
Edgar Silva, coordenador do PCP-Madeira, na entrevista para a reportagem “Livrai-nos da guerra”, 9 Janeiro 2020.
«‘Vendaval de utopias’. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP.» Este é o tema da tese de doutoramento de Edgar Silva, antigo padre e actual coordenador regional do Partido Comunista na Madeira, cargo para o qual foi reeleito no final de Fevereiro.
O tema é tratado no âmbito do Programa Interuniversitário de Doutoramento em História: mudança e continuidade num mundo global (PIUDHist). Em entrevista, em Janeiro de 2020, para a reportagem Livrai-nos da Guerra, que passou na SIC, Edgar Silva recordava a fundamentação teórica da “mão estendida aos católicos” que uma corrente dominante no PCP, com Álvaro Cunhal à cabeça, defendeu durante décadas. “A partir do início do século, o pensamento de Lenine fundamenta toda a ideia do diálogo com os chamados católicos progressistas, no respeito pelas diferenças”, dizia Edgar Silva.
Essa ideia da “mão estendida aos católicos”, em Portugal, é aprovada pelo PCP a partir da década de 1930, e tem também paralelos em Itália, por exemplo, onde sectores católicos chegaram “a institucionalizar e configurar alianças políticas e soluções de governo”.
Essa tese, explicava Edgar Silva, pretendia ver “nos sectores católicos que procuram o progresso, a defesa dos direitos e uma sociedade mais humana, os aliados privilegiados” do PCP.
O discurso do encontro entre católicos e comunistas, analisava ainda o investigador e político, foi depois contrariado em vários âmbitos. Fátima foi um deles, embora também aí com sinais contraditórios: na carta que o então bispo do Porto António Ferreira Gomes, escreveu ao cardeal Cerejeira, patriarca de Lisboa, em 1968, ainda do exílio, ele manifestava-se muito crítico da “instrumentalização” da religião.
“Houve situações abusivas em que o religioso foi um instrumento útil não só para o regime, mas para alimentar medos, para dar alento a preconceitos. A ideologia do medo teve também ali a partir de Fátima, no universo do anticomunismo, um enquadramento em que essa instrumentalização do religioso aconteceu de forma muito nítida”, considerava o investigador.
Mas Fátima também não era um “processo homogéneo unilateral” e também há factores que se reverteram contra a ditadura do Estado Novo: “O regime a determinada altura receou a palavra que ecoava a partir de Fátima pela paz e contra a guerra”, analisava Edgar Silva na entrevista referida. “As sequelas da guerra [colonial] tiveram em Fátima um eco enormíssimo, um lugar de clamor, de imploração, até de desespero face às atrocidades” que ela provocava, “e isso era extremamente incómodo para o regime”.
O lugar também se apresenta como local de reunião: em 1957, uma delegação de comunistas encontra-se com jovens operários católicos que se reúnem para debater o sentido de falar dos problemas do trabalho “e na preparação de uma intervenção num encontro internacional sobre os problemas do trabalho e dos trabalhadores portugueses”.
A tese de Edgar Silva foi orientada por Paulo Fontes, professor auxiliar da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa. O júri será presidido por José Manuel Pereira de Almeida, vice-reitor da UCP. Além do orientador, integram o júri os professores António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Maria de Fátima Ferreira, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho; Bruno Cardoso Reis, do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa; José Miguel Sardica, da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa; e Maria Inácia Rezola, professora adjunta da Escola Superior de Comunicação Social do Politécnico de Lisboa, que será uma das arguentes, com Bruno Reis.
A sessão de prova pública terá lugar a partir das 11h na Sala de Exposições do edifício da Biblioteca Universitária João Paulo II, na Universidade Católica.