Do prazer da leitura como exercício espiritual – as comunidades de leitores como um outro modo de ser crente? (ensaio)

| 21 Ago 2020

“Os clássicos são livros de que se costuma ouvir dizer:
‘Estou a reler…’ e nunca ‘Estou a ler…’”[1].

Young Man Reading (Jovem rapaz lendo, 1892), de Octavian Smigelschi (Roménia, 1866-1912); óleo sobre tela, 65×75 cm; Museu Nacional Brukental

 

Por todo o lado se constituem comunidades de leitores de literatura universal, de pessoas que encontram nos livros o motivo para a hospitalidade da alteridade. Como é sabido, a prática da leitura comunitária e pública da Torah era fundamental para o judaísmo rabínico em torno do Talmude. A chamada lectio divina (meditação orante da Palavra), praticada primordialmente nos mosteiros, assume essa linha da tradição hebraica e amplia-a como modo de ser fundamental da experiência cristã do evento originário crístico.

No seguimento deste movimento secular das comunidades de leitura ou de leitores, não haverá aqui uma chance criativa para o cristianismo, nomeadamente o catolicismo português, incorporar no seu seio comunitário esta lectivo divina da criação literária mundial e dos grandes textos do pensamento religioso? Não haverá hoje, num tempo em que aparentemente haveria mais oportunidade para ler e um acesso facilitado aos grandes livros, homens e mulheres capazes e competentes para assumir este novo ministério da leitura na vida comunitária crente? Não haveria benefício em fundar uma rede de comunidades de leitores que contribuísse para cultivar o espírito e o culto e revitalizar a inteligência crente na alva pós-pandémica do nosso tempo?

A incursão inicial no mundo da literatura pode assemelhar-se a uma floresta densa que se transforma numa selva! Alguns dos mais eminentes bibliófilos e académicos, como Bloom, Steiner, Borges ou Manguel, propuseram alguns dos mais famosos cânones de literatura universal, do qual nenhum leitor atento deveria prescindir.

Seria viável a elaboração de um cânone de literatura religiosa imprescindível a ler, sabendo quão limitado é sempre qualquer cânone? Talvez para um principiante eles se revelem uma verdadeira tábua de salvação no meio de tantas opções e da voragem editorial do entretenimento kitsch. Mas como saber que se trata de literatura kitsch? Que livros ler ou géneros de literatura seguir? Procurar a pulsação dos textos que prazenteiramente nos desassossegam, porque instauram algo de novo no modo como pensamos e imaginamos o mundo e a realidade que nos cerca, é resistir à erosão actual das boas livrarias e editoras independentes, cada vez mais raras, dado o açambarcamento do mercado livreiro por parte dos grandes grupos editorais e comerciais.

Talvez a primeira disposição para a leitura, mais do que o conhecimento de um cânone, seja a espontaneidade, o simples desejo de querer ler verdadeiramente! Desejar entrar no mundo do livro, ler-se nele, é buscar a verdade mais íntima da realidade humana. A verdade humana do livro, se o é, implica-nos, anima-nos e combate-nos! Transforma-nos e compromete-nos com o tempo e o modo de ser das coisas!

 

A leitura pode salvar-nos do tédio de existir

Louis Marcoussis, Le lecteur (O leitor); Birmingham Museums Trust

 

A leitura pode salvar-nos de um certo tédio de existir, sobretudo em tempos de confinamento imposto por uma entidade invisível, que, paradoxalmente, nos tornou mais visíveis uns aos outros. As comunidades eclesiais crentes têm aqui uma oportunidade fundativa original, a ir mais além das tradicionais assembleias de culto, para potenciar um novo modo de ser ekklēsia, acolhendo no seu seio o “conflito de interpretações” (Paul Ricoeur) que a prática do ágape textual pode apaziguar e fazer fecundar na leitura de si mesmo, do mundo e da vida.

Sabemos como Agostinho de Hipona se abriu ao desejo de Deus, ainda que de modo embaçado por causa da sua imaturidade juvenil, ao ler o livro profano Hortênsio, de Marco Túlio Cícero[1]. O acto de leitura pede amor e não dever – diz-nos ele: “É que ninguém, quando contrariado, faz bem, embora seja bom aquilo que faz.”[2] Lê-se para encontrarmos a humildade da sabedoria:

“Brilhante e imarcescível é a sabedoria!
E é facilmente discernida por aqueles que a amam;
E será encontrada por aqueles que a procuram” (Sb 6,12).

É anacrónica e inútil a velha questão acerca do que é leitura espiritual. Pode acontecer que ler Dostoiévski ou Clarice Lispector seja bem mais um acto espiritual do que qualquer outra literatura religiosa dita edificante. Há, indubitavelmente, força pascal ou salvífica no abismo infernal do sofrimento psíquico na escrita narrativa de Marilynne Robinson ou de Flannery O’Connor.

A leitura sapiencial é um acto de amor, de generosidade, ou de entrega nua de si mesmo a um outro a descobrir-se. É o livro e a sua poética que nos conduz. O prazer de ler como um ofício mergulha-nos no mais profundo de nós mesmos, para reaprender a ver o mundo com outros olhos, a imaginar novos modos de nos relacionarmos. Não há receitas nem catálogos ou cânones de livros absolutos; há, sim, livros incontornáveis, cujo desconhecimento absoluto nos privaria de ver e imaginar a nossa própria existência, humana ou crente, em relação com os outros.

Somos o amplexo ou o albergue silencioso de todas essas narrativas falantes, que nos precedem e abrem portas futuras. O próprio escritor Hermann Hesse, prémio Nobel da Literatura, no começo da leitura, aconselhava o leitor iniciático a começar pelo que lhe é alcançável, o possível. Assim,

“cada um comece por aquilo que é capaz de compreender e de amar! Aprender a ler, no sentido mais elevado da palavra, nunca poderá ser feito por intermédio de jornais nem da literatura contemporânea que nos aparece à mão, mas somente através das obras-primas. Estas têm, por vezes, um sabor menos doce e menos picante do que as leituras que estão na moda. Querem ser levadas a sério, conquistadas. […] Se nós queremos que as obras-primas nos demonstrem aquilo que valem, precisamos primeiro de lhes demonstrar o que valemos.” […] Um elenco de livros cuja leitura seja absolutamente necessária e sem os quais não há saúde nem cultura não existe. Em vez disso, há para cada homem um notável número de livros nos quais precisamente ele, o indivíduo, pode encontrar satisfação e prazer. Descobrir gradualmente estes livros, entabular uma relação duradoura com os mesmos, possivelmente apropriarmo-nos deles pouco a pouco […]”[3].

A leitura agápica humaniza-nos, silencia os narcisismos violentos, suscita o pensamento crítico, subtrai-nos aos poderes que anestesiam as massas e nos domesticam ao pensamento dominante do “sempre foi assim” ou ao “não há alternativa”. Byung-Chul Han alerta-nos para o perigo do pensamento do idêntico ou da mesmidade: “É assim que os macrodados tornam supérfluo o pensamento. Sem nos preocuparmos com outras questões, cedemos ao é assim e ponto final[4]. O perigo ideológico do poder, seja ele político, cultural ou religioso, é a ausência de uma cidadania crente ou laica impreparada e anestesiada pelo controlo sedutor do autoritarismo ou da sofística do voluntarismo. Só a aliança da convicção (crença) e da crítica (pensamento aberto) podem fazer a mediação no campo cultural da hodierna “concupiscência gnosiológica” (Karl Rahner), como modo fundamental de bloquear os efeitos miméticos da violência social.

 

Uma ignição poderosa

Maria Helena Vieira da Silva. Bibliothèque en Feu (Biblioteca em fogo, 1974).

 

A convivência com os livros, nomeadamente os clássicos e os seus epígonos contemporâneos, seja qual for o género literário (poético, narrativo, ensaístico, filosófico, científico…), é o princípio do conhecimento e da compreensão dos fenómenos existenciais. O amor aos livros e ao acto de leitura conduz a amar a realidade vivida; a compreender amando e a amar compreendendo aquilo que nos envolve e faz desejar ser algo novo. Podemos olhar para a leitura como um acto temporal, corporal, descentrado e terapêutico. Todavia, haverá ainda hoje razões para ler?

A leitura é uma ignição poderosa para despertar o imaginário, solidificar pensamentos, suprimir a fadiga. Segundo Proust, “a nossa sabedoria começa onde a do autor acaba, e queríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos[5]. Esta é a experiência oblativa do desejo de um escritor que é também um leitor inveterado, no sentido sartriano, segundo o qual “todas as obras do espírito contêm em si mesmas a imagem do leitor a quem se destinam.”[6]

Mais do que respostas, ou anseio de criar “algo novo”, o escritor paciente dá-nos desejos, desejo de questionamento, de ir mais além na imaginação real e diversa das mesmas coisas. Depois de uma leitura bem-feita, silenciosa ou pública, atenciosa e cintilante, passamos a ler o mundo através do lido. Há aqui um prodigioso encontro de alteridades inesperadas. Na leitura perdemo-nos para nos reencontrarmos no pensar de outrem.

O filósofo Hans Georg Gadamer, um dos grandes teorizadores da hermenêutica contemporânea, dizia justamente que “quem quer compreender um texto deve estar pronto a deixar que ele diga algo de si”. Este é precisamente o efeito fenomenológico da leitura dos grandes textos ou autores, de ontem e de hoje. Eles dizem mais de nós, da mais profunda miséria humana, que do próprio autor e das suas personagens.

Uma comunidade de leitores exercita em “carne e osso” a fraternidade humana da leitura, a difícil arte da escuta e da conversação, quer dizer, da presença de outras corporeidades. A leitura é um ritual, que engoba o gozo e o jogo de entrar na prosa poética que nos narra, como “sinal de hospitalidade ao outro […], de ‘instalação-num-lugar’, de ‘estar-em-casa-no-mundo’”[7]. Neste gesto ritual, que o corpo do leitor expressa, cada um torna-se ouvinte da palavra da alteridade (o livro, o autor, a narrativa, os outros leitores), para sermos mais nós próprios, não só a partir de nós mesmos, mas do outro aí-ser que se desoculta e nos faz aprender as realidades de uma maneira admirável.

Esta leitura sapiencial intercorpórea, que vai da literatura ao ensaio, do romance à poesia, dar-nos-á novos modos de imaginar e recriar a realidade ou o próprio lugar que habitamos. De um bom livro podem surgir bons diálogos e conversas possíveis para a mesa ou para o café, para ultrapassar a simples conversa rotineira, que apaga a vontade de lermos os sinais dos tempos e de os convertermos em tempos oportunos para o “encontro inesperado do diverso” (Gabriela Llansol).

A leitura não é da ordem da utilidade ou da eficácia produtiva. É, acima de tudo, um exercício espiritual ou contemplativo, e por isso mesmo activo, lento e paciente, como a meditação silenciosa para receber com fineza o que nos chega como dom. Aprender a ler no silêncio do quarto, na sala de uma biblioteca ou no jardim de uma praceta, é reflectir a novidade eterna do mundo, que o momento presente não é nem o começo nem o fim de nada, mas o fio da continuidade de um grande movimento, de uma grande onda que nos atira para novos cenários imaginativos e arrasta para territórios inesperados.

 

“… na suposição da presença de Deus”

Livro del olvido (Livro do Esquecimento), de Victor Infantes, Madrid

 

E Deus em tudo isto? Para Steiner, recentemente falecido, “qualquer compreensão coerente do que a linguagem é e do modo como funciona, que qualquer exame coerente da capacidade que a linguagem humana possui de comunicar sentido e sentimento assenta, em última análise, na suposição da presença de Deus […] a experiência do sentido, em particular do sentido estético, da literatura, das artes, da música, implica a possibilidade necessária desta “presença real”. O aparente paradoxo da “possibilidade necessária” é muito precisamente aquilo que o poema, a pintura, a composição musical têm a liberdade de explorar e actualizar.”[8]

A literatura, como toda a verdadeira arte que revela algo do si-mesmo, se seguirmos a tese de George Steiner, nasce de uma experiência espiritual ampla, de uma “aposta na transcendência” ou no “estilo transcendental” (Paul Schrader). A literatura pode ser assim um “lugar teológico”[9], o espaço poético privilegiado do pensar teologal, para a expressão do mistério, para dizer ou falar do “mistério absoluto que chamamos Deus.” (Karl Rahner). Não porque esteja instrumentalmente ao serviço de uma apologética, mas na medida em que parte do humano e das suas múltiplas experiências no qual Deus deseja encarnar-se. Mais do que escritores católicos ou cristãos, há católicos que são escritores, que escrevem livremente e sem condicionamentos ideológicos. Há, sem dúvida, uma teologia literária (visual ou cinematográfica…), que vem já das Escrituras, que se abre à imaginação, à metáfora e à narração espiritual do humano. A literatura é a expressão ampliada das “epifanias do desejo” e da graça no corpo do nosso quotidiano.

A grande literatura não resolve facilmente as ambivalências da realidade ou do psíquico humano, explora-as pulverizando-as até à exaustão. Ela inaugura um sentido novo, reconfigura as dúvidas, e ilumina-as a partir de um olhar radical que questiona sem nada pressupor. Toda a literatura, ou arte, digna desse nome, é necessariamente subversiva, irónica, resiliente à apropriação ideológica por um pensamento dominante.

No ensaio Paixões Intactas, George Steiner apresenta um princípio que poderá ser o termómetro de toda a verdadeira arte, em geral, e da literatura, em particular: “Sermos ‘habitados’ pela música, pela arte, pela literatura, tornarem-nos responsáveis por essa habitação, sermos o seu anfitrião, como o dono da casa o é para um hóspede – talvez desconhecido, talvez inesperado – ao serão, é fazer a experiência do mistério trivial de uma presença real”[10].

O agnóstico académico Steiner chama a esta hipótese “aposta na transcendência”, quer dizer, a “presença real” de algo/alguém que nos coloca em êxtase, fora de nós mesmos, para o encontro com a alteridade de uma pintura surreal (René Magritte), de um poema hermético (Mallarmé) ou de uma dramaturgia só aparentemente filistina (Samuel Beckett). A literatura evoca esta presença real, em particular a poesia, onde o humano entrelaça um diálogo com o mistério último e abismal, Deus.

Neste tempo de privatização do corpo, e ao mesmo tempo da sua exposição solitária no digital ou virtual (corpo virtual), é ainda possível reabilitar a nossa “presença real” no espaço infinito da leitura, como tempo de comunhão comunitária, sem rumores, para o silêncio da palavra que nos interpela? Ler em companhia do outro, ou ler no plural, amplia a nossa própria visão para imaginar as coisas de um modo novo e diverso, a entrar na conversação de qualidade com os outros. Quando lemos um livro, e o partilhamos, praticamos a hospitalidade concreta dos outros.

 

“O desejo de Deus no amor das letras”

Gustav Adolph Hennig (1797-1869), Lesendes Mädchen (Rapariga a ler), 1828. 

A arte do sentido carrega em si a noção anónima de uma “presença real” no texto, na obra de arte ou na forma musical. Este encontro pressupõe a mobilização de todos os sentidos, pois ler não é apenas um acto mental, é essencialmente um gesto corporal, que nos dispõe a albergar o evento do outro ou do totalmente Outro. A relação congénita entre a cultura e as experiências humanas e a Palavra, entre a literatura universal e o discurso religioso ou teológico têm sido muito pouco trabalhadas criticamente, seja como crítica literária seja como hermenêutica teológica, e muito menos ainda, como laboratório de uma teologia literária, ao nível dos grandes textos místicos, por exemplo.

A partir desta interrogação, poderá inaugurar-se uma hermenêutica (compreensão e interpretação) do espaço literário ou da expressão literária como lugar teologal ou experiência sapiencial da “presença real” (Steiner) de Deus no mundo. Esta teologia literária, que a literatura bíblica ou a patrístico-mística bem exemplificam, diferencia-se de uma teologia da literatura, cujo enfoque é mais a reflexão de sobrevoo sobre o objecto do que a expressão literária do transcendente.

O que movia esta teologia literária era não somente o “amor das letras” mas “o desejo de Deus no amor das letras”, quer dizer, na arte de bem escrever, para O dizer eloquentemente[11]. A criação literária impulsiona a expressão religiosa crente, mas também a fé nutre a sensibilidade literária, filosófica ou pictural. Para além da história mesma, ou apenas da arte literária pela arte das palavras imagéticas, intuímos possibilidades inaugurais desta relação entrelaçada entre expressão artística e experiência espiritual[12]. A literatura que aqui consideramos é essencialmente a literatura dita universal, sem qualquer teor confessional declarado ou explícito, a qual entra obliquamente em profundo contacto e intimidade com muitas das questões da grande tradição literária cristã.

O livro enquanto livro é o espaço “Aberto em devir” (Maurice Blanchot), que abre a nossa experiência de finitude ao silêncio presencial da infinitude. O livro parte de um desejo ou experiência fundamental, da vida irresoluta ou em ruína, do que vamos vivendo e do que se há-de viver, para iluminar, como uma “floresta de símbolos” acrobáticos, a rotina dos dias impossíveis. Todos os grandes autores compartilham a mesma paixão: “Eles perguntam-nos sobre o nosso próprio relacionamento com a linguagem, a vida, as Escrituras. Frequentemente, eles não partem de uma confissão de fé para se unir à vida, mas dão um grande lugar à experiência, entendida como uma relação reflectida com o real, retomada e consciente, para se abrir à fé. Com eles, a linguagem assume um status importante: é o lugar da revelação da Vida.”[13]

 

Manifestação dos vestígios do Verbo

Johannes Vermeer, Rapariga Lendo uma Carta Junto a uma Janela Aberta. 

 

O discurso literário pode, assim, nutrir e qualificar o real ou o linguajar quotidiano transformando-o no lugar próprio da manifestação dos vestígios do Verbo. A leitura torna-se, então, um exercício espiritual para imaginar novamente a experiência originária crente, a narração crente das Escrituras e da singularidade espiritual do viver humano. Que as viagens literárias por vir aí nos conduzam sempre, pois do texto lido e relido se passa à acção, quer dizer, ao agir pensado na escola da grande tradição humanista. Como bem afirma Paul Ricoeur: “A sociedade tem necessidade de que estejam presentes, sob a forma de cimento, as suas diferentes heranças culturais e espirituais; são elas que motivam o civismo. Neste contexto, a herança religiosa entra em relação com as duas outras grandes tradições da modernidade: as Luzes e o Romantismo”[14].

É este ser-em-relação que a leitura dos grandes textos fundadores e de outros mais contemporâneos desperta nos seus potenciais leitores e na vida comunitária em vista do agir em torno do humano comum. Numa comunidade de leitores, aberta e hospedal, o laico e o crente religioso poderão encontrar-se na busca ecuménica da verdade das grandes questões inelutáveis, da história e do significado real e actual dos grandes mitos fundadores da nossa existência, bem para além da totalidade explicativa da dominação absoluta tecnocientífica. E talvez, a partir deste sinal comunitário da leitura, se construa paciente e lentamente uma “pastoral da inteligência” (Joseph Ratzinger), ou como diria Dietrich Bonhoeffer, um “cristianismo pensante”, como a realidade mais necessária para o tempo de hoje, de ser inteligentemente fermento na massa, abrindo novos espaços intersticiais que sublevem a pluralidade humana sem perder a herança própria de cada tradição espiritual e cultural onde esse humano se diz e expressa de modo necessariamente plural.

 

João Paulo Costa é presbítero diocesano de Braga e investigador na área da filosofia e teologia

 

Algumas referências de “leitores qualificados” sobre a leitura

Alberto Manguel, Uma história da leitura, Editorial Presença, Lisboa 1998.

Harold Bloom, O Cânone Ocidental. Os grandes livros e os escritores essenciais de todos os tempos, Círculo de Leitores, Lisboa 2011.

Hardol Bloom, Génio, Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura, Círculo de Leitores, Lisboa 2014.

Harold Bloom, Como ler e porquê, Caminho, Lisboa 2001.

Italo Calvino, Porquê ler os clássicos, D. Quixote, Lisboa 2015.

George Steiner, As artes de sentido, Relógio d’Água, Lisboa 2017.

George Steiner, A Poesia do pensamento. Do helenismo a Celan, Relógio d’Água, Lisboa 2017.

Michel de Montaigne, Dos livros, Editorial Teorema, Lisboa 1999.

Hermann Hesse, Uma biblioteca da Literatura Universal, Cavalo de Ferro, Lisboa 2018.

Martin Puchner, O Mundo da Escrita. O poder das histórias que formaram os povos e as civilizações, Círculo de Leitores, Lisboa 2018.

Jean-Paul Sartre, Qu’est-ce que la littérature?, Gallimard, Paris 1985.

Jean-Pierre Jossua, Histoire religieuse de l’expérience littéraire, Vols. I-IV, Beauchesne, Paris 1985.

Revista Concilium, nº 115 (5/1976).

Kenneth Rexroth, Revisitar os clássicos, Antígona, Lisboa 2020.

M. D. Chenu, “La littérature comme ‘lieu’ de la théologie”, in Revue des Sciences philosophiques et théologiques 53 (1/1969), pp. 70-80.

 

Notas

[1] Cf. Santo Agostinho, Confissões, Livro III, IV. 7, Edições Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa 2000.
[2] Santo Agostinho, Confissões, Livro III, XII. 19, p. 31.
[3] Hermann Hesse, Uma biblioteca da literatura universal, Cavalo de Ferro, Lisboa 20182, pp. 46-47.
[4] Byung-Chul Han, A Expulsão do Outro, Relógio d’Água, Lisboa 2018, p. 12.
[5] Marcel Proust, Sobre a leitura, Nova Vega, Lisboa 2019, p. 44.
[6] Jean-Paul Sartre, Qu’est-ce que la littérature?, Gallimard, Paris 1985, p. 92.
[7] Byung-Chul Han, Do desaparecimento dos rituais. Uma topologia do presente, Relógio d’Água, Lisboa 2020, p. 11.
[8] George Steiner, Presenças Reais. As artes de sentido, tradução e posfácio de Miguel Serras Pereira, Editorial Presença, Lisboa 1993, p. 15.
[9] Cf. M. D. Chenu, “La littérature comme “lieu ” de la théologie”, in Revue des Sciences philosophiques et théologiques 53 (1/1969).
[10] George Steiner, Paixões intactas, Relógio d’Água, Lisboa 2003, p. 48.
[11] A este propósito, o inultrapassável livro do beneditino Jean Leclercq, L’amour des lettres et le désir de Dieu, Cerf, Paris 1990, para o qual a cultura monástica medieval teria duas espécies de fontes, a gramática e a escatologia: “Por um lado, é preciso as letras para se aproximar de Deus e exprimir o que percebemos dele; por outro lado, é preciso ultrapassar incessantemente a literatura para chegar à vida eterna” (p. 55). Portanto, contemplação, teologia e poesia, como bem atesta, por exemplo, o extraordinário Sermão ao Cântico dos Cânticos, de Bernardo de Claraval ou os fabulosos e difíceis textos literários de Mestre Eckhart ou das beguinas flamengas, entre vários outros autores, que fizeram da teologia literatura autêntica.
[12] Cf. Jean-Pierre Jossua, Histoire religieuse de l’expérience littéraire, Vols. I-IV, Beauchesne, Paris 1985. Este renomado académico francês fala de obras confessionais, literatura confessante, obras de sensibilidade religiosa e de literatura não religiosa.
[13] “Littérature et l’expérience spirituelle”, in La Croix, 09/04/2013.
[14] Paul Ricoeur, Filosofia, ética e política, Edições 70, Lisboa 2020, p. 129.

 

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