
“Acabar com contrabandistas e barcos”, tem constantemente afirmado Richi Sunak (primeiro-ministro do Reino Unido) e responsáveis do Governo voltam a enfatizá-lo ao comentar a recente tragédia. Bem, a forma é simples: basta que sejam concedidas passagens seguras. Foto retirada do site da ONG Utopia 56
Neste fim-de-semana, mais um barco, mais sonhos, mais vidas destruídas, mais famílias a chorar a morte dos seus entes queridos pela desesperada busca de paz, harmonia e subsistência, que os leva a pagar, a dar tudo o que têm em muitos casos, a contrabandistas aceitando as condições mais arriscadas em barcos de borracha rumo ao Reino Unido.
Seis pessoas morreram e dez estão desaparecidas na sequência de mais um naufrágio no Canal da Mancha, na madrugada de 12 de Agosto.
No rescaldo da Jornada Mundial da Juventude, católicos e outras pessoas atentas têm ainda em mente as palavras do Papa Francisco (no encontro com as autoridades e sociedade civil no dia 2 de Agosto 2023):
Europa do arame farpado, (…) apetece perguntar-lhe: Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz? (…) [é] prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam, a cultura da morte. (…) dificuldade de acolher, proteger, promover e integrar quem vem de longe e bate às nossas portas.”
“Acabar com contrabandistas e barcos”, tem constantemente afirmado Richi Sunak (primeiro-ministro do Reino Unido) e responsáveis do Governo voltam a enfatizá-lo ao comentar a recente tragédia. Bem, a forma é simples: basta que sejam concedidas passagens seguras.
A crise na Ucrânia mostrou que tanto França como Reino Unido são capazes de o fazer. Não foram necessários contrabandistas, barcos de borracha ou mortes, apenas viagens de comboio ou avião. Na Europa, a diretiva de proteção temporária da União Europeia estende o direito a ucranianos a permanecer até 2024. No caso do Reino Unido, foi criado o Ukraine Scheme, Family Scheme e Sponsorship Scheme que no total recebe 18.000 ucranianos.
Síria, Afeganistão, Sudão, Eritreia, Sudão do Sul, Somália, e tantos outros fugindo de guerras, ditaduras, fome extrema, que Scheme ou Directiva tiveram criada para eles? Morte, luto, trauma e feridos foi o que se fez para as pessoas destes países e contextos.
É a raça, cor de pele? Religião? Cultura? O que há de diferente neste sangue humano?
“A fronteira mata e vamos ver mais mortes no Canal se não forem criadas passagens seguras. Os contrabandistas existem por não haver passagens seguras”, diz Axel Gaudinat, coordenador da ONG Utopia 56 que dá apoio aos migrantes em França.
Não são os contrabandistas os culpados, eles apenas lucram com a falta de acção dos governos, criando passagens. O sangue destas mortes no Canal da Mancha está nas mãos do Reino Unido – que investe em “reforço de fronteiras” (polícias, armas, high-tech), muros, em vez de passagens seguras e integração, pontes – e nas mãos da França, que aceita este dinheiro aplicando recursos nacionais para o efeito.
Choremos, oremos, unamos vozes pela humanidade, igualdade e dignidade no Canal da Mancha. Por todos os enlutados e pelos que olham angustiados ainda do lado francês da fronteira ao ver aquele que pode ser também o seu destino da próxima vez que receberem um telefonema do contrabandista e se fizerem ao mar. Por passagens seguras para a Europa e dentro da Europa e pelo fim das mortes inocentes.
Catarina Sá Couto é estagiária do Esquema de Experiência no Ministério Ordenado, da Área de Stepney na Church of England (Comunhão Anglicana).