Entre o argueiro e a trave

| 25 Mar 2023

“Porque reparas no argueiro que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu olho?” Pintura: O Cisco e a Trave (1619); Domenico Fetti, Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque.

 

Todos somos chamados à coragem. Não podemos transigir na responsabilidade, exige-se-nos determinação nas decisões a que somos obrigados, sem demora e sem a tentação de usar eufemismos ou de iludir a verdade. Oiçamos S. Mateus: “Porque reparas no argueiro que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu olho? Como ousas dizer ao teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, tendo tu uma trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e então verás para tirar o argueiro do olho do teu irmão. Não deis as coisas santas aos cães nem lanceis as vossas pérolas aos porcos, para não acontecer que as pisem aos pés, e acometendo-vos vos despedacem” (Mt., 7, 2-6). São duras estas palavras? Sim, mas é o tempo de sermos claros. “Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não; tudo o que for além disto procede do espírito do mal” (Mt., 5,37).

E o Papa Francisco tem sido muito claro ao dizer-nos que as situações graves não podem ser tratadas de ânimo leve. “Nunca serão suficientes as nossas palavras de arrependimento e consolação para as vítimas de abusos sexuais por parte dos membros da Igreja. Pecámos gravemente: milhares de vidas foram arruinadas por quem tinha o dever de cuidar delas e defendê-las. Nunca será suficiente o que fizermos para tentar reparar o dano que causámos.” A vida não é passível de simplificações. Em momentos cruciais, para que o essencial não se perca, temos de prevenir as más interpretações. Importa, assim, definir com coerência um plano de ação para que o mal não se repita, porque a hesitação será sempre má conselheira.

Sigamos a reflexão necessária para este momento. Na mensagem para a presente Quaresma, o Papa lembra que este é um tempo de graça na medida em que nos pusermos à escuta de Jesus, que nos fala. E como nos fala Ele? “Além da Sagrada Escritura, o Senhor fala-nos nos irmãos, sobretudo nos rostos e vicissitudes daqueles que precisam de ajuda. (…)  A escuta de Cristo passa também através da escuta dos irmãos e irmãs na Igreja”. Eis o que está em causa. A coragem de não hesitar, é a determinação de considerar a dignidade de quem exige a nossa atenção, onde quer que esteja. E se a Igreja é Mãe e Mestra, devemos saber tirar as consequências, com a serenidade que não pode confundir-se com condescendência, injustiça ou incerteza. O amor cristão obriga a fidelidade e confiança, reciprocidade e verdade. “Ao ouvir a voz do Pai, «os discípulos caíram com a face por terra, muito assustados. Aproximando-Se deles, Jesus tocou-lhes dizendo: ‘Levantai-vos e não tenhais medo’. Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém.» (Mt 17, 6-8). Temos, de facto, a obrigação de assumir a responsabilidade para com os outros, não alimentando a dúvida, “levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições”.

A Quaresma orienta-se para a Páscoa: o «retiro» não é um fim em si mesmo, é «uma preparação para viver – com fé, esperança e amor – a paixão e a cruz, a fim de chegarmos à ressurreição». Também o percurso sinodal não nos deve iludir quanto ao destino pretendido, ao termo de chegada. Não nos contentemos, assim, com as boas intenções ou com a expectativa de que a Graça surge por encanto. Não esqueçamos do que nos foi dito pelo Senhor: «Levantai-vos e não tenhais medo.» Desçamos à planície e que a graça experimentada nos sustente para sermos artesãos de uma verdadeira partilha sinodal para a vida ordinária das nossas comunidades. Verdade e determinação, eis o que se nos exige.

O alargamento do calendário do Sínodo [da Igreja Católica até 2024] significa que ainda há muito por fazer. Aproveitemos essa circunstância. No entanto parece persistir a tentação de considerar que basta a mudança de procedimentos para chegarmos à renovação com Verdade e Vida. Há um esforço adicional a empreender. Há um exercício de mobilização e de compromisso que se torna urgente. A inércia e a indiferença são riscos sérios que podem comprometer uma mensagem eficaz que reafirme a atualidade da Igreja como sinal das Bem-aventuranças e como reserva ética. E essa reserva ética poderá perder-se se não formos claros e determinados! Façamos prevalecer, assim, o cuidado e a atenção, para que a Verdade não seja uma palavra vã e a Determinação seja um método ativo. Como assegurar uma Igreja mais pastoral, mais justa e mais aberta? O Papa diz: “Abram portas! Percorramos os caminhos”. E a palavra-chave é “Todos”. A Igreja não pode ser uma casa para alguns, não é exclusiva nem seletiva – é para todos.

 

Guilherme d’Oliveira Martins é administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian. Contacto: gom@cnc.pt 

 

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