
O pequeno altar em pedra granítica tem cerca de 80 cm de altura e 36 a 38 de largura e profundidade. Foto: Direitos reservados.
A doação de uma ara votiva romana guardada ao longo de várias décadas pela família Braga da Cruz, de Braga, enriquece desde esta sexta-feira, dia 1, o espólio do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa (MADDS), estando já exposta para fruição do público.
A peça, que passou a integrar a coleção permanente daquele Museu, foi encontrada num quintal particular no município de Terras de Bouro, pelo Dr. Manuel António Braga da Cruz (1897-1982), que viria, depois, a conseguir que o proprietário lha cedesse. No ato desta sexta-feira, na sala do MADDS em que a peça ficou exposta, foi feito o reconhecimento público à família doadora, representada pelo engº Afonso Braga da Cruz.
O pequeno altar em pedra granítica tem cerca de 80 cm de altura e 36 a 38 de largura e profundidade, e apresenta na face a inscrição latina seguinte:
ANICIU // S. ARQULI // VOTUM // OCAERE // SOLVIT
que deverá significar que uma pessoa de nome Anicius, da família de Arquilius, saldou com satisfação o voto que fizera a Ocaere.
De especial interesse nesta inscrição é o teónimo (nome de divindade) OCAERE que, como explicou na sessão o arqueólogo e especialista em epigrafia Armando Redentor, deve ser uma divindade local, dado que este nome não aparece referido noutros documentos. De resto, como observou, como esta, há documentadas referências a umas três centenas de divindades locais na Península.
Adiantou ainda que, a avaliar pela concavidade na parte superior, esta ara poderá ter servido também para oferenda de sacrifícios não cruentos, como oferendas de cereais, azeite, água ou vinho.
Para além de aspetos como a relação das pessoas com a divindade, este documento reveste-se de importância não apenas no terreno sociopolítico como também no campo linguístico. Há, por exemplo, quem esteja a estudar afinidades entre Ocaere e os nomes Gerês ou Geira.
A ara votiva foi descoberta há perto de 300 anos, aquando de obras de reconstrução da sacristia da igreja matriz de S. João do Campo, município de Terras de Bouro, tendo a descoberta sido publicitada pelo clérigo e historiador Jerónimo Contador de Argote. O prof. Manuel Braga da Cruz que, além de professor do Liceu Sá de Miranda, era uma destacada personalidade cultural bracarense (tinha, por exemplo, a maior biblioteca de monografias sobre Braga, que foi adquirida pela Universidade do Minho, em 2019), escreveu em 1972, na Revista de Guimarães (vol. LXXXII) uma memória em que compendia as referências a esta peça desde o seu achado.
Com este ato mecenático, o Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, em Braga, reforça-se como um espaço de referência nacional e internacional no período romano, sobretudo depois de uma vultuosa doação de quase 200 peças de mármore, esculturas em mármore, bronze e terracota, mosaicos romanos, vasos cerâmicos gregos e etruscos, unguentários romanos em vidro, utensílios, equipamentos e adornos em bronze e metais nobres. Essa doação foi feita por Marion Bühler-Brockhaus e Hans-Peter Bühler e viria a ser acrescentada de uma dádiva em dinheiro para a qualificação e beneficiação de espaços interiores e externos do Museu.