «dentro» e a partir de «dentro», não é uma atitude exclusiva de um crente ou de um religioso. A ética da relação expande-se quando a consciência respira num pragmático exercício de ponderação e discernimento. Bloquear este caminho significará perpetuar a injustiça e ampliar a mágoa, até porque, num paradoxal pressuposto, o injustiçado lá estará, à espera.  

É difícil. “Não há percursos sem obstáculos, nem obstáculos sem uma passagem”. Há sempre uma Páscoa a fazer, “uma passagem num caminho sinuoso, um impulso no âmago da convicção” (2), a mexer nas entranhas do orgulho, insuportável. O perdão liberta, é maior do que a magnanimidade, não é condescendente.  

No último dilema da rutura, prevalecerá a teimosia paralisante do orgulho ou um sopro das intervenções altas, para quem nelas acredita.

(1) – Mário Cláudio, in Via Crucis, Hosp. S. João, 2008.
(2) – Joaquim Franco, O Inexplicável que inquieta, in Com Franqueza, Paulinas, 2015. 

Joaquim Franco é investigador em Ciência das Religiões e jornalista.

 

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