
“Acredito que o sentido da vida está na construção de uma qualquer espécie de eternidade”. Foto © Tiago Gonçalves Paulino
Acredito que o sentido da vida está na construção de uma qualquer espécie de eternidade. Não está nas rotinas necessárias à sobrevivência material; não está nas atividades que servem para entreter e passar tempo; não está no que diverte e ajuda a esquecer.
Olhemos à nossa volta: uns ocupam-se, outros entretém-se, outros divertem-se, outros entendiam-se. Vivem porque a vida dura, como dizia Pessoa, mas nenhum deles sabe para que vive. Alguns julgam saber, porque todos buscam formas de justificar aquilo que no fundo não sabem justificar. Enfim, agarram-se a qualquer coisa, a qualquer rotina, a qualquer hábito ou vício, porque viver é mover-se e agitar-se, é uma pulsão para ser à qual todos sentem que é necessário responder, embora não saibam porquê nem para quê. Mas no fundo nunca estão satisfeitos nem felizes, porque toda essa atividade, toda essa agitação, começa e acaba em si mesma, quer dizer, esgota-se em si própria, sem que dela emirja algo que perdure, algo que exprima Beleza, Verdade.
A vida segue sempre e nós seguimos com ela, necessariamente, como se fôssemos empurrados pela passagem inexorável do tempo. Mas enquanto uns aceitam esse empurrão inexorável como um impulso para levantar voo – inclusive até lugares onde o tempo não domina –, outros deixam-se arrastar por ele até ao abismo. Porque quando o tempo não serve para moldar e edificar pedaços de eternidade, ele apenas dura e, portanto, a nada conduz (a não ser à morte), pois a sua natureza é durar, sem mais.
Onde o tempo domina completamente, o Nada domina completamente, pois o tempo não tem em si próprio o seu fim; ele é apenas meio, apenas caminho. Em boa verdade, e em absoluto, o tempo não é; ele é tanto mais real e denso quanto mais pensamos nele, quanto mais nos deixamos envolver por ele, quanto mais nos tornamos dependentes dele; na realidade, o tempo não é senão um vazio, o nosso próprio vazio interior, projetado na realidade exterior, de tal maneira que é por vezes quando temos mais tempo que ele mais nos pesa. Quando o tempo domina completamente, tomam conta de nós o tédio, o absurdo, e mesmo o desespero.
Por isso, acredito que o sentido da vida está para além da vida, quer dizer, está na construção de qualquer coisa que não se esgota no tempo e no espaço de uma vida. Nas antigas civilizações construíam-se grandes templos; no Egipto construíam-se “moradas de eternidade”, templos dedicados a deuses e deusas, que reproduziam na terra as regras dos céus, a matemática e geometria das forças cósmicas, para que a eternidade tivesse um lugar entre os homens, para sempre. E todos quantos contribuíam com as suas curtas vidas para a edificação dessas obras de eternidade encontravam nelas o sentido para a sua própria finitude. E desse modo, encontravam o seu sentido.
Onde quer que, ao longo da história, homens ou mulheres tenham produzido obras de eternidade, quer seja pela arte, pela ciência, pela filosofia, pela literatura, pela espiritualidade, pela ética ou pelo amor, eles encontraram também a justificação e o sentido para as suas próprias vidas. Pelos seus contributos ou pelas suas obras singulares, superaram a sua finitude, venceram o tempo, e não apenas na medida em que as suas obras permaneceram muito para além das suas mortes físicas, mas porque pelo próprio ato de criar, trabalhar, construir, contemplar, pensar, amar, experienciaram a eternidade nas suas próprias vidas.
Com efeito, se o sentido pressupõe uma escatologia, não é necessário que essa escatologia corresponda, necessariamente, a uma meta a que se chega, a um fim que se atinge, a um auge que se conquista, a um tempo que se consuma no fim dos tempos.
O fim da vida não é a morte; o fim da vida é a superação da morte; o fim da vida é a imortalidade. Imortalidade no sentido de uma experiência que se vive, que se experiencia na medida em que de alguma forma se participa naquilo que é eterno, intemporal, absoluto. Porque não é possível edificar nada que participe da eternidade se o próprio ato de fazer, produzir e criar não mergulhar ele próprio na eternidade cuja imagem se procura reproduzir a partir da matéria do tempo e do espaço. E na medida em que se experiencia, num dado momento, a eternidade, conquista-se também o sentido, a finalidade, que já não é um algo que vem depois, a consumação de um tempo, mas um agora que é sempre, a anulação do tempo.
Ruben Azevedo é professor e membro do Ginásio de Educação Da Vinci – Campo de Ourique (Lisboa).