Neste 1 de Setembro, muitas igrejas cristãs assinalam o Dia Mundial de Oração pela Criação, uma ideia inicial do Patriarca Bartolomeu, de Constantinopla. É o começo do Tempo da Criação, um mês para sensibilizar para o cuidado do planeta. Como mostram 400 mil árvores que os bispos católicos querem plantar no Banglasdesh ou a diocese filipina que se tornou a primeira do mundo movida a energia solar. Em Portugal, o apelo é para concretizar as ideias oportunas e urgentes da Laudato Si’.

Desmatamento 900km a sudeste de Manaus, Amazónia: “Estamos a espremer o planeta”, diz o Papa Francisco. Foto © Gerard Moss/Projecto Brasil das Águas-2006.
“Estamos a espremer os bens do planeta. Espremendo-os, como se fossem uma laranja. Países e empresas do Norte enriqueceram explorando dons naturais do Sul, gerando uma ‘dívida ecológica’”. No vídeo de Setembro da Rede Mundial de Oração do Papa, Francisco denuncia desta maneira os atentados ao ambiente cometidos por países e multinacionais e o cuidado que se deve ter com os recursos do planeta.
O vídeo surge a propósito do Dia Mundial de Oração pela Criação, que se assinala a 1 de Setembro por iniciativa do Patriarca Bartolomeu (ortodoxo), de Constantinopla, e ao qual depois se foram juntando várias outras igrejas cristãs. O Papa Francisco envolveu a Igreja Católica há cinco anos, depois de ter publicado a encíclica Laudato Si’, “sobre o cuidado da Casa Comum”.
Simultaneamente, o dia mundial dá início ao “Tempo da Criação”, que decorre até 4 de Outubro, dia de São Francisco de Assis (ao qual se pode aderir com a hashtag #TempoDaCriação), e durante a qual diferentes igrejas (e também organizações não-governamentais) promovem acções de sensibilização, formação ou, mesmo, de concretização de medidas que ajudem a inverter a marcha de destruição que se regista no ambiente. Desta vez, o Tempo da Criação surge quando a Igreja Católica decidiu promover um Ano Laudato Si’, para assinalar os cinco anos da publicação da encíclica.
“Quem pagará a dívida?”
No curto filme, o Papa pergunta: “Quem pagará essa dívida? Além disso, a ‘dívida ecológica’ é ampliada quando multinacionais fazem fora dos seus países o que não lhes é permitido fazerem nos seus. É ultrajante.” E acrescenta, em apelo aos cristãos: “Hoje, não amanhã, hoje, temos de cuidar da Criação com responsabilidade. Rezemos para que os recursos do planeta não sejam saqueados, mas partilhados de forma justa e respeitosa. Não ao saque, sim à partilha.”
No comunicado da Rede Mundial de Oração do Papa, enviado ao 7MARGENS, citam-se os sucessivos relatórios internacionais que indicam que quase mil milhões de pessoas “vão dormir com fome todas as noites”, não pela falta de “comida suficiente para todos, mas por causa da profunda injustiça na maneira como a comida é produzida e distribuída”.
Entre essas razões, diz o mesmo texto, “estão o aumento do poder empresarial na produção de alimentos, a crise climática e o acesso injusto aos recursos naturais, o que afecta a capacidade das pessoas de cultivar e comprar alimentos” – situação “especialmente prejudicial para as mulheres, que trabalham mais na agricultura do que em qualquer outro sector e produzem grande parte dos alimentos do mundo”.
Também as indústrias extractivistas e a exploração de recursos naturais não renováveis, incluindo petróleo, gás, minerais e madeira, já foram apontadas pela ONU como um dos factores que desencadeiam, impulsionam ou sustentam conflitos violentos em diferentes partes do mundo, acrescenta o comunicado.
“Hoje mais do que nunca temos de ouvir esse clamor e promover concretamente, com um estilo de vida pessoal e comunitário sóbrio e solidário, uma ecologia integral”, comenta o padre jesuíta Frédéric Fornos SJ, diretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa.
Patriarca Bartolomeu:
progresso económico não pode ser pesadelo ecológico

Patriarca Bartolomeu no Amazonas, em Julho de 2006, durante o simpósio Religião, Ciência, Ambiente “Amazónia, Fonte de Vida”. Foto © António Marujo
O Patriarca Bartolomeu também insiste em aspectos semelhantes, na sua mensagem para este Dia de Oração pelo Cuidado da Criação: a biodiversidade destruída e o equilíbrio climático em colapso exigem uma acção conjunta de indivíduos e governos, pois “o desenvolvimento não pode continuar sendo um pesadelo para a ecologia”.
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“Por quanto tempo ainda a natureza vai suportar discussões e consultas infrutíferas e inúmeros atrasos adicionais na tomada de medidas decisivas para sua proteção?”, pergunta o Patriarca, citado pelo Vatican News.
Bartolomeu acrescenta que é “uma convicção compartilhada que, no nosso tempo, o ambiente natural está ameaçado como nunca antes”. A extensão dessa ameaça é clara, porque o que está em jogo já não é “a qualidade, mas a preservação da vida no nosso planeta”.
Testemunhamos hoje, diz ainda, “a destruição do ambiente natural, da biodiversidade, da flora e da fauna, a poluição dos recursos aquáticos e da atmosfera, o colapso progressivo do equilíbrio climático” e outros excessos. E se há uma “grande sensibilidade e responsabilidade ecológica da parte de pessoas e grupos, o mesmo não acontece com muitos administradores de assuntos públicos ou agentes económicos, acusa.
As quarentenas e a paragem de muitas actividades económicas, associadas ao combate à pandemia, mostraram que o critério da “maximização do lucro” tem um “impacto negativo sobre o equilíbrio ambiental” e, por isso, é necessária uma mudança no sentido de uma “economia ecológica”. “Não há um progresso verdadeiro baseado na destruição do ambiente natural”, acrescenta, e por isso é “inconcebível que as decisões económicas sejam tomadas sem levar em conta suas consequências ecológicas”.
Planeta “recuperou” 25 dias, mas ainda está em (grave) défice

Poluição em São Paulo (Brasil): Apesar da redução da poluição e da depredação de recursos, a humanidade continua a gastar mais do que o planeta tem. Foto © paulisson miura/WIkimedia Commons
A referência do Patriarca Bartolomeu, baseada e já confirmada em vários estudos e estatísticas vindas a público, pode entender-se como atestada também pelo facto de, neste ano, o “dia da sobrecarga da terra” – que assinala a data em que se consideram gastos os recursos do planeta para um ano – ter chegado 25 dias mais tarde, em relação ao ano passado: a 22 de Agosto.
A Global Footprint Network (GFN, Rede da pegada global) mediu, nessa data, que a exploração de recursos foi reduzida em 9,3% mas, para inverter realmente a tendência, é preciso mesmo “mudar os nossos estilos de vida”, uma possibilidade que a rede considera estar ao alcance da humanidade, tendo em conta o que se passou nos últimos meses.
Há 15 anos que o dia da sobrecarga da terra não era tão tarde (2019 marcou o recorde negativo). E o que se conseguiu este ano pode ser já anulado no próximo, diz a GFN, se não se intervier na forma como se produz, distribui e consume. E, apesar da redução, é como se ainda estivéssemos a utilizar os recursos de 1,6 planetas, alertava ainda a rede.
A má notícia é que, desde 22 de Agosto, já estamos a gastar para lá do que o planeta consegue produzir, aumentando o défice ecológico da Terra, que já cresce constantemente desde o início dos anos 1970 (o primeiro dia de sobrecarga foi 21 de Dezembro de 1971). Continuando a este ritmo, calcula a GFN, calcula que, em 2050, estaremos a consumir o dobro do que o planeta produz, com os recursos alimentares a serem os primeiros em risco.
400 mil árvores no Bangladesh, uma diocese solar nas Filipinas

Bispos do Bangladesh a plantar as primeiras árvores. Foto: Direitos reservados
No Bangladesh, uma campanha de plantação de 400 mil árvores lançada pelos bispos católicos, em parceria com a Cáritas do país, é uma das iniciativas mais importantes lançadas nas últimas semanas por redes, igrejas, organizações e grupos que tentam contrariar esta ameaça global.
Anunciada a meados de Agosto a propósito do Ano Laudato Si’, a campanha pretende também assinalar os 50 anos de independência do país, bem como o centenário de nascimento do xeque Mujibur Rahman, líder e fundador da nação.
O cardeal Patrick D’Rozario, arcebispo de Dacca, inaugurou a campanha com a plantação de três árvores de fruto nas instalações do centro da Conferência Episcopal Católica do Bangladesh (CBCB), a 14 de Agosto. O cardeal e outros bispos presentes na cerimónia apelaram aos católicos das oito dioceses do país e suas paróquias para que fizessem o mesmo durante estes próximos meses.
O cardeal Rozario, presidente da CBCB, disse na ocasião que as árvores desempenham um papel vital na manutenção do equilíbrio ecológico, ameaçado com o crescimento populacional e as muitas necessidades das pessoas. “Plantaremos sobretudo árvores de fruto, mas também árvores que possam produzir madeira no futuro”, afirmou.
O bispo Gervas Rozario de Rajshahi, presidente da Cáritas Bangladesh, referiu-se à plantação de árvores como uma actividade simbólica para a sensibilização nacional na salvaguarda do ambiente. E sugeriu que os cristãos podem fazer mais esforços de conservação ambiental sem gastar um cêntimo, ao mesmo tempo que encorajava práticas como o abandono de sacos de plástico, a utilização de resíduos para produzir fertilizantes compostos e a prevenção do desperdício de água potável.
Também na Ásia Oriental, a diocese filipina de Maasin, na província de Leyte (nas ilhas do sueste do país), tornou-se a primeira de toda a Igreja Católica a adoptar energias renováveis. Painéis solares em 42 igrejas estão agora a gerar electricidade para ajudar na luta contra o aquecimento global e o abuso ambiental e como forma de responder aos apelos do Papa Francisco na Laudato Si’.
O projecto total pretende abranger, além da catedral das quatro dezenas de igrejas, ainda 50 edifícios diocesanos e escolas e outras tantas 50 famílias ou empresas de católicos, que serão convidados a aderir. Para já, a instalação dos painéis solares na catedral e edifícios escolares permitiu poupar à diocese mais de 100 mil pesos (perto de 1700 euros) em contas mensais de electricidade e o investimento pode ser recuperado em sete anos.
Portugal: uma “oportunidade extraordinária”
Em Portugal, a Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana (CEPSMH) emitiu uma “breve nota” a propósito do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, na qual considera esta iniciativa como “uma oportunidade extraordinária”. “Porque extraordinários são os meses que temos vivido desde março, marcados pela incerteza e pelo medo, às vezes pela angústia, pela aflição e pela dor de tantos”, justifica.
No documento, enviado ao 7MARGENS, diz a CEPSMH que este é “um tempo marcado também pelo cuidado com os mais frágeis”. E cita o Papa Francisco, na audiência de 19 de Agosto: “Por um lado, é essencial encontrar uma cura para um pequeno mas terrível vírus que põe o mundo inteiro de joelhos. Por outro, temos de nos curar de um grande vírus: o da injustiça social, da desigualdade de oportunidades, da marginalização e da falta de proteção dos mais vulneráveis.”
A nota termina com o apelo a que as “diversas propostas concretas, todas oportunas, muitas delas urgentes” feitas pela Laudato Si’ sejam postas em prática. Um apelo que ganha mais pertinência ainda quanto, até hoje, não há qualquer proposta de iniciativa de vulto, seja a nível nacional ou em alguma das 20 dioceses, ligada à concretização das ideias da encíclica do Papa – além de projectos nascidos de iniciativas de base, como a rede Cuidar da Casa Comum ou a Associação Casa Velha. No campo evangélico e protestante, ao contrário, a Associação A Rocha tem já largos anos de actividade na conservação e protecção ambiental.
Os jesuítas, através do seu portal Ponto SJ, associam-se também ao Tempo da Criação, propondo a iniciativa digital “7 verbos pela Terra“, que será lançada neste dia 1. Ao mesmo tempo, o Ponto SJ adere também ao momento ecuménico de oração que decorrerá online entre as 15h00 e as 16h00. Finalmente, os Franciscanos Capuchinhos divulgaram também, entre os grupos bíblicos que dinamizam e leitores da revista Bíblica, uma proposta de meditação diária, que inclui um texto da Laudato Si’ e uma pequena oração nele inspirada.
Também o Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) e a Conferência das Igrejas Europeias (CEC) convidam a celebrar o Tempo da Criação, assinalando que a pandemia “revelou” a que ponto o mundo está “profundamente interconectado”.
Citada pela Ecclesia, a nota diz que o conceito de jubileu “está enraizado na Bíblia e pretende sublinhar “que deve existir um equilíbrio justo e sustentável entre as realidades sociais, económicas e ecológicas”. O texto refere ainda “a necessidade de restaurar o equilíbrio nos próprios sistemas de vida, afirmando a necessidade de igualdade, justiça e sustentabilidade”, confirmando a necessidade de uma “voz profética em defesa da casa comum”.

Gráfico divulgado pela Rede Mundial de Oração do Papa.
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