
A Comissão liderada por Pedro Strecht é composta, da esquerda para a direita, por Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Nunes de Almeida, Fili Tavares, Daniel Sampaio e Catarina Vasconcelos, para além do seu diretor, Pedro Strecht. Foto © 7Margens
Fui um dos que, convictamente e pelo amor que tenho à Igreja Católica, subscrevi a carta que 276 católicas e católicos dirigiram ao episcopado português para que, em consonância e decididamente, tomassem “a iniciativa de organizar uma investigação independente sobre os crimes de abuso sexual na Igreja”.
Não tenho dúvidas de que essa era já a vontade dos bispos, mas a posição deste grupo, tornada pública, permitiu que se sentissem apoiados nessa inadiável, mas desconfortável decisão.
A prova de que como foi importante esta nossa tomada de posição está nas reações que recebemos de alguns padres a agradecerem a iniciativa, por se sentirem incomodados na sua honra e na verdade do ministério que desempenham na Igreja Católica. É que, vulgarmente, quando se aborda na praça pública este flagelo humano e se referem as implicações que nele a Igreja tem, há a tendência para que a narrativa seja a da acusação ao clero católico e não a de que são alguns dos seus membros que a praticaram ou praticam.
O facto de ter havido quem tivesse, (segundo o 7MARGENS), contactado a Comissão de Estudo para os Abusos Sexuais “a criticar o Papa, por incentivar a averiguação das situações de abuso sexual, e a Igreja Católica portuguesa, por promover este estudo”, vem dar razão ao fundamental objetivo da carta escrita pelo grupo que também recebeu críticas por o ter feito.
É salutar que se pense diferente, seja o assunto e contexto que for, mas custa que ainda não se tenha conseguido um perseverante diálogo, sincero e construtivo, dentro da Igreja Católica. Não só a inexistência deste diálogo é nefasta para a Igreja, como é vergonhosa a atitude ignóbil de maledicência de alguns católicos, contra quem pense diferente.
A propósito da publicação desta carta, um padre da minha diocese (Setúbal) atacou ferozmente no jornal Diário do Minho os subscritores, particularmente dois, um dos quais eu próprio, tendo ferido o meu bom nome com calúnias infames. Não é a primeira vez que assim procede. Aliás, o estilo deste escriba é sempre muito “avinagrado”. Esta pessoa deveria ser repreendida pela justiça dos homens, mas prefiro que o seja pela de Deus, que sempre é mais compassiva.
O importante é a satisfação que sinto, como muita mais gente, pelas posições que sobre este nefasto problema os bispos de Portugal têm vindo a tomar nos últimos tempos, sabendo que, assim, estão a ser fiéis aos valores do Evangelho e a contribuir para que se edifique a justiça, tão querida pelo Deus de Jesus Cristo. A Igreja, como mãe que é, deverá aceitar o que determina o sistema judicial português ou assumir outro tipo de responsabilidades. Não deve, contudo, deixar entregues à sua sorte os agressores, mas deverá propiciar meios justos de remissão libertadora para eles.
Não vai ser uma realidade a curto prazo, mas acredito que os nossos bispos e o trabalho competente dos membros da Comissão que, por inspiração divina, eles escolheram, vão permitir retomar e fortalecer a credibilidade da Igreja Católica em Portugal e no mundo inteiro.
A Igreja que eu amo é a que defende, intransigentemente, e atualiza a Boa Notícia enviada por Deus através de Jesus Cristo, ou seja, que Deus é Pai de todos, e em Jesus Cristo nos tornou seus filhos adotivos e irmãos uns dos outros; a Igreja que eu amo é a que está sempre, e incondicionalmente, do lado dos mais frágeis; a Igreja que eu amo é a que promove um diálogo interno baseado nessa fraternidade cristã; a Igreja que eu amo é a que está, sem medo e nenhum complexo, aberta às novas realidades de cada tempo; a Igreja que eu amo é aquela em que todos se sentem membros de uma única família, sem distinções de classes; a Igreja que eu amo é a que tem consciência de que todos são filhos de “um só Deus e Pai de todos” (Ef. 4,6), por isso não são órfãos e podem viver, mutuamente, em paz (cfr. Encíclica Fratelli Tutti, nº 272)
Esta é a Igreja que eu amo e na qual quero permanecer e quero ajudar, com as minhas limitações, a ser fiel à sua fundamental missão.
Eugénio Fonseca é presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado.