
” É verdade que a necessidade de fazer alguma coisa depende das políticas públicas como alerta o relatório de avaliação dos Acordos de Paris, mas depende também do comportamento de 7 mil milhões de pessoas que partilham este planeta que chamamos Terra, a nossa Casa Comum.” Foto @ Kelly Sikkema / Unsplash
As estradas de Madrid num vídeo enviado por uma amiga pareciam rios. Os carros circulavam como se estivessem no meio de um dilúvio em pleno Verão. Num recente relatório de avaliação do progresso dos Acordos de Paris em 2015 sobre os compromissos dos países de agir em relação às alterações climáticas mostra que tudo está a acontecer com grande lentidão. E ao ler uma análise desse relatório no New York Times, a impressão que fica é a de mais do mesmo. Até eu estou cansado de escrever mais do mesmo.
Um planeta que retém o calor que provém do Sol por causa da alteração da sua atmosfera procura um novo equilíbrio. Mais calor significa mais energia para “alimentar” fenómenos naturais como os furacões, ausência ou excesso de chuva. Numa série de vídeos que trazem a público as histórias dos efeitos que estas alterações climáticas fazem sentir no quotidiano, John Roscoe de Vancouver nos EUA partilhava a sua perplexidade ao ver o excesso de calor queimar as folhas das árvores, testemunhando como este assunto se tornou pessoal, além de global. É verdade que a necessidade de fazer alguma coisa depende das políticas públicas como alerta o relatório de avaliação dos Acordos de Paris, mas depende também do comportamento de 7 mil milhões de pessoas que partilham este planeta que chamamos Terra, a nossa Casa Comum. Será o planeta que precisa de ser salvo ou antes as nossas consciências que parecem estar doentes e perdidas? Será que a inevitabilidade da nova situação gerada pelos nossos comportamentos faz parte da evolução que se esperaria acontecer com a emergência da nossa espécie?
Desde que James Lovelock introduziu a hipótese Gaia que considera a Terra como um organismo vivo, sabemos como a procura de um novo equilíbrio faz parte da evolução de qualquer sistema vivo. Pensemos nas actividades que fazíamos quando éramos jovens e nas que fazemos como adultos. Não adaptámos as actividades às condições do nosso corpo? No seu livro sobre esta teoria “Gaia — Um novo olhar sobre a vida na Terra” (Edições 70), James Lovelock refere no prefácio da segunda edição que — «Com o tempo, os organismos evoluem para usar a poluição como seu alimento. Pensemos nos escaravelhos-bosteiros. Devíamos também perceber que a nossa poluição consiste em muito mais do que produtos de combustão como o CO2. Os animais inteligentes como nós também expelem informação nas suas muitas formas. Talvez o dogma, o spam e a certeza constituam o smog que sufoca o mundo das ideias?» — E é de ideias que o mundo precisa ou de acção? Talvez precise de ambas.
Iniciativas como a Plataforma de Acção Laudato Si’ são um convite a tomar consciência do impacto que têm os nossos estilos de vida, estimular a consciência a pensar naquilo que podemos mudar e partilhar tanto o fruto da nossa reflexão como da acção na esperança de que oferecer sementes de inspiração que possam germinar a mudança no comportamento dos outros.
É fundamental que a nossa inteligência possa conhecer e compreender melhor a relação entre os nossos ritmos e os ritmos do planeta. A realidade na Era Digital não depende somente dos factos, mas da relação entre a nossa percepção relativa às informações e convicções que temos. Tendemos para a teimosia mesmo que à nossa volta os factos digam o oposto das nossas convicções. O escritor Fernando Sabino diz que — «a realidade só interessa se iluminada pela imaginação, para surpreender a verdade que ela esconde.» — e devido ao excessivo consumo de entretenimento e informação, receio que dediquemos, hoje, menos espaço e tempo a desenvolver a nossa imaginação para encontrar soluções criativas que ajudem a evoluir os nossos estilos de vida, se quisermos respirar o ar que ainda respiramos. Caso contrário, o corpo humano terá de se adaptar à nova situação.
O relatório de avaliação dos Acordos de Paris serve de ponto de partida para a próxima conferência dedicada às alterações climáticas, o COP28, marcada para o final de novembro nos Emirados Árabes Unidos (EAU). O anfitrião Al-Jaber é o responsável pela maior empresa de energias renováveis do país, mas também da empresa nacional de petróleo. O contraste deste perfil não passou ao lado dos activistas do clima, e a sua sugestão de acabar a “longo-prazo” com os combustíveis fósseis é vista como um apoio à continuação do hábito que temos de meter líquido do carro para nos movermos. A impressão que deixa é a de “mais um COP” só para cumprir o calendário.
No dia 4 de Outubro, além do encerramento do Tempo da Criação e da abertura do Sínodo sobre a Sinodalidade, o Papa lançará uma actualização da Encíclica Laudato Si’, uma segunda parte em forma de Carta, mostrando que a reflexão espiritual sobre o nosso relacionamento com a Casa Comum é tão dinâmica quanto o clima. Ousemos com essa reflexão sobre o clima exterior alterar o clima interior que informa os nossos comportamentos.
Miguel Panão é professor na Universidade de Coimbra, autor do livro palavras (Publicação de Autor) e pode acompanhar o que escreve pela sua Newsletter Escritos em https://tinyletter.com/miguelopanao