
“Tanto que a geração mais nova tem para dar e incentivar a mais velha; mas sem dúvida alguma que a geração mais velha tem tanto para acrescentar à mais nova!” Foto © Pixabay.
Sonhar?! Sonhos! Uns realizam-se, outros não, mas um homem sem sonhos é um homem pobre, sem visão, sem propósitos. Muitas pessoas têm a ideia de que sonhar é algo somente para os jovens, talvez porque naturalmente têm ainda muito tempo para viver. Mas será isso verdade?! Será possível sonhar na velhice? Entrar na velhice é parar de sonhar, projetar e avançar? Ou o que o impede ou lhe diz que não pode sonhar?
Espero chegar a essa fase da vida, e agora talvez lhe pareça uma sonhadora sem ter os pés no chão, mas acredito que é possível sonhar na velhice.
A nossa vida é como as quatro estações do ano: é composta por fases que têm início no ventre materno até à idade avançada. Então, em cada fase há algo para vivenciarmos e descobrirmos o nosso papel nela. Se pensarmos bem, em cada estação do ano o nosso vestuário não é o mesmo, bem como a nossa alimentação. Há uma necessidade natural e que nos é intrínseca de sabermos viver conforme a estação em que estamos para nos sentirmos bem e satisfeitos.
Deste modo, é preciso viver também da melhor maneira a estação ou fase da velhice. Não é ignorar as limitações e problemas com que ela se nos apresenta, mas também, por mais difícil que seja alguma situação, não podemos deixar-nos consumir por ela. Fico muito triste quando vejo alguns idosos que ainda vivos já fizeram o seu funeral. Vivem como já estando mortos, sem esperança, com sentimentos de inutilidade.
Em conversa com diferentes gerações, compreendo cada vez mais a necessidade da comunhão que tem que haver entre elas, a começar dentro de cada lar.
Tanto que a geração mais nova tem para dar e incentivar a mais velha; mas sem dúvida alguma que a geração mais velha tem tanto para acrescentar à mais nova!
A última estação da vida não é o fim em si, e é para ser vivida da melhor maneira. Recordo duas mulheres de idade muito avançada, com problemas de saúde, com pouco para o seu dia a dia e com mais detalhes que serviriam de tropeço para serem felizes; no entanto, elas ensinaram-me que nada disso é impedimento para sonhar na velhice, apenas tiveram que perceber o que podiam ainda fazer, o que tinha que ser mudado, estratégias a alterar e aceitar, agarrando com alegria e empenho um novo papel a desenvolver dentro das suas casas e família, na igreja e na sociedade. Lidavam com a saudade de maneira saudável, falavam do seu passado mais triste e mais risonho como pérolas de enriquecimento no seu caráter e em tudo o que elas eram. Mas o que mais me impressionou numa delas e me inspirou foram as lágrimas constantes de gratidão a Deus e o sonhar nesta fase por algo que ela tanto desejava e que em parte conseguiu ver e desfrutar. Concordo que a fé genuína em Jesus Cristo foi combustível para ela, razão para escolher viver feliz, mesmo com as características próprias da sua velhice. O seu corpo envelheceu, mas não a sua alma, e tão pouco a sua fé e a capacidade de sonhar.
Estes exemplos e outros mais levam-me à Bíblia e a pensar como é tão atual: nela encontramos Isabel e Zacarias, que durante anos desejaram um filho e tinham pedido a Deus um milagre face à esterilidade dela. Eram agora um casal em idade avançada, que já tinham colocado de lado a ideia de serem pais. Certamente a idade, o muito tempo de espera, a saúde ou a falta dela faziam deles um casal que de maneira alguma reunia condições para continuar a sonhar com um bebé. Eram conhecidos por tal infortúnio, talvez fossem alvo de olhares de pena e, da parte de alguns, possivelmente com juízo como se fosse um castigo. Mas inesperadamente, foram surpreendidos com o que sempre sonharam. Precisamente na velhice, Deus reavivou e restaurou o sonho deste casal. A Bíblia não diz que eles estavam cheios de saúde, de forças, de dinheiro, de amigos; apenas refere que Deus ouviu as suas orações quando eram mais novos e, contra todas as expectativas humanas e da ciência, na velhice voltaram a sonhar e foram convidados a abraçar o projeto divino. São estes os pais do tão conhecido João, o Batista. Uns podem dizer: como é isso possível? Por isto é que Deus é quem é, simplesmente Deus. O que isto me ensina é que não há uma idade própria para sonhar; logo, na velhice é possível continuar a sonhar e alcançar. A velhice é uma estação singular na qual permanecemos úteis; logo, somos necessários e podemos contribuir com o nosso derradeiro melhor que é fruto de uma longa experiência de vida.
E para terminar, o que mais me emociona é lembrar outros exemplos que no fim desta estação tão preciosa, já no leito da morte, onde os seus corpos sucumbiam, tinham nos seus olhares brilhantes o reflexo da sua alma e deles brotavam lágrimas de alegria e ansiedade por irem ver Aquele a quem sempre amaram, em quem sempre acreditaram e com quem sempre sonharam encontrar-se: Jesus. Sim, isto é o que de precioso e diferenciador tem o cristianismo. O cristão sonha até ao fim.
Isabel Ricardo Pereira é missionária evangélica; contacto: isabeljose@sapo.pt