
“Sobrevivemos, porque tantas pessoas boas no mundo estão unidas a nós em orações, pensamentos e generosidade”, afirmou chefe da Igreja Greco-católica Ucraniana, Sviatoslav Shevchuk. Foto © Mathias P. R. Reding / Pexels.
A pouco mais de duas semanas de se completar um ano sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, o chefe da Igreja Greco-católica Ucraniana e arcebispo de Kiev, Sviatoslav Shevchuk, e o núncio apostólico no país, Visvaldas Kulbokas, foram desafiados a explicar, numa conferência online promovida pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) nesta quarta-feira, 8 de fevereiro, como tem sido possível sobreviver, durante todo este tempo, à guerra. A resposta foi unânime: com base na solidariedade, na esperança… e em milagres.
“Eu não sei como sobrevivemos até agora… É um milagre que ainda estejamos vivos!”, começou por afirmar Sviastolav Shevchuk. “Mas consigo encontrar algumas pistas – continuou – Sobrevivemos, porque tantas pessoas boas no mundo estão unidas a nós em orações, pensamentos e generosidade”.
Visvaldas Kulbokas concordou: “Numa guerra como esta, tudo o que se faz do ponto de vista material é muito importante, mas todo o tipo de ajuda tem também um aspeto espiritual, que significa proximidade, empatia, amor”.

Mais de 70 jornalistas de todo o mundo e colaboradores da Fundação AIS participaram na videoconferência.
A Igreja tem permanecido no terreno e feito um esforço para se organizar de forma a apoiar o maior número de pessoas possível, explicaram os responsáveis religiosos aos mais de 70 jornalistas de todo o mundo e colaboradores da Fundação AIS que participaram na videoconferência. Exemplo disso é o facto de terem sido importados oitocentos mil geradores elétricos para a Ucrânia no ano passado. “Sabemos que a maior parte deles foi pelas Igrejas”, assinalou o núncio apostólico.
Kulbokas sublinhou que grande parte da população tem enfrentado fome e escassez de bens. “Quando levamos pão, as pessoas começam a comer logo ali. Há falta de pão, há falta de água. Em alguns sítios, como Mykolaiv, as pessoas não têm água sequer para lavar as suas roupas”, contou.
Mas as pessoas “precisam não só de comida e roupas, precisam de uma palavra de esperança”, contou com indisfarçável comoção o arcebispo de Kiev. Por isso, “primeiro que tudo estamos a tentar ajudar as pessoas a resistir, encontrar força interior e resiliência para sobreviver e lutar… e encontrar algum sentido em situações que não fazem sentido nenhum”, sublinhou Shevchuk.
Padres deprimidos e torturados

Pai despede-se da sua família na Ucrânia. “Quase 80% das pessoas [no país] precisam de ajuda para recuperar de um trauma”. Foto © ACNUR.
Num país onde “quase 80% das pessoas precisam de ajuda para recuperar de um trauma, seja psicológico, físico ou outro”, uma das prioridades é “curar as feridas da nossa nação”, frisou o chefe da Igreja Greco-católica Ucraniana.
Feridas essas que são também partilhadas pelos próprios padres e religiosos, muitos deles “cada vez mais deprimidos”, sobretudo nas regiões onde os ataques são muito frequentes. “Estão cansados de viver quase permanentemente no abrigo”, referiu o núncio apostólico.
Os dois líderes religiosos fizeram questão de lembrar os padres Ivan Levytsky e Bohdan Geleta, que foram levados pelas tropas russas há quatro meses e “continuam a ser torturados todos os dias”. De acordo com o arcebispo de Kiev, “as autoridades militares acusaram-nos de estar a guardar armas nas igrejas. E agora, através da tortura, estão a tentar fazer os padres confessar que são esse tipo de criminosos”.
Sviatoslav Shevchuk explicou que a Igreja tem estado a tentar resgatá-los, mas sem sucesso. Mensalmente, o arcebispo envia ao Papa Francisco uma lista de todos os detidos pelas forças russas de que vai tendo conhecimento e alguns já foram libertados. “Sei que há um plano de troca de todos os prisioneiros entre a Ucrânia e a Rússia, mas até agora não aconteceu”, lamentou.
“Nem todo o mundo é contra esta guerra”

Um tanque destruído numa das ruas de Bucha, na Ucrânia. “É uma pena, mas para sobrevivermos temos de nos defender”, afirmou Shevchuk. Foto © Presidência da Ucrânia.
Poucas horas antes desta conferência, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tinha estado no Parlamento britânico, em Londres, a agradecer o apoio da Grã-Bretanha e a pedir aviões de guerra. Sviatoslav Shevchuk não se esquivou a comentar: “É uma pena, mas para sobrevivermos temos de nos defender. Se tiverem uma ideia de como podemos parar as tropas russas sem armas, por favor digam-nos qual o segredo”, disse aos participantes na conferência, meio a brincar, meio a sério.
Visvaldas lembrou, por seu lado, que quando o Papa ou os responsáveis da Secretaria de Estado falam de armas, mencionam sempre um “uso proporcional”. Além disso, assinalou, a generalidade dos países tem uma força policial que usa armas quando existem situações perigosas. “Não é bem a mesma coisa, mas nunca ouvi a Igreja dizer que a polícia não pode usar armas para defender civis”, afirmou o núncio.
Para Visvaldas Kulbokas, que foi um dos poucos representantes diplomáticos a não ter abandonado o território ucraniano, o que é “chocante” é que “nem todo o mundo é contra esta guerra”, por isso “temos muito trabalho para fazer”, sublinhou.
Até porque têm chegado “notícias preocupantes da linha da frente, de que a Rússia está a escalar a a situação”, partilhou Sviatoslav Shevchuk. E confessou: “não sabemos o que esperar no futuro próximo”.
O chefe da Igreja Greco-católica na Ucrânia assumiu que “a situação está a deteriorar-se especialmente do ponto de vista humanitário” e as necessidades de ajuda não param de aumentar, sobretudo porque “a Rússia destrói as infraestruturas críticas”, deixando uma grande parte da população sem acesso à eletricidade, por exemplo. “Na semana passada, a grande cidade de Odessa esteve quase quatro dias num apagão total”, referiu Shevchuk.
Ainda assim, os líderes religiosos mantêm viva a esperança de que a guerra possa terminar em breve e dizem assistir, diariamente, a “pequenos milagres”. “Ninguém morreu de fome ou frio na Ucrânia”, assegurou o arcebispo de Kiev. Mas “será que vamos sobreviver até amanhã?”, perguntou. Ninguém se atreveu a responder.