
A conferência de Emmanuel Falque em Braga será apresentada por Andreas Lind e João Paulo Costa.
“Atravessar o Rubicão: Filosofia e Teologia, para onde vamos?” À interrogação procurará responder o filósofo e teólogo francês Emmanuel Falque na conferência que profere em Braga, no Espaço Vita, no dia 30 de Maio, às 21h30, depois de ter estado em Coimbra no dia 26, numa conferência dedicada ao seu pensamento.
Professor no Institut Catholique de Paris, Emmanuel Falque “tem desenvolvido a sua obra como uma síntese da teologia medieval e da fenomenologia contemporânea”, como refere a nota sobre a conferência, que será apresentada em Braga por Andreas Lind e João Paulo Costa.
Emmanuel Falque, que co-dirigiu o livro O Papa Francisco Como Filósofo (ed. Tenácitas) concedeu ao jornalista Javier Rubio, chefe de redacção do ABC Sevilha, uma entrevista, que João Paulo Costa, investigador na área de filosofia e autor de À Sombra do Invisível, que a traduziu, considera como “uma excelente introdução e síntese de uma parte do pensamento filosófico-teológico de Emmanuel Falque, tocando nos principais pontos e teses do seu projecto filosófico e da sua obra publicada”.
Na entrevista, escreve Javier Rubio, “o filósofo francês revê alguns dos conceitos-chave do seu pensamento sobre a finitude do homem, a ressurreição e o amor erótico/Eucarístico”.
Nascido em Neuilly-sur-Seine, em 1963, Emmanuel Falque “é hoje um dos mais reconhecidos especialistas na noção teológica da finitude, o elemento comum a todos os homens, qualquer que seja o seu credo, uma vez que todos nós iremos experimentar a morte”, refere Rubio. Apesar de ser “perito em filosofia medieval, a sua viagem de descoberta levou-o de São Boaventura – em que baseou a sua tese de doutoramento – a São Tomás de Aquino e ao diálogo com a cultura secularizada do nosso tempo”.
A partir daí, escreve ainda o entrevistador, Falque desenvolveu, a partir do campo da fenomenologia, “uma teologia original sobre o corpo e o poder que o amor representa, estabelecendo uma comparação ousada entre o dom do próprio corpo feito pelos cônjuges na união carnal e o dom da Eucaristia do Esposo à sua noiva, a Igreja. A noção de ressurreição dos corpos também não é deixada de fora da sua investigação”.
Juan Rubio parte de um caso pessoal – a morte, há dias, de um amigo, professor de física teórica, “a quem a noção de infinito o ocupava tanto que o impediu de avançar na assunção de uma fé transcendente” – para iniciar a entrevista perguntando se a ideia de Deus como Infinito é um obstáculo à fé nos nossos dias.
“Esta pergunta está na origem do meu primeiro livro, Atravessar o Getsémani, porque perdi dois amigos, um num acidente de carro e outro que se suicidou, e fiz a mim próprio a mesma pergunta”, responde Falque. “O teu amigo bloqueava não porque era finito mas porque é humano e essa é a primeira questão do filósofo. Quando falas de finitude, pressupões que há infinitude. Quando falas do homem, pressupões que ele é uma parte de Deus ou que lhe pertence. A finitude não tem opostos, é o horizonte da existência. Finitude é o que nós homens temos em comum, a angústia da morte, como em São Tomás de Aquino, na sua Summa contra gentiles onde procurou algo em comum que ele chamou a razão que poderia unir muçulmanos, pagãos e cristãos. E graças a essa razão pôde expressar revelação aos gentios. Esta Summa deve ser reescrita a seu favor e não contra eles.”
Pensar na morte como um fim faz sentido
Para o filósofo francês, está em causa que o cristianismo deve partir do que ele chama “homem enquanto tal [tout court], daquilo que temos todos em comum”. E acrescenta: “Pensar na morte como um fim, como filósofo, faz sentido. O cristianismo de hoje é alimentado por uma revelação transcendente imposta de cima. No caso dos discípulos de Emaús, há dois momentos: primeiro passam sem o reconhecerem e depois, quando o reconhecem. É também muito importante manter esse momento em que eles caminham enquanto homens com Cristo, porque Deus se tornou homem, é preciso passar pelo homem para chegar a Deus.”
Esse momento da fracção do pão, da comunhão, um “momento do corpo”, “revela que Cristo experimentou a nossa finitude e adopta o nosso corpo a fim de o transformar.” A frase “Isto é o meu corpo” não é “apenas a fórmula eucarística, mas a forma erótica entre os cônjuges”, acrescenta.
Rubio pergunta depois pela comparação entre a “doação do corpo de cada cônjuge no acto conjugal e a doação do corpo de Cristo ao seu corpo místico, que é a Igreja”. Falque insiste: “Não basta dizer que Cristo assumiu o nosso corpo, mas mostrar como Cristo transformou a finitude ou o nosso corpo. Uma questão muito importante na minha hipótese não é apenas o homem como tal, mas também a metamorfose. Cristo na cruz dizendo ‘Tudo está consumado’, que em grego é tetelestai e que em Ésquilo pode ser traduzido como ‘Eu cheguei até ao fim’, é o que Cristo também experimentou. Charles Péguy pode assim dizer que ‘se Cristo não morreu como eu, não ressuscitarei como Ele’. Tem de ser uma morte real, basta nascer para morrer. Cristo ensina-nos que devemos sempre recorrer a outro. A morte é a consequência do pecado, mas a verdadeira morte é fechar-se sobre si mesmo.” E conclui, retomando o caso do entrevistador: “É por isso que Cristo se dirige ao Pai [perguntando] ‘porque me abandonaste’ e podes dizer que o teu amigo professor de física estava certo.”
A humanidade deixou também de estar interessada nas últimas perguntas, propõe Rubio. O filósofo cita o seu livro Metamorfose da Finitude, onde o capítulo “Existe um drama de humanismo ateu” se refere a Henri de Lubac. De Lubac tem o mérito de se questionar sobre o “mundo do seu tempo como São Tomás de Aquino, de saber sobre o comunismo de Karl Marx, o niilismo de Nietzsche e o inconsciente de Freud”, sugere Falque, e que Du Lubac “interpreta o ateísmo como um drama”.
“Mas agora evoluímos”, propõe. “Estamos numa situação muito mais difícil, porque o ateísmo é agora coerente e não virulento. Aqueles que não acreditam em Deus não são necessariamente contra Deus. Não é que eles não acreditem, é que eles pensam que não precisam de acreditar. É necessário encontrar a comunidade humana, o homem enquanto tal, a finitude, para ensinar que o cristianismo encontrou sentido nessa comunidade humana.”
O problema é “onde está Deus”

Emmanuel Falque confessa não professar “uma apologia da conversão porque não se trata de um problema do homem mas de Deus”. E explica: “O meu problema como filósofo é descobrir que Deus encontre as palavras para encontrar-se com o homem. O problema hoje em dia não é tanto saber o que é Deus, como para Tomás de Aquino, ou quem é Deus, como Nietzsche perguntou, ou como é Deus, como se questiona a fenomenologia, mas sim onde está Deus.”
Há espaço para falar de Deus a partir da fenomenologia, acredita o pensador francês. “A utopia de Deus é a ausência de espaço para falar de Deus. O meu trabalho é mostrar que o cristianismo não só é plausível como é realmente credível. O que significa compreender o cristianismo mesmo que não se acredite nele.” E referindo-se aos jovens, diz que para as gerações mais novas, “as aparições do Cristo ressuscitado são como Harry Potter caminhando através de um muro”. E explica: “O absurdo de ir com ele no caminho para Emaús, mas não o reconhecer. Precisamos de repensar a morte como finitude e a ressurreição como nascimento e a Eucaristia como corpo e eros para trazer os dogmas cristãos de volta à experiência. Não consigo compreender o que é a ressurreição a menos que volte a essa questão de Nicodemos. É preciso desenvolver uma fenomenologia do nascimento, o que significa nascer para desenvolver uma teologia da ressurreição, o que significa renascer.”
No seu livro As Bodas do Cordeiro, Falque escreve: “O erótico tem lugar na proximidade com o eucarístico”. Uma ideia que o filósofo explica a partir da fórmula eucarística: “Na consagração, o sacerdote recita: ‘Isto é o meu corpo.’ O que é próprio do amor não é apenas um corpo que emprega uma força, mas uma força que procura um corpo. O amor é uma força que faz um corpo, não é o corpo que faz amor.
A ideologia de género merece-lhe também um comentário. Falque opõe-se aos princípios que a moldam e na entrevista explica porquê: “O amor não é apenas amar a diferença, mas também diferenciar. Querer o outro é torná-lo cada vez mais diferente de mim. A ideologia do género é uma objecção a esta tese porque argumenta que não há diferenças.”
Para o filósofo, “a diferença sexual, a diferença homem-mulher, é muito importante: temos de voltar a Freud e pensar que não se trata apenas de diferença genital”. E conclui: “A Igreja tem de dialogar com esta mudança de cultura, compreender que se o amor é o acto de diferenciar, ele é válido para homens e mulheres, mas temos de nos interrogar sobre o significado dessa diferença. Na Eucaristia, há um acto de diferenciação, quando se recebe o corpo de Cristo, ele não me chama para ser Deus mas a ser homem. Através de Deus serei mais homem porque Ele me criou. Deus é mais Deus quanto mais homem eu sou. Devemos voltar a São Tomás com a ideia de criador e criatura, e este acto de diferenciação é o amor. Neste sentido, o amor não é apenas antropogénico, tornar-se homem, mas teogénico, tornar-se Deus.”