Elas querem o “direito à palavra” e este movimento “não fez mais que começar”

| 29 Ago 2020

mulheres toutes apotres, Foto Twitter Anna Cuxac

Da esquerda para a direita: Loan Rocher, Marie-Automne Thépot, Anne Soupa, Hélène Pichon, Laurence de Bourbon-Parme, Sylvaine Landrivon e Christina Moreira. Foto: Twitter de Anna Cuxac.

 

Têm bispos e padres a apoiá-las; querem ter o direito à palavra, a lugares até agora inacessíveis às mulheres. Para isso, apresentaram candidaturas ao episcopado, presbiterado ou diaconato. E também há quem queira ser embaixadora da Santa Sé ou pregadora leiga. Nesta manhã de sábado, 29, continuam a agitar as águas, com um debate em vídeo-conferência.

 

“O que eu quero é o direito à palavra.” Laurence de Bourbon-Parme é uma das sete mulheres que se apresentaram como “candidatas” a lugares na Igreja Católica. Não têm ilusões sobre a ausência de efeitos imediatos do seu gesto, mas acreditam que ele fará agitar as coisas. “Nós não esperávamos nada da instituição, ela é tão fechada sobre si mesmo… Nós continuaremos, temos muitas mulheres que querem ser candidatas, este movimento não fez mais que começar”, garante, em declarações ao 7MARGENS.

Na manhã deste sábado, 29 de Agosto, Laurence de Bourbon será uma das sete mulheres francesas que participarão num vídeo-debate sobre como “encorajar as mulheres a libertar a sua vocação”. O debate, entre as 9h30 e as 11h (hora de Lisboa) pode ser acompanhado na página do movimento Voices of Faith (Vozes de fé), que defende o acesso das mulheres aos ministérios de serviço no catolicismo. O debate decorre em francês, com traduções ao vivo em inglês, alemão, italiano, espanhol e polaco.

Casada, depois divorciada (continua sozinha), e com três filhos (45, 40 e 30 anos) e quatro netos, Bourbon-Parme apresenta-se na sua página no Facebook como “terapeuta da alma, escritora e conferencista”. É a única das sete que não se candidata a um cargo, mas unicamente a ter “direito à palavra”: “Peço que a palavra seja dada às mulheres. Jesus, nosso Senhor, não falou só aos homens. Ele também falou às mulheres e disse a Maria Madalena: ‘Vai encontrar meus irmãos para lhes dizer…’ Já sou ensinante espiritual a partir da mensagem de Jesus e, no meu caso, o que quero é ser reconhecida como pregadora laica, enquanto as outras querem um título.”

 

Teólogas, terapeutas, comediante, diplomata…

O cartaz da sessão deste sábado, com Sylvaine Landrivon, Laurence de Bourbon-Parme, Hélène Pichon e, em baixo, Marie-Automne Thepot, Claire Conan-Vrinat, Loan Rocher e Christina Moreira.

 

Façam-se, então, as apresentações: Sylvaine Landrivon nasceu em 1956 e já é avó. Teóloga, os seus vários livros abordam sobretudo o lugar das mulheres na Bíblia, nos primeiros séculos cristãos e na Igreja. Candidata-se a bispa: “Quando a Igreja de Cristo vacila, seria cobarde, da parte da metade do Povo de Deus que é constituída pelas mulheres, continuar em silêncio e subordinação.”

Christina Moreira, espanhola, que viveu largos anos em França, reclama ter sido ordenada por uma bispa em 2015, que teria sido ordenada por outro bispo, a condição do ritual católico para que a ordenação seja válida. A ordenação foi fruto de um discernimento de mais de 25 anos, diz, candidatando-se agora a responsável por uma paróquia: “Devo dar prioridade absoluta a obedecer ao apelo de Cristo para servir à sua mesa, para invocá-lo na assembleia, proclamar o seu evangelho e disponibilizar-me para dispensar aos meus irmãos e irmãs os sacramentos necessários para uma vida em Igreja.”

Marie-Automne Thepot, 42 anos, estudou Ciência Política em Sevilha e fez um ano de cooperação no Peru, trabalhando agora na área da inovação social no município de Paris: “Diante do medo e ao afastamento uns dos outros, estou convencida de que as portas, janelas e a governação da Igreja devem ser abertas.”

Hélène Pichon, 51 anos, franco-suíça, trabalhou como diplomata em vários países e, desde 2011, é directora de relações institucionais num centro de estudos e prospectiva estratégica. Quer ser núncia apostólica, uma ideia que lhe nasceu aos 14 anos quando, em 1984, foi numa excursão da escola em Roma, ficando alojada ao lado de uma embaixada. “Pensei que queria contribuir para a diplomacia, o diálogo inter-cultural e inter-religioso”, recorda.

Hoje, encara essa possibilidade também a partir de fundamentos bíblicos: “O papel do enviado do Espírito Santo existia muito antes do clero: os doze companheiros de Jesus e Maria Madalena não eram padres, e Pedro casou-se!” Além disso, o modo como vê a função – exercida apenas por homens e clérigos porque o clero assim decidiu, porque nada assim o determina – é o de proclamar a “palavra de amor e vida” do evangelho dando “conta da esperança” que tem e sendo “a encarnação da mensagem de Jesus para um mundo fraterno e pacífico”.

Claire Conan-Vrinat fez estudos de psicologia e teatro, e chegou a trabalhar dez anos como comediante; hoje, desempenha funções de consultora e faz pesquisa na área da psicologia social. Apresenta-se como candidata a mulher diácono: “Coloco os meus passos nos de Maria de Magdala, pois estou convencida de que ser apóstolo não é uma questão de género.”

Também Loan Rocher, nascida em 1956, de origem indo-vietnamita, trabalha como terapeuta em energética taoista há 40 anos e de psicoterapeuta espiritual há 23. Assume o mesmo objectivo de ser diácono, depois de se ter afastado do catolicismo na adolescência e ter regressado aos 30, estando ligada a várias comunidades crentes e apoiando espiritualmente os detidos de uma prisão. Mas quer trazer também a questão transgénero para esta causa, pois foi designada como homem à nascença, mas fez a transição há 12 anos e vive agora a sua vida como mulher, ao nível pessoal, profissional e espiritual “ao máximo”: “Quero abrir incondicionalmente as portas da Igreja Católica. Assim seguiremos o caminho de Jesus, que nos ensina a amar sem limite.”

 

“Dar voz às mulheres”

Ilustração © Catarina Soares Barbosa para o 7MARGENS.

 

Este movimento, como o 7MARGENS noticiou, iniciou-se há um mês, quando, no dia 22 de Julho, que a liturgia católica consagra a Maria Madalena, decidiram anunciar as suas candidaturas, através de documentação enviada ao núncio apostólico em França, para lugares que, na Igreja Católica, estão reservados aos homens.

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Mas, na origem do gesto, há outra mulher – e, indirectamente, um cardeal: quando o arcebispo de Lyon, Philippe Barbarin, se demitiu depois de ter sido acusado e absolvido num caso de ocultação de abusos sexuais de um padre de Lyon, a teóloga Anne Soupa decidiu propor a sua candidatura ao lugar: escreveu ao núncio a dar conta disso mesmo.

Para o efeito, enviou ao embaixador do Vaticano uma profissão de fé e um programa de acção para a diocese de Lyon, além de uma biografia. Biblista, Anne Soupa é presidente do Comité de la Jupe (Comité da saia), que se coloca na perspectiva da igualdade entre homens e mulheres no seio da Igreja. É também autora de vários livros publicados por editoras católicas, em que aborda questões bíblicas ou relacionadas com o lugar das mulheres na Igreja – como Dieu aime-t-il les femmes? (“Deus ama as mulheres?), de 2012, ou Douze femmes dans la vie de Jésus (“Doze mulheres na vida de Jesus”), de 2014.

O movimento Voices of Faith convidou Anne Soupa para intervir numa vídeo-conferência no início de Agosto, sobre a questão do papel das mulheres na estrutura católica. Tendo feito uma avaliação positiva da iniciativa, fez um convite semelhante às sete.

Hélène Pichon tem claros os objectivos da candidatura e da iniciativa deste sábado: “Dar voz às mulheres que se sentem chamadas a uma missão espiritual e criar uma ocasião para debater” estas questões, diz, em entrevista telefónica ao 7MARGENS. “Jesus nunca teve a intenção de dar à luz uma governação espiritual exclusivamente masculina que excluísse metade da sabedoria e inteligência disponíveis para a humanidade, proibindo as mulheres”, acrecsenta.

Laurence de Bourbon-Parme também se situa na mesma perspectiva: “Quero mostrar que nós, mulheres, somos capazes de poder falar da mensagem de Jesus. Eu falo com o meu coração e com o meu corpo e, quando leio o evangelho, sinto-o e integro-o também na minha vida concreta e na vida das pessoas.”

Hélène Pichon foi sentindo a Igreja a “perder gradualmente o respeito” por causa da forma como lidou com os abusos, o que “sublinha um estado de maldade no sentido patológico da palavra”. E a instituição obedece agora “a uma lógica política, em vez de espiritual, nas suas várias escolhas”.

 

“As mulheres estiveram sempre lá”

A Última Ceia de Jesus celebrada também com mulheres, na visão do polaco Bohdan Piasecki (1998).

 

A candidata a núncia advoga que, “no sacrifício supremo no altar do Calvário, foram as mulheres que estiveram ao lado de Jesus, com uma honrosa excepção. E, na manhã da ressurreição, não foi aos homens, mas às mulheres, que Jesus escolheu aparecer primeiro, referindo especificamente Maria Madalena com a honra de proclamar o princípio central e mais profundo da fé cristã: Cristo ressuscitou.” E foi com estas perspectivas que Pichon publicou L’Éternel au Féminin (“O Eterno no Feminino – Manifesto para uma nova Teologia da Libertação”).

Maria Madalena é também o nome que Laurence de Bourbon-Parme invoca. Autora de três livros de espiritualidade, nos quais reflecte as mensagens que entende que Deus e Jesus lhe enviam através da sua vida, a candidata a pregadora laica dedicou o último à figura e ao ensinamento da “apóstola dos apóstolos”: Moi, Mariammé é o título, para dizer que o seu nome seria egípcio e significa “amante da luz”. Por isso, Madalena tem muito a dizer “às mulheres e ao feminino dos homens, no sentido de ajudar a “salvar a humanidade”.

Nos outros dois livros – Comment Attendre le Secret de Dieu? (“Como esperar o segredo de Deus?”) e Dialogues Avec L’Invisible (“Diálogos com o invisível) fala do percurso da sua vida pessoal e espiritual e das mensagens que tem recebe de Deus para a sua vida, depois de há mais de 40 anos frequentar a intensa leitura dos evangelhos e a sua reflexão.

Apesar disto, Laurence de Bourbon-Parme sente-se distante da Igreja. “Sou de obediência católica, gosto de ir à igreja, mas não sou praticante. Não me agrada a Igreja actual, que é demasiado impositiva ainda e que não vê o lado da ressurreição” que o evangelho propõe, diz. Em algumas perspectivas sente-se mais próxima dos ortodoxos, que acentuam muito mais a dimensão da ressurreição.

 

Os bispos que querem debater… o modelo de ser bispo

Freiras do Mosteiro de Fahr (Suíça), pedindo o direito de voto para as mulheres na Igreja Católica. Foto: Direitos reservados

 

Apesar do ineditismo da proposta, as sete têm recebido apoios implícitos ou expressos ao seu gesto. Mas houve um episódio importante: uma semana depois da apresentação da candidatura, Sylvaine Landrivon recebeu uma carta anónima com ameaças de morte. Foi o suficiente para que o núncio do Vaticano em Paris, Celestino Migliore, telefonar a quatro das sete integrantes do colectivo a dizer que em Setembro as receberia.

Hélène Pichon encara essa atitude como positiva, como uma forma de assumir o diálogo e sair da desconfiança. Apesar de nem ela nem Laurence de Bourbon-Parme terem sido contactadas pela nunciatura, dizem que também não deixaram o seu telefone no dossiê. Por isso, talvez liguem na próxima semana, mas ainda aguardam uma clarificação do que pode acontecer.

O arcebispo de Poitiers, Pascal Wintzer, afirmou ao La Croix no final de Junho que “seria grave não tomar seriamente” os argumentos da candidatura de Anne Soupa. Deve reflectir-se se o presbiterado é necessário para a governação e repensar o ministério de bispo, defendia.

Também o presidente da Conferência Episcopal Francesa, Eric de Moulins-Beaufort, admitiu, numa outra entrevista citada pelo La Croix, que chegará o dia em que as mulheres poderão integrar o colégio de cardeais ou ser diáconos; tal como o veto à possibilidade de elas poderem votar nos sínodos o deixa “estupefacto”.

Há dez dias, foi o arcebispo de Hamburgo (Alemanha), que defendeu um debate aberto sobre a ordenação de mulheres na Igreja Católica. E também o bispo austríaco de Gurk-Klagenfurt, Josef Marketz, disse que ficaria “feliz” se houvesse mulheres ordenadas.

“Estamos muito contentes. Tem havido muito boas reacções de padres, bispos e cardeais, diz Laurence de Bourbon-Parme. “As coisas não irão mudar agora, mas a ideia é agitar o debate.” E Hélène Pichon acrescenta: “Acredito que uma Igreja transformada, oferecendo uma liderança inspirada pela necessária e respeitosa fusão do sagrado masculino e feminino, pode e será um bálsamo para si mesma – e para o nosso mundo fragmentado.”
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