
Um trabalhador português no seu posto de trabalho em casa, numa mesa de jantar dividida em duas partes, durante a pandemia: “Prestem atenção aos jovens, muitas vezes forçados a contratos precários”, pediu o Papa Francisco. Foto: Direitos reservados.
A cultura do descarte, a falta de segurança no trabalho e a exploração das pessoas como se fossem máquinas são algumas das preocupações manifestadas pelo Papa, esta segunda-feira, 19, num discurso aos dirigentes e delegados da Confederação Geral Italiana do Trabalho.
Francisco começou por sublinhar a importância da formação dos trabalhadores e, juntamente com ela, as distorções do trabalho, denunciando a “cultura do descarte” que considera ter penetrado nas relações económicas e no mundo do trabalho. Como situações exemplificativas, além de falta de trabalho ou de trabalho indigno, Francisco apontou atentados à dignidade humana patentes na discriminação de género, perguntando, a este propósito, “porque é que uma mulher haveria de ganhar menos que um homem”. Ainda no mesmo terreno verberou as situações em que uma empresa descarta uma trabalhadora quando começa a haver sinais de que engravidou.
No tocante à segurança dos trabalhadores, matéria que disse ser recorrente nas notícias sobre mutilados e feridos no local de trabalho, disse que este é também onde muitos encontram a morte. “Cada morte no trabalho é uma derrota para toda a sociedade”, observou. “Em vez de contá-los no final de cada ano, devemos lembrar seus nomes, porque são pessoas e não números. Não vamos permitir que o lucro e a pessoa sejam colocados no mesmo patamar!”
Outra preocupação do Papa refere-se à “exploração das pessoas como se fossem máquinas de trabalho”. Exemplificou aludindo a “formas de violência, como a contratação ilegal e a escravidão de trabalhadores na agricultura ou em estaleiros de obras e em outros locais de trabalho, o constrangimento a jornadas de trabalho desgastantes, a desvalorização dos contratos, o desprezo pela maternidade, o conflito entre trabalho e família”.
O Papa alertou para o fenómeno, também presente em países como Portugal, como é o do aumento dos “trabalhadores pobres”, ou seja, pessoas que, apesar de terem um emprego, “não conseguem sustentar suas famílias e dar esperança para o futuro”.
Dirigindo-se diretamente aos interlocutores presentes na Sala Paulo VI, no Vaticano, Francisco afirmou: “O sindicato – ouçam bem – é chamado a ser a voz dos que não têm voz. É preciso fazer barulho para dar voz aos que não têm voz. Em particular, recomendo que prestem atenção aos jovens, que muitas vezes são forçados a contratos precários, inadequados e até escravizantes. Agradeço cada iniciativa que promove políticas laborais ativas e protege a dignidade das pessoas.”
Na parte final, o Papa pediu aos dirigentes sindicais que sejam “sentinelas” do mundo do trabalho, “gerando alianças e não oposições estéreis”. “As pessoas têm sede de paz, especialmente neste momento histórico, e a contribuição de todos é fundamental. Educar para a paz também nos locais de trabalho, muitas vezes marcados por conflitos, pode tornar-se um sinal de esperança para todos. Mesmo para as gerações futuras”, considerou o Papa.
LOC/MTC: “Natal focado nos que pouco contam”

Acção do Sindicato do Comércio, Escritórios e Serviços (CESP-CGTP) pelo direito a horários compatíveis com a vida familiar, diante do centro comercial Vasco da Gama, em Lisboa, em Dezembro de 2019: a LOC partilha as preocupações do Papa com as condições de trabalho. Foto © CESP.
A preocupação com as condições de trabalho e com os pobres é também partilhada pela LOC/MTC (Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos), expressa na mensagem de Natal, segundo o comunicado enviado ao 7MARGENS.
A mensagem refere que, embora Jesus tenha deixado “bem claro no início da sua vida pública” que veio “trazer boas notícias aos pobres” para que estes “tenham vida e vida em abundância”, “o mundo de hoje está cheio de más notícias”, que afetam sobretudo “os mais pobres”. As más notícias vê-as o Movimento nos salários baixos, na precariedade no trabalho, nos longos e desregulados horários de trabalho, os acidentes de trabalho, as más condições de trabalho e de habitação, a carestia de vida, junto com a pandemia e a guerra e “todas as suas consequências [que] agravam as nossas condições de vida”.
O Natal de hoje “requer um olhar para a realidade de vida, especialmente focado nos que sofrem, vítimas de abandono da sociedade, os que ‘pouco contam’”, entende o MTC. Esses que “pouco contam” são, nesta mensagem, os trabalhadores de profissões pouco especializadas, desempregados ou que apenas conseguem algum tempo de trabalho,… “vivem em bairros pobres e não conseguem sair desta situação que se perpetua”. São também os “muitos trabalhadores desprotegidos dos seus direitos laborais básicos, sem contrato de trabalho, migrantes a trabalhar na economia paralela ou em situações degradantes e formas de exploração inconcebíveis”.
Por todos estes motivos a LOC/MTC convida todos a envolverem-se na campanha que vem promovendo pelo “trabalho digno” e pelo “cuidado da casa comum” onde seja bom viver e “onde o trabalho seja para o Homem e não o Homem para o trabalho”. Essa é, diz a mensagem, “uma maneira de fazer Natal na vida de cada um”.