Direito à festa, direito à esperança

| 31 Jul 2023

Peregrinos do Sudão do Sul antes da missa de acolhimento aos peregrinos, na Ericeira. Foto © Rita Gusmão COP da Ericeira e Carvoeira

Peregrinos do Sudão do Sul antes da missa de acolhimento aos peregrinos, na Ericeira. Foto © Rita Gusmão COP da Ericeira e Carvoeira

 

Quatro anos e meio depois do anúncio oficial da sua realização em Lisboa (e com um adiamento por um ano, por causa da pandemia), aí está a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), com a festa, a cor, o ritmo, o encontro, a alegria e os sonhos das gerações mais novas – neste caso, daquelas que se identificam com o catolicismo.

Sofremos hoje as consequências de vários desastres colectivos: guerras, emergência climática, agravamento das desigualdades, ataques à democracia, aumento dos populismos xenófobos e racistas, … Por isso, a dimensão antropológica (incluindo o simbólico) da JMJ – traduzidas no encontro de culturas diferentes sob a universalidade da comunhão numa mesma fé e num mesmo ideal – ultrapassam em muito as fronteiras do catolicismo. Haver um acontecimento que propõe a pacificação e a comunhão nas diferenças, que sonha com um mundo mais justo e mais fraterno e que se junta à volta de um Papa que insiste na dignidade da pessoa e dos povos é, por si, algo de muito valioso e importante.

Todos sabemos das graves falhas de percurso: nos quatro anos de preparação, mesmo com uma pandemia, a hierarquia católica e a organização da JMJ foi incapaz de aprofundar o conhecimento da sociedade e da juventude portuguesa ou de lhes propor um projecto mobilizador que ultrapassasse as fronteiras da Igreja – tem-se insistido que o convite é para todos, mas esse convite foi muito pouco pró-activo; tão pouco houve uma proposta sólida de aprofundamento bíblico e sobre o pensamento social da Igreja (nomeadamente das encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti) que permitisse que os jovens católicos cresçam na convicção e nas “razões da sua esperança”, como refere a Carta de São Pedro; e quase não houve entrosamento com a reflexão sinodal que a Igreja Católica está a fazer ou com o processo de desocultação da tragédia dos abusos.

Por tudo isso, a JMJ quase se reduziu, nos últimos tempos, a polémicas estéreis e secundárias sobre custos, logística, organização e partilha de (ir)responsabilidades. E isso foi pena, porque o brilho do olhar, a alegria e a esperança de tantos jovens portugueses e de todo o mundo que têm chegado para estes dias intensos mereciam mais.

Entre críticas justas e injustas, muitas vezes com argumentos que passam ao lado do fundamental, parte-se muitas vezes do pressuposto de que tudo o que remete para o âmbito da cultura e da espiritualidade é supérfluo, se considerarmos apenas as necessidades humanas básicas. Mas precisamente o que nos torna humanos é a capacidade de nos relacionarmos, de criarmos para além da matéria, de nos pensarmos enquanto seres para os quais a vida tem um sentido.

Nesse sentido, uma iniciativa como a JMJ, lançada por João Paulo II em 1986 e que agora faz escala em Lisboa, insiste na cultura do encontro, como tantas vezes o Papa Francisco refere. Mais ainda quando, na sequência de uma pandemia que nos isolou e de uma guerra que tragicamente trouxe de novo o sofrimento e a morte ao coração da Europa, temos a necessidade de perceber que ninguém se salva sozinho – como também Francisco recordou naquele 27 de Março de 2020, quando atravessou a Praça de São Pedro como quem caminha entre os escombros de um mundo que está por refazer. E essa cultura do encontro é, para o Papa, uma palavra que se faz acto, no seguimento do Evangelho em que ele acredita. Todos são mesmo convidados: os que estão “dentro” e “fora” da Igreja, os inscritos e os proscritos da moral católica, os refugiados e os escravizados, as mulheres e todos os violentados na sua dignidade humana.

Também por tudo isso, pesados limites e potencialidades, um acontecimento tão importante, preparado com tanto tempo de antecedência e num momento tão difícil como este que o mundo vive, tem de ser um momento marcante de viragem e de esperança. Os jovens portugueses vivem uma situação social e económica que lhes dá pouco horizonte de futuro, como hoje mesmo revela um relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Por isso, espera-se – esperamos todos – que a JMJ plante sementes de futuro na realidade social, política, cultural e espiritual das gerações mais jovens. A sociedade portuguesa, no seu conjunto, tem o desafio de saber aproveitar a potencialidade de mobilização, generosidade e entrega dos mais novos para se refrescar e renovar. E a Igreja Católica em Portugal deveria aproveitar esta JMJ para ser capaz de ousar propor novas linguagens, novas ideias, novos empenhamentos (por exemplo, no combate à violência doméstica ou na defesa da democracia).

Esta semana de alegria e festa permite-nos sonhar que esta bela invasão que vamos viver em Lisboa seja contagiante.

Esta alegria permite-nos também dizer: temos direito à festa. Porque ela nos dá o direito à esperança. Que venham ambas.

 

António Marujo, Clara Raimundo, Eduardo Jorge Madureira, Jorge Wemans, Manuel Pinto

 

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