Divagações de um pai preocupado

| 17 Fev 2022

LGBTQUI

“A minha preocupação como pai é se nos arriscamos a semear divisão pela pressa com que se quer tratar destes assuntos, trazendo-os a público por aproveitamento da deixa deixada pela sinodalidade.” Foto © Sharon Mccutcheon | Unsplash

 

No espírito da Igreja Sinodal que nos convida a caminharmos juntos existe espaço para a partilha aberta com parrésia. Talvez por esse motivo se tenha avançado com maior fulgor as preocupações legítimas dos LGBTQIA+, como noticiado no Sete Margens, e mais tarde as questões abordadas na Conferência Episcopal Alemã como o celibato opcional, diaconato feminino ou escolha dos bispos. Como pai, aquilo que diz respeito ao sacramento da ordem penso que será de reflectir profundamente, mas no que diz respeito às orientações sexuais, estes acontecimento deixaram-me preocupado.

O Artigo 26, n.3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que «aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.» E essa educação não se restringe às ciências naturais ou humanísticas, mas inclui as de natureza espiritual. Como pai cristão estou ciente de que o nosso corpo é alma numa unidade indivisa sem confusão ou separação. Nesse sentido, educar o corpo espiritualizado ou o espírito corporalizado é uma parte essencial da educação que quero dar aos meus filhos. E daí a pergunta: que educação pode dar um catequista que se identifica como parte da comunidade LGBTQIA+ do ponto de vista da espiritualidade associada à sexualidade? O que dirá um padre que se identifica com este grupo a dois noivos, homem e mulher, que estão prestes a realizar o seu matrimónio? Quer isto dizer que deveríamos criar grupos distintos para que ninguém se sinta melindrado? A minha preocupação como pai é se nos arriscamos a semear divisão pela pressa com que se quer tratar destes assuntos, trazendo-os a público por aproveitamento da deixa deixada pela sinodalidade.

A sexualidade envolve a pessoa no seu todo e não deve ser confundida com genitalidade. Por outro lado, enquanto nas escolas públicas fala-se mais de genitalidade usando a palavra sexualidade, no âmbito da formação espiritual, a sexualidade envolve uma visão particular do amor como dom-de-si-mesmo e o corpo como templo do Espírito Santo. Aliás, como preconizado pela Teologia do Corpo de S. João Paulo II, o corpo é uma via para o conhecimento e aprofundamento da nossa relação com Deus. E essa suplanta qualquer orientação sexual. A visão do amor que Deus nos revelou expressa-se no amor-fileo da amizade e no amor-ágape de quem está disposto a dar a sua vida pelo outro. E deste ponto de vista mais espiritual, qualquer pessoa pode formar os mais novos, mas será isso o que acontece no concreto?

No infantário, as brincadeiras dos namoricos é uma coisa normal. Porém, aquilo que para os adultos pode ser uma brincadeira, para uma criança corresponde aos primeiros momentos em que sente as emoções belas e típicas do amor. Emoções que no início manifestam-se com pureza, mas com a descoberta do prazer que o próprio corpo sente, inadvertidamente, surgirão as questões mais profundas relacionadas com o equilíbrio delicado entre o que sente o corpo e os relacionamentos que alimentam esses sentimentos.
Recentemente li que num artigo da La Civiltà Cattolica que S. Tomás de Aquino nos seus estudos expressa como a intemperança pode levar uma pessoa a comportamentos infantis, desequilibrados e até mesmo violentos. Para corrigir esta tendência S. Tomás propõe a castidade, não por ser uma repressão da nossa sexualidade, como infantilmente muitas pessoas interpretam, mas antes a capacidade de viver relacionamentos no respeito recíproco, no dom-de-si-mesmo, e sem qualquer sentimento de posse.

É fácil incorrermos em juízos de valor desconhecendo a génese das escolhas de cada um. Existem pessoas com orientação sexual cujo coração palpita mais quando partilham do mesmo sexo, mas estão cientes que o amor com que fomos criados e ao qual somos chamados a nos identificarmos é o amor de Deus. Mas o caminho a percorrer para desabrochar o amor verdadeiro passa pelo amor aos outros nos relacionamentos que estabelecemos. Amor que nos envolve intimamente através do corpo. Por isso, se no mundo natural a máxima unidade ocorre na máxima diversidade, existe uma beleza particularmente divina no amor vivido entre uma mulher e um homem. Pelo que dificilmente entendemos ainda esta mudança cultural originada pela definição da orientação sexual, de modo a ser incluída na formação espiritual dos nossos filhos. E daí as minhas preocupações como pai.

Importa-me muito pouco se um catequista gosta de pessoas do mesmo sexo quando ensina que o amor maior que orienta qualquer amor é o amor a Deus. Mas quando esse amor passa pelas transformações que ocorrem no nosso corpo e influem sobre a nossa experiência de Deus, o que dirá este catequista? Falará da sua experiência pessoal às crianças? Estando este tema ainda em aberto, só o estudo e a oração podem ajudar-nos a compreender o que Deus nos quer dizer com esta onda cultural. Seguramente que não será o que eu penso, ou o que pensa aquele que se identifica com a comunidade LGBTQIA+. Só o Espírito Santo pode iluminar-nos. “Divagar” se vai ao longe, mas sem que a pressa comprometa o caminho.

 

Miguel Panão é professor no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra; para acompanhar o que escreve pode subscrever a Newsletter Escritos. Contacto: miguel@miguelpanao.com 

 

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