
Yosemite Valley, Califórnia, EUA. Foto © Luís Pinto
Há pouco menos de um mês lançámo-nos em mais uma viagem de carro neste país que nos acolhe. Nove dias, cerca de dois mil quilómetros percorridos. Los Angeles, Monterrey, San Francisco, Yosemite Park, Sequoia National Park, Death Valley, Las Vegas. Dois dos estados dos Estados Unidos da América. Califórnia e Nevada. Se não me enganam as contas dos meus filhos, são já 19 os estados visitados. O que nos dá uma ideia generosa da diversidade abundante neste país.
Este texto poderia ter sido, uma vez mais, sobre o banquete de paisagens, cores, idiomas, aromas e sabores que nos foi oferecido nesta viagem. O contraste da floresta densa e das sequoias gigantes, ao deserto árido e ao lugar mais quente que os termómetros modernos já registaram. Das horas seguidas de vistas impossíveis sobre o Pacífico, às intimidantes formações de granito. Das cidades dos filmes aos lugares anónimos plantados pelas ordens religiosas nos séculos passados. Da pobreza indigente à ostentação repugnante. Da lareira íntima dos hotéis rurais, às luzes incandescentes dos casinos de Las Vegas.
Como sempre, não chegariam as palavras – ou não saberia eu – dizer do deslumbramento de conhecer mais um pedaço deste continente onde se esbanjam de mãos dadas natureza e engenho, humildade e ambição.
De tudo, no entanto, destacou-se uma pergunta. Uma pergunta essencial. Repetida quotidianamente pelo meu filho mais novo. Todos os dias. Normalmente ao amanhecer. Uma pergunta livre, sem agenda. Simples. Direta. “E hoje, onde vamos?”.
Ainda que mil vezes repetido o trajeto planeado, o Vasco não regista. Talvez porque não seja importante. Talvez porque sete dias no futuro seja longe demais (nunca saberemos). Ao invés, formula a pergunta a cada dia. No presente. Aberto ao que está para vir. Hoje. Onde vamos hoje?
É bela esta forma de viajar. E o meu filho sabe viajar. Um saber sábio. De criança. Aprendo com ele a entrega genuína a um momento presente. A experiência do agora. Tal como ela é – boa ou má. Reflito também no que ela sugere de confiança. De que há um hoje para vir. Uma nova jornada que começará daqui pouco, e da qual apenas interessa saber o essencial. O resto, far-se-á de experiência. Afinal, hoje é dia de viagem. Como foi ontem. E amanhã também.
Toca-me fundo esta quietude feita de confiança e entrega. Ainda viva no seu coração de menino. Esta atitude livre de roteiros e guiões pré-concebidos. Uma disponibilidade descomprometida com o que está para vir. A hospitalidade para com o novo. O desconhecido. O prazer da viagem pela viagem.
Ocorre-me o paralelo com o tempo de Advento que agora terminámos. Antecâmara de uma caminhada outra. Mais longa. Mais profunda. Contenho a custo a lágrima que se esgueira clandestina. Assim eu soubesse viajar como o meu filho Vasco. E perguntar ao Pai, sem medo: E hoje, onde vamos hoje?
Luis Castanheira Pinto é licenciado em economia, tem-se dedicado às questões do conhecimento, aprendizagem e desenvolvimento de competências e trabalha no Banco Mundial, em Washington DC (Estados Unidos). É casado e pai de três filhos. Viveu anteriormente no Porto, Lisboa, Bruxelas e Copenhaga.