“Apenas o olhar daqueles que escolhestes
Nos dá o Teu Sinal entre os fantasmas”
(Sophia de Mello Breyner)

Inicio de dia no Campo da Graça, na manhã de 6 de agosto de 2023, último dia da JMJ Lisboa 2023. Foto © Sebastião Roxo/JMJ 2023.
O fortíssimo impacto da JMJ, fazendo-me pensar repetidamente em duas expressões que no seu âmbito foram proferidas, levou-me a escrever este texto, promessa de colaboração com o 7MARGENS setenta vezes adiada…
Acedo, através dessas duas expressões, ao que vejo como o problema de base da Igreja Católica, tão interessante quanto profundo, e que a JMJ obriga a enfrentar. Por tudo o que foi a Jornada, mas em especial pelas repetidas afirmações do Papa sobre “o que a Igreja é”.
Afinal, que instituição é esta, a Igreja (Católica)? E… a Igreja Católica tem de ser uma instituição?
Declaração de interesse: sou historiadora de profissão e sou católica. A primeira parte deste texto é essencialmente histórica: tento que a minha religião influencie ao mínimo a minha profissão, reconhecendo embora que tal tem limites. A segunda parte é “mística” (“como as tostas”, brincar-se-ia num retiro de jovens…) – gosto que a minha profissão me ajude a ver a minha religião em perspetiva.
“Jesus veio anunciar o Reino, e o que veio foi a Igreja”: o dilema de Loisy… e de todos nós (Loisy, o Reino e a Igreja)

Primeira expressão: “Jesus veio anunciar o Reino, e o que veio foi a Igreja.” Foi escrita por Alfred Loisy (1857-1940), padre católico, biblista e historiador, notável estudioso do cristianismo primitivo e da figura de Jesus. Como é conhecido, os seus escritos foram condenados no âmbito da “crise modernista” e o próprio sofreu pena de excomunhão em 1908. A frase, tirada do seu contexto, torna-se cáustica e irónica, mas tal é injusto para um pensador como Loisy.
Sem podermos entrar em demasiados detalhes, importa dizer que ele escrevia no contexto de vários debates, com teólogos protestantes, sobre a natureza do cristianismo; com toda uma corrente de historiadores, vários deles leigos, sobre a história das primeiras comunidades cristãs; enfim, com biblistas, sobre a forma como Jesus considerara a sua missão e o que dela deveria advir, nomeadamente em torno da noção que aquele teria da “vinda do Reino dos Céus”, em termos de proximidade temporal. Loisy defendia que Jesus acreditava numa vinda próxima, imediata, do Reino dos Céus, com o fim do mundo humano – à semelhança de muitos outros judeus do seu tempo. Além disto, continuando a ler o texto em que se insere a citação, é claro que Loisy não aceitava a versão de uma agregação fundada apenas na conversão interior, e defendia que Jesus tinha anunciado, ainda que de modo vago, uma associação comunitária. Nos seus vários escritos, vai aflorando o que ela seria, e mesmo o que veio a ser, no cristianismo primitivo; mas, sobretudo, fê-lo defendendo a historicidade da instituição, o que via como apenas natural e inevitável; e mesmo, de algum modo, positivo.
Se este processo realmente matizava a malignidade da Igreja que teria vindo substituir-se ao “reino dos céus”, quer dizer também que as estruturas e hierarquias da Igreja do seu tempo (ou de outros tempos históricos), não se podiam entender como imutáveis e intocáveis, porque divinamente instituídas. Quer ainda dizer que as mesmas estruturas deviam e podiam reformar-se. Por fim, outros escritos do autor sobre as primeiras comunidades caracterizaram tempos evangélicos que remetem para uma indistinção entre “clérigos” e “leigos”.
Todos os familiarizados com estes temas sabem bem como estão aqui linhas de pensamento milenar, que ao longo da história da Igreja foram sempre ressurgindo, revestindo-se de diferentes formas concretas. A nostalgia evangélica, a convicção da vinda próxima do Reino dos Céus ou a decisão de implementar na terra “cortes celestiais” – nem todas correram bem, ou, na verdade, quase todas correram muito mal, terminando em banhos de sangue por pressão política ou eclesiástica, desfazendo-se em grupúsculos, ou mesmo autodesenvolvendo-se em estrutura de poder hierárquico e negativamente carismático. Com desfechos menos negativos, a própria Ordem do Santo a quem o Papa Francisco “pediu” o nome – os Frades Menores –, enfrentou grandes cisões internas nos primeiros tempos da sua existência. Uma parte significativa delas residiu na recusa de Francisco em escrever uma regra formal, mais uma vez numa ousada (e utópica?) imitação do Mestre.
Dos “pobres reais” aos “pobres sagrados”

Teria assim sido inevitável uma instituição? E um grupo de “profissionais”, dotados de estatutos, funções e hierarquias bem definidas, seria o garante da sua sobrevivência? Sempre no âmbito da História, invoquemos agora outro grande pensador, talvez o maior historiador vivo do cristianismo primitivo, e seguramente um dos mais argutos dos últimos dois seculos – Peter Brown, professor emérito da Universidade de Princeton.
Peter Brown revolucionou a forma como se vê a transição entre o mundo antigo e o mundo cristão, aliando um profundo conhecimento das fontes a uma viva inteligência interpretativa histórica, alimentada pela formação em antropologia. Pode, assim, percecionar o papel securitário do cristianismo e explicar a função do poder carismático no desenvolvimento dos “santos” dos primeiros séculos, para os quais cunhou o termo de “holy man”. Esta “santidade” era algo de muito diverso da santidade moral, teológica ou institucional definida pela Igreja muitos séculos mais tarde e aplicada anacronicamente. Nos últimos anos, Brown tem-se dedicado a estudar um aspeto essencial da formação da Igreja: o desenvolvimento do grupo cujo trabalho era “rezar”, e que, portanto, devia ser sustentado pela comunidade. O processo teria substituído os “pobres reais” das comunidades primitivas pelos “pobres santos”, ou “sagrados”.
O problema colocou-se à medida que as comunidades cristãs se desenvolviam. Como sustentar pessoas que se dedicam ao serviço da comunidade? A relação com a riqueza dos seguidores de Jesus, tal como este a definira, era – como tantas outras coisas – paradoxal: “Vende tudo e segue-me”. Impraticável? Entra S. Paulo, organizando coletas para sustentar “os pobres entre os santos de Jerusalém” (Rom. 15, 26), e escrevendo laboriosamente cartas para despertar as comunidades para a necessidade de sustentar os Apóstolos.
“Em pouco de um século, c. 150 d. C., estas duas faces do Cristianismo primitivo – os ditos de Jesus e as cartas de Paulo – tinham-se reunido no mesmo cânone da escritura cristã, no Novo Testamento. De um lado, temos um apelo intemporal à renúncia, ligado à promessa do tesouro no céu; do outro, uma correspondência febril sobre a movimentação de dinheiro nas comunidades cristãs. Nas cartas de Paulo, a riqueza não existia para ser objeto de renúncia. Existia para ser usada. Além disso, deveria ser usada tanto para sustentar os líderes religiosos, como para sustentar os pobres entre os santos, em favor dos quais os primeiros apelos de Paulo tinham sido feitos.” (Peter Brown, Treasure in heaven, 2).
Aceitar a riqueza, controlando a bondade do seu uso, tornou-se progressivamente mais importante à medida que o cristianismo se espalhava. Há décadas que Marta Sordi e outros demonstraram que as primeiras comunidades não eram constituídas unicamente por pobres; depois da aceitação do cristianismo como religião do Império, os ricos e as classes altas tornaram-se mecenas das comunidades e amigos/ financiadores / pressionadores dos bispos. Para eles, a questão da riqueza era ainda mais premente. Estando fora de questão “vender tudo”, como podiam salvar a alma? Entra agora Agostinho. demonstra Peter Brown, o bispo de Hipona teve, aqui também, um papel fundamental. Os ricos devem doar à Igreja, a instituição que sabe transformar a riqueza material em riqueza espiritual. O “tesouro dos céus” começou a caminhada da transformação em banco de notas promissórias. E a obsessão cultural do mundo antigo – não só do cristianismo – pela supremacia do espiritual sobre o material, ajudou a que os homens que sabiam fazer esta “magia” fossem cada vez mais tomados como um grupo à parte. Mais, a que se tomassem eles próprios como tal, e investissem as suas inteligências e vontades em reforçar essa natureza. (P. Brown, The ransom of the soul. Afterlife and wealth in Early Western Christianity)
Modelos de relacionamento com o mundo

Cavalgando séculos, cheguemos ao momento tormentoso em que os “bárbaros” e os seus descendentes, os guerreiros dos reinos alto-medievais, “capturaram” a Igreja, prendendo-a no seu mundo, organizado, antes de mais, pela força física e pela importância da materialidade. A estrutura de organização parental e com base no clã apoderou-se da instituição e geriu as suas riquezas, a sua influência e o seu poder em proveito próprio.
Sem nos podermos deter sobre toda a complexidade do processo, passemos à extraordinária resposta que a instituição conseguiu organizar: a chamada Reforma Gregoriana (meados séc. XI-início séc. XIII). Reagrupando forças, fazendo valer o capital que eram as melhores cabeças do seu tempo, apoiando-se nos descendentes dos chefes tribais que se iam convertendo e iam “aprendendo a ser reis”, os clérigos montaram um formidável plano – o nascimento da ecclesia, uma instituição que fazia coincidir o mundo consigo própria – uma instituição que “era o mundo”. Fora da mesma, a eterna perdição. Dentro dela, a influência junto dos santos, nos momentos perigosos que eram o quotidiano dos guerreiros; uma liturgia combatente e mobilizadora; os leigos enquadrados pelos monges, homens santos e longínquos, puros e não “parentes”. Com os geniais abades cluniacenses, a invenção do Dia dos Fiéis Defuntos, a proteção das almas dos “nossos mortos” e a expansão dos sufrágios eucarísticos como meio principal de salvação (em detrimento da ação caritativa). A Europa cobre-se do “manto branco” das igrejas e é imparável o sucesso da instituição, no segundo e muito mais audaz modelo de relacionamento da Igreja com o mundo. Irá repetir-se ao longo da história, sempre em criativa reconversão, em momentos de grande necessidade de defesa da estrutura institucional. Invoquemos os principais: são a “nossa ganga” e é importante que se conheçam.
– Latrão IV, em 1215: o concílio em que vence o medo, face ao protagonismo exuberante, em todo o século anterior, da religiosidade dos leigos, das ordens religiosas novas e das mulheres; a afirmação de princípios excluidores do Outro – judeu, muçulmano, homossexual (correspondendo ao que muitos historiadores chamam “o triunfo da sociedade persecutória”); instituição da confissão auricular, levando à proliferação dos “manuais de confessores”; controlo dos místicos – em especial das místicas – através da teologia do “discernimento dos espíritos”. Triunfo da “monarquia pontifical” e início de uma deriva que deixará enormes danos.
– Trento, correspondendo ao tardio travar dos “danos” da rutura protestante, definindo um mundo cristão sorumbático, dramático, moldado pelo disciplinamento e, mais uma vez, pelo medo do Outro, agora até o irmão cristão; no o sul da Europa, a terrível máquina da Inquisição moldou consciências e gerou medos;
– O século XIX até meados do século XX: após o trauma das revoluções liberais, surge um cristianismo em autodefesa, tanto a nível afetivo, com a proliferação das devoções e das reparações, como, quanto à forma de se relacionar com a imparável novidade, centrado na disciplina, no castigo do modernismo, na escandalosa maior perseguição aos teólogos e historiadores da abertura (como Yves Congar) e aos padres operários, do que aos padres que cometiam abusos sexuais (irmãos Philippe, entre tantos outros)… Um cristianismo muitas vezes cúmplice do colonialismo, na vertigem da “evangelização”, em que a riqueza da Doutrina Social da Igreja ficou muitas vezes em segundo plano.
“A Igreja é de todos; a Igreja somos todos, todos”: que novo modelo de relacionamento com o mundo?

Segunda expressão: “A Igreja é de todos; a Igreja somos todos, todos”: o que quer dizer esta bela frase? No pensamento de Francisco, talvez a voz de um profeta que, a rir, suplica – a sério – ajuda aos jovens. Esperemos que sim, embora a força da instituição seja imensa, e o próprio Papa – é forçoso reconhecê-lo, sob pena de ingenuidade – não seja imune à interiorização de comportamentos e de ambientes. “As sandálias do pescador” são, afinal, um filme, uma fábula. Tocando, de resto, no âmago do problema: a riqueza, o poder. Sem aceitar a desculpa do “bom uso”. Fábula, mesmo?
No pensamento de outros sectores da Igreja: mais uma vez, a Igreja maison-Dieu, que abre as portas a todos? Há algo de “madrinha-lobo mau” neste convite, mas pode ser só desconfiança (legítima). É importante, em especial, após séculos de exclusão baseada em duvidosas e culpabilizantes – mesmo esquizofrenizantes – éticas relativas ao sexo e ao género, mas… Pode ser pior quando estiverem “lá dentro” os catecúmenos e os convertidos, tantas vezes gente frágil. Poderão ser dominadas as tentações do triunfalismo e da catequização? Poderão os “jovens” resistir a serem transformados em “novos exércitos de Cristo”?
Ou Francisco quer mesmo dizer, com “a Igreja é de todos”, que a Igreja é a comunidade, e que a instituição, para ser “reino”, deve diluir-se no povo cristão? Afinal, disse Jesus, o Reino não é um lugar físico, não é um tempo a vir, é algo que está dentro de cada um. Quando no seu coração, ao cultivar a bondade, a paciência e a solidariedade, alguém ouve a voz de Deus e, ajudando os outros, concretiza a fé, e até consegue sair das armadilhas definitórias da teologia.
Como conciliar tal com a necessidade de “pobres sagrados”? Talvez eliminando a ideia da sua “necessidade”, da sua inevitabilidade. Loisy, homem de fé, acreditava na bondade da capacidade cristã de reinventar a instituição. Contra tudo e todos, e às custas de um grande sofrimento pessoal, sugeriu formas de reforma da Igreja que, parecendo irreais no seu tempo, o Concílio Vaticano II levou a cabo, décadas depois. Pelo impulso do mundo, e sob a batuta de papas proféticos. Estaremos agora numa encruzilhada deste caminho corajoso? Alguns sinais.
Os jovens, o ambiente e as desigualdades

O que mais impressionou na JMJ foi a alegria no olhar, a dança e o canto nos corpos, a tão frequente oração em público. Sem problemas. E muito para além dos “betos” (que também têm direito à vida)! A generosidade ímpar de milhares de voluntários, alguns dos quais deixaram decerto os estudos um pouco para trás, no semestre passado. Impressionou, ainda, a (quase) total unanimidade quanto à rejeição da exclusão por questões de género, de sexualidade, de divórcios e novos casamentos. Não deve, porém, ser minimizada, em especial, a questão da forma como olham para estas realidades os católicos de outras latitudes – como se vê pelos problemas que tal gera na Igreja Anglicana. Há um diálogo a alimentar que compreenda os valores das outras culturas, e não repita a falácia do progressismo europeu, mesclado, mesmo sem saber, de convicções de superioridade civilizacional. E há que transpor palavras audazes para os documentos, para a catequese, para os hábitos institucionais. De outro modo, soam a slogan ou a “coisas que o Papa diz e a Igreja não faz”.
O ambiente e as alterações climáticas são um património indiscutível, e o Papa Francisco tem contribuído de forma notável para os colocar na agenda política, social e – pasme-se! – religiosa. Colocando o acento num ponto que nem sempre os jovens ocidentais se lembram: o efeito multiplicador que as alterações têm quando se somam à pobreza, à desestruturação social e política, à guerra.
E chegamos a algo a que os jovens atuais aparentemente prestam uma atenção menor, no que toca à necessidade de fomentar a inclusão: as desigualdades sociológicas. Algo que, recorde-se, no Vaticano II nunca saiu da agenda, na linha do pensamento social da Igreja, oásis de esperança na castigadora Igreja oitocentista. Os jovens “pobres reais”, os jovens de famílias desestruturadas, os sem emprego ou instrução, os que vivem em guetos. Alguns salvam-se pela pertença aos “movimentos” … mas a certa altura é muito difícil conviver nos movimentos com os “jovens ricos”. A desigualdade de oportunidades, desde o nascimento, tem de ser denunciada como um fator de infelicidade de crianças e jovens – porque a infelicidade, sentida ano após ano, conduz a adultos sem sonhos, amargurados e sobrecarregados pelo peso de tudo aquilo que conseguiram ou não conseguiram, enquanto os pais de outros os pouparam a tal.
É certo que o Papa Francisco teve estas questões tão centrais como outras: visitou o Centro Social Paroquial da Serafina, orou com jovens reclusos e com deficiência em Fátima. Não saberei dizer – sobretudo nunca arriscaria a julgar – se estes momentos foram tão importantes para os jovens como a festa e os ritos. Digo apenas que será bom que tal tenha acontecido. Com o entusiasmo e o amor que manifestaram, combater as injustiças e as desigualdades sociais será um pouco menos difícil.
As mulheres e a tarefa interessante

Custa muito ver altares enormes, e espaços VIP, só com homens, uma omnipresença masculina quase total. Na missa de abertura, gerida pela Igreja portuguesa, todas as leituras foram feitas por homens. Um exclusivo clube, os “holy poor”? Com “as outras” ao seu serviço?
Na verdade, uma Igreja como comunidade, sem barreiras institucionais e sem um grupo clerical, diluiu o problema da ordenação de mulheres, que pode até configurar-se como um desvio aquele desiderato. Se séculos de dogma masculino defenderam e defendem que os discípulos eram apenas homens e que, como tal, assim teria de ser até ao fim dos tempos, lembremos a liberdade da historicização da Igreja, ganha a custo da própria felicidade, por pioneiros como Loisy.
Alterar a conceção de um Deus masculino é uma tarefa bem mais interessante. Mas aqui entra uma dificílima questão, que só invocamos porque de novo foi central nas JMJ: a questão da figura de Maria.
Porquê não falar das contradições e omissões quanto ao nascimento e infância de Jesus, antes da “canonização” dos Evangelhos? Das enormes polémicas que rodearam a figura de Maria e a questão da humanidade de Cristo nos primeiros séculos do Cristianismo? Enfim, do quase resvalar numa mitologia paganizante para a mãe de um Deus? E depois, fast forward em séculos, porquê não reconhecer, que pelo menos desde S. Bernardo (1090-1153) Maria foi constituída na figura feminina de uma milenar tradição de clérigos masculinos, afastados da mãe em pequenos, e educados no receio de qualquer outra mulher que não a mãe? Porquê não falar da representação em “parentes espirituais”, de milhares e milhares de pessoas, que não puderam (querendo) criar parentesco carnal, em função de um modelo de família divina no mínimo complicado?… Porquê, ao longo da história da Igreja, tantos santos, e tão poucas santas – e, entrando no campo das leigas, porquê quase nenhuma? A idealização masculina e clerical da figura de Maria contribuiu para que as mulheres na Igreja ou fossem desdobramentos daquela, ou fossem “imperfeitas”.
Uma recomposição da figura de Maria, que recuse estas deformações, é essencial para uma justa e igualitária inclusão das mulheres na Igreja.
Maria de Lurdes Rosa é historiadora e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.