
O trabalho em muitas estufas é desde há anos sujeito a um regime de exploração. Foto © Hussaini Moiwala/Unsplash
Para o anterior bispo de Beja, António Vitalino Dantas, não é novidade o que se está a passar em Odemira, com a denúncia de casos de exploração de imigrantes: por diversas vezes, em 2010, 2011, 2012… alertou para o regime de “escravatura” a que muitos eram sujeitos no Alentejo, onde chegam a trabalhar vários milhares em simultâneo na apanha da fruta. Agora, ao ver nos jornais e nas televisões as notícias sobre o que se passa, D. António Vitalino diz apenas: “A situação mantém-se.” Pior: isto acontece porque é permitido pelas autoridades do Estado – Governos, SEF, ACT – acusa.
D. João Marcos, que lhe sucedeu em Novembro de 2016, confirma que o problema não é novo para os responsáveis católicos: o actual bispo da diocese do Baixo Alentejo conta que visitou as estufas de fruta há uns cinco ou seis anos. “É um problema que já nos preocupava”, diz ao 7MARGENS. Mas a visita foi em Janeiro, quando não há muita gente no trabalho agrícola. “Não tenho uma visão muito global, mas o problema existe, sei da dificuldade de arranjar casa em São Teotónio, as pessoas vivem muito mal.”
Para o seu antecessor, o problema principal são os intermediários, que integram máfias de migrações. São eles quem recrutam as pessoas e as trazem – do Leste europeu, do Médio Oriente, da Índia ou da África Ocidental, como refere o DN, citando a Associação Solidariedade Imigrante, de Beja. A mesma fonte diz que o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) registava 661.600 estrangeiros no final de 2020 – ou seja, mais 71.252 do que em 2019.
O Público noticiava entretanto, nesta terça-feira, que em toda a região do Alentejo, o SEF tem 32 inquéritos a correr: desde 2018, foram detidos 11 suspeitos, 37 pessoas e 14 empresas foram constituídas arguidas e 134 pessoas foram sinalizadas como vítimas.
O poder das máfias, recorda ainda o bispo Vitalino, passa por retirar o passaporte às pessoas, para poder controlar os seus movimentos, ao mesmo tempo que mantêm as famílias dos trabalhadores sob ameaça. O SEF, acusa ainda o anterior bispo de Beja, sabe do que se passa e não actua junto dos empresários.
“Dá ideia que as pessoas se sujeitam a tudo porque lhes dá muito jeito o dinheirito que ganham e conseguem mandar para as famílias”, acrescenta o bispo João Marcos, que diz que a diocese está “disponível para tudo”, embora tenha “poucas pessoas” para acompanhar quem precisa.
Em declarações à agência Ecclesia, o presidente da Cáritas de Beja alertava também para os problemas de saúde, habitação e emprego, referindo igualmente o problema dos intermediários: a ligação com os trabalhadores é feita muitas vezes por esse meio e os contratos são “muitas vezes” precários, duvidosos, falsos, diz.
No Centro Local de Apoio à Integração dos Migrantes (CLAIM) que a Cáritas Diocesana de Beja mantém, com financiamento do Alto Comissariado para as Migrações, faz-se um primeiro atendimento para ajudar os imigrantes a “resolver os problemas administrativos, entrevistas com o SEF, manifestações de interesse, questões de residência”.
Entre os problemas detectados, está o da habitação, que muitas vezes está também nas mãos de máfias, diz ainda o mesmo responsável.
“Que se tornem cidadãos integrados”

O bispo António Vitalino denunciou várias vezes o regime de “escravatura” no trabalho agrícola da região alentejana. Foto © Ecclesia.
Em 2010, o então bispo da diocese dizia que havia casos de escravatura humana, promovidos por “autênticos mafiosos: são dezenas, ou até centenas, de pessoas a viver em condições degradantes, a passar fome e frio e a ganhar uma miséria”, declarava ele ao Correio da Manhã, enquanto sublinhava que “é lamentável que uma coisa destas ainda ocorra em Portugal”.
No final de 2011, o mesmo bispo continuava a denunciar casos de “trabalho escravo” de imigrantes em explorações agrícolas no Alentejo, “vítimas de intermediários sem escrúpulos”, como referia em declarações à agência Lusa.
António Vitalino falava também, nessa altura, de condições de habitação “quase nulas”, em casas “já meio abandonadas ou em pré-fabricados” onde eram colocadas “muitas pessoas aglomeradas”. Mas, adiantava a Lusa, as autoridades com acções de fiscalização no terreno ainda não tinham detectado nenhuma situação nesse ano.
Em Agosto de 2007, na peregrinação dos emigrantes em Fátima, o mesmo bispo pedia: “Lembremo-nos daqueles que vêm até nós e ajudemo-los a libertar-se dos seus medos e opressores, das máfias dos seus irmãos de raça, para que se tornem cidadãos integrados no nosso país e possam reconstruir a sua vida, promover as suas famílias e contribuir também para o bem do nosso país e do seu país de origem.”