Apelo do Papa sem ecos em Portugal

“É desumano impedir que os reclusos celebrem o Natal”, alerta coordenador da Pastoral Penitenciária

| 22 Dez 2022

homem na prisao, foto direitos reservados

“A sociedade está de costas voltadas para o sistema prisional. O cidadão português, em geral, olha para a prisão como um depósito de criminosos e acha que quanto mais tempo eles lá puderem estar, melhor”, afirma o padre José Luís Costa. Foto: Direitos reservados.

 

O Papa Francisco apelou a todos os chefes de Estado para que, neste Natal, fizessem “um gesto de clemência” em relação aos detidos considerados aptos a beneficiar dessa medida. Mas não só este convite parece não ter tido eco em Portugal, como os presos correm sérios riscos de não poder viver o Natal dentro das próprias prisões. Com greves dos guardas prisionais a decorrer, vários capelães dos estabelecimentos já viram ser-lhes negada a possibilidade de celebrar sequer a missa com os reclusos por estes dias.

“O Natal é um tempo tão precioso que é uma pena que seja utilizado como arma política de reivindicação”, assinala o padre José Luís Costa, coordenador nacional da Pastoral Penitenciária, em declarações ao 7MARGENS. “Não pondo em causa a legitimidade dos motivos que levam à greve, arriscaria mesmo dizer que é desumano impedir que os reclusos celebrem o Natal, tendo em conta o peso cultural que o Natal tem, mesmo para aqueles que, não professando a fé católica, de alguma forma o vivem”, acrescenta.

Quando falou ao 7MARGENS, esta quarta-feira, 21 de dezembro, o padre José Luís Costa, que é também capelão do Estabelecimento Prisional de Caxias e do Hospital Prisional de São João de Deus, estava ainda a aguardar resposta da direção destas instituições para saber quando poderia ir fazer as celebrações. “Em alguns estabelecimentos, já se conseguiu fazer uma antecipação, mas o ideal seria mesmo no dia ou na proximidade do dia… É mesmo muito doloroso para os reclusos não poderem celebrar o Natal”, insiste.

Joaquim Mendes, bispo que acompanha a Pastoral Penitenciária no seio da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), conta que tinha intenção de ir, nos próximos dias, ao Estabelecimento Prisional da Carregueira “celebrar a eucaristia e fazer um lanchinho, sobretudo para aqueles que não têm visitas”. Mas já foi informado de que, este ano, “não é possível lá ir”.

“Tem sido assim nos últimos anos”, lamenta o bispo auxiliar de Lisboa, salvaguardando que também não pretende colocar em causa o direito à greve dos guardas prisionais. “Mas é preciso um pouco de compaixão para com a situação dos reclusos, pois esta é uma data muito sensível, em que é particularmente importante eles sentirem a proximidade das famílias”, as quais ficam igualmente, em muitos casos, impossibilitadas de visitá-los.

 

Um direito que está a ser violado

Eucaristia católica no Estabelecimento Prisional de Lisboa, dia 6 de Março de 2020.

Missa celebrada no Estabelecimento Prisional de Lisboa, em março de 2020. “Sempre que há greve dos guardas prisionais deixa de estar garantida a possibilidade de realizar celebrações religiosas.” Foto © Filipe Teixeira/Jornal Voz da Verdade.

 

Em causa está o facto de a assistência religiosa e espiritual não se encontrar incluída nos serviços mínimos a ser assegurados nas prisões, mesmo em caso de greve. O que, para Manuel Almeida dos Santos, presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (OVAR), é inaceitável e até “uma violação da Concordata” de Portugal com a Santa Sé.

“Na leitura que faço da Concordata, a Igreja não pode ser impedida de exercer o seu ministério em qualquer estabelecimento prisional”, afirma. “Mas sempre que há greve dos guardas prisionais deixa de estar garantida a possibilidade de realizar celebrações religiosas.”

Num artigo publicado no passado dia 14 no Jornal de Notícias, o padre Fernando Calado Rodrigues referia, precisamente, que o acesso à assistência religiosa e ao culto é um “direito constitucional e inviolável, mas não está a ser garantido quando se verificam greves dos guardas prisionais como tem acontecido este mês”.

Quatro dias depois, o padre João Torres, coordenador da Pastoral Penitenciária da Arquidiocese de Braga, reiterava em entrevista à rádio Renascença e agência Ecclesia que “não está a ser cumprida a lei de 2009 sobre a liberdade de culto e de assistência religiosa em meio prisional. O responsável dizia também não ver grande preocupação “da Conferência Episcopal em que a lei seja cumprida”. E deixava o alerta: “Se não temos um assistente espiritual dentro das prisões ou nos hospitais, não vale a pena estarmos a defender a vida, a dignidade da vida, quando nestes sítios a vida tantas vezes anda tremida.”

 

Igreja e governantes “insensíveis” ao apelo do Papa?

papa francisco durante visita a prisão de de Civitavecchia na Quinta-feira Santa de 2021 (Vatican Media)

O Papa durante uma visita à prisão de Civitavecchia, na Quinta-feira Santa de 2021. Francisco escreveu “uma carta a todos os chefes de Estado, convidando-os a fazer um gesto de clemência” para com os reclusos. Foto © Vatican Media.

 

Na mesma linha de pensamento, Manuel Almeida dos Santos lamenta que não tenha havido, até ao momento, qualquer reação da parte da Igreja ou dos governantes portugueses, ao apelo feito pelo Papa no passado dia 12 de dezembro. Francisco escreveu “uma carta a todos os chefes de Estado, convidando-os a fazer um gesto de clemência” para com os reclusos considerados “aptos a beneficiar desta medida”. O presidente da OVAR recebeu a notícia com alegria e fez questão de reforçar esse apelo, enviando uma nota ao Presidente da República, à Assembleia da República, e ao coordenador da Pastoral Penitenciária. “Até ao momento, não obtive nenhuma reação”, revela ao 7MARGENS. “Os nossos dignitários da Igreja e o nosso poder político não podem ser insensíveis a este apelo do Papa, mas estão a sê-lo”, afirma.

Quanto à Igreja, Manuel Almeida dos Santos considera que “já se devia ter manifestado, através de uma posição da Conferência Episcopal Portuguesa”, no sentido de reforçar o apelo do Papa e fazer pressão junto do poder político, mas “o que temos é silêncio absoluto de qualquer um dos nossos bispos”.

“Relativamente à Assembleia da República, na quarta-feira da semana passada houve a apreciação de uma petição da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso [APAR]”, assinala Manuel Almeida dos Santos. Esta petição, assinada por mais de 21 mil pessoas, pretendia a “aprovação de um perdão de penas generalizado e de uma amnistia para pequenos delitos e a avaliação da implementação de princípios de justiça restaurativa para mediação penal”. No entanto, “o poder político não se quer envolver nisso”, diz o presidente da OVAR, acrescentando que “há até quem esteja na Assembleia da República, eleito pelos portugueses, com o discurso de que os criminosos devem apodrecer nas prisões”.

Já da parte da Presidência da República, cujo gabinete, contactado pelo 7MARGENS, não confirmou a receção da carta enviada pelo Papa Francisco, o procedimento foi o habitual nesta época do ano: após ter reunido com a ministra da Justiça, nesta quinta-feira, 22 de dezembro, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a concessão de cinco indultos, “por razões humanitárias”.

“Todos os anos há estes indultos concedidos pelo Presidente da República, mas que têm sido em número pequeníssimo, que não ultrapassa os cinco reclusos. E a intenção de partilhar o apelo do Papa era na expectativa de que ele fosse sensível a esse apelo e pelo menos mais generoso este ano”, assinala Manuel Almeida dos Santos.

O bispo Joaquim Mendes diz não ter tido ainda “ocasião de abordar o Presidente da República sobre o assunto [do apelo do Papa], mas mostra-se otimista. “Isto não é um processo que se desencadeie de um momento para o outro, mas estou certo de que o senhor Presidente não será alheio ao apelo. É nossa convicção de que fará o que estiver ao alcance dele”, afirma.

Já o padre José Luís Costa assinala que a boa vontade do Papa “é real, mas nós estamos muito ligados a um modelo penal somente, temos uma cultura da culpabilização no sentido de que quem prevarica deve ser castigado e muito castigado”. Assim, e apesar de considerar que “as capelanias prisionais têm procurado contribuir para alterar esse modelo”, trata-se de “uma decisão que é de foro político”. Ou seja, “tem de ser a sociedade no seu todo a pressionar junto do Presidente e da Assembleia da República”. Mas –  lamenta – a sociedade está de costas voltadas para o sistema prisional. O cidadão português, em geral, olha para a prisão como um depósito de criminosos e acha que quanto mais tempo eles lá puderem estar, melhor”.

Quanto à celebração do Natal nos estabelecimentos onde é capelão, garante: “Hei de fazê-la, nem que seja em fevereiro”.

 

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